ATOS HISTÓRICOS
Ato é toda manifestação unilateral, que tenha por finalidade o resgate das coisas que aconteceram com todos nós e, por assim ser, é que narramos uma sequência de atos que aconteceram na vida de uma pessoa.
1º ATO
O biografado teve sua prole projetada no dia 29 de outubro de 1949. Nesta data, o Grande Arquiteto do Universo determinou que chegasse à Fazenda Caxixi, Município de Tuntum, Maranhão, o vigário Antônio Porteeri Tavernole, para rezar missa na Capela Nova Alegria, batizar crianças e celebrar o casamento de Manoel Mota do Nascimento com Maria Tomas Mota, um enlace matrimonial que se encaixou perfeitamente nas aceitações mútuas, que tiveram no decorrer de 56 anos de união conjugal, muitos momentos de concepção, nos quais geraram 11 filhos.
O primeiro gerou-se em dezembro do mesmo ano, um fenômeno que causou felicidade e sorriso entre os dois que se amavam mutuamente. A partir de então, eles contavam nos dedos o dia e hora que o bebê iria nascer.
Não havia médico para fazer o pré-natal da gestante. Damiana, uma parteira amiga da família, foi chamada para dar as instruções necessárias de como aquela futura mamãe deveria se preparar para o dia do nascimento do bebê e como fazer o enxoval da criança, que nasceu de parto normal, medindo três palmos de comprimento e pesando quatro quilos, às 14 horas do dia 27 de agosto de 1950.
O cordão umbilical do recém-nascido e a placenta da sua mãe foram enterrados debaixo do batente da porta da casa que ele nasceu, uma choupana construída de pau-a-pique, coberta e tapada com palha de coco babaçu e piso de chão batido. Minutos depois foi colocado nos braços da sua mãe para dela receber os primeiros carinhos e mamar, cujo alimento ele usou durante dois anos.
Seu corpinho, antes molengo, ficava cada dia mais firme sobre a redinha de algodão, onde dormia o tempo todo. Com um mês, já conseguia movimentar a sua cabecinha, exercitava também os seus bracinhos e perninhas.
Com 52 dias de vida, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, foi batizado pelo padre Aniceto com o nome de Evangelista Mota Nascimento, nas águas do Riacho Caxixi, que ficava nas proximidades da Igreja Nova Alegria. Foram seus padrinhos: Raimundo Ferreira Mota e Viturina Rosa Ferreira da Silva Mota.
Aos três meses ele começou a se rolar na rede que dormia. Tudo era motivo de alegria para a família. Antes que ele completasse o 4º mês de vida, sua tia Maria Mota da Silva deitou-se consigo dentro da redinha que dormia e, como a corda era fraca, em um instante ela se rompeu e os dois foram parar no chão, mas nada de grave, apenas um susto e pequenos arranhões corporais. Ali começava as suas primeiras dificuldades e sofrimentos.
Com seis meses, ele conseguiu ficar sentado em uma cadeira enrolada com pano confeccionada por sua mãe, que fincou no meio da casa. Ali ele ficava o dia todo olhando as galinhas com seus filhotes passeando ao seu redor, enquanto isso ela cuidava das coisas de casa e do almoço do seu pai que trabalhava na agricultura de subsistência.
Aos sete meses começou, a engatinhar, eram os seus primeiros passos que dava ao redor das coisas que lhe cercavam, de “boinho” ele saía se arrastando pelo chão à procura de alguma coisa para pegar. Não parava quieto um só instante, mexia em tudo que seus olhos viam e suas mãozinhas alcançavam.
Entre o oitavo e nono mês nasceram os seus primeiros dentinhos e começou pronunciar as suas primeiras palavras.
No percurso de dez a doze meses ele conseguiu ficar de pé e dar os seus primeiros passos. Era tudo motivo de festa, daí em diante só queria correr, subir nas coisas, espaço e liberdade, não importavam os obstáculos que encontrava pela frente, queria viver sua independência. A partir de então, ele começou mostrar o que era capaz de fazer: subir nas paredes para pegar as coisas. Montava-se nas pequenas criações, subia nas árvores dos arredores de sua casinha para tirar frutos e se sentava dentro do quibane de arroz, que sua mãe catava as escolhas. Para conter estas e outras travessuras, sua mãe tomou algumas atitudes radicais, amarrava-o com uma cordinha de algodão no pé da forquilha de cumeeira, ali ele ficava o dia inteiro brincando com cabacinhas, sabugo, jatobá e outros brinquedos da sua época de criança.
Quando tinha 4 anos e 9 meses de idade começou a trabalhar no pesado serviço do roçado com seus pais. Na roça ele espantava os bichos que comiam o que plantavam. Com lata cheia de pedras, roncadeira feita de cabaça, ele passava o dia todo circundando a roça, fazendo barulho com tais objetos. A barulheira que fazia espantava a bicharada, ajudava também, brocar, derrubar, cortar, cercar, encoivarar, capinar o terreno e colher arroz, algodão, amendoim, feijão, fava, mandioca e milho. No engenho tangia bois, moía carregava lenha e cana, botava bois e jumentos para pastar. Na casa de farinha descascava e ralava mandioca no caititu, prensava e peneirava massa. No campo pastoreava os caprinos, porcos e jumentos. Na oficina, fazia lamparinas, sapatos, tamancos, selas e outros artefatos de flandes, madeira, couro e ferro. Nos fins de semana e feriados caçava com cachorro e espingarda pelas matas dos arredores de sua casa. Este e outros trabalhos perduraram até janeiro de 1969. Em cujo período adoeceu de várias doenças, entre tantas: verminose, sarampo, catapora, varíola, caxumba, tuberculose, malaria, dengue, cólera, lechimaniose, coqueluche, diarreias, febres (...) e cáries dentárias.
Pelos muitos afazeres na sua época de menino, adolescente e jovem quase não teve tempo para brincar, estudar e se divertir. Por pouquíssimas vezes brincou de esconde-esconde, casinha na roça, escorregos de cunca, burrinha, gangorra, pião, carrapeta, cavalo de pau e passarinhou com badogue, estilingue, arapuca, mundé e quebra-cabeça (armadilhas para a captura de pequenos animais). Sobre diversão, suas participações também foram muito poucas, somente uma vez por ano, o padre da Paróquia do Município visitava a região que morava para rezar missa, batizar crianças e fazer casamento. Como a maioria dos noivos comemorava os seus enlaces matrimoniais com festas dançantes e também se divertir.
2º ATO
Em outubro de 1962, o seu avô Raimundo Ferreira Mota contratou o professor Ricardo de Sousa Barros, para ensinar os meninos da sua comunidade, ler e escrever seus nomes. Entre tantos, registram-se: Acrísio de Sousa Mota, Antônio Ferreira de Sá, Evangelista Mota Nascimento, Isaura Ferreira da Silva, José de Sousa Mota, João Artur de Andrade Mota, João Batista Neres Mota, José Neres Mota, José Ribamar de Andrade Mota, Leontino Fernandes da Silva, Manoel de Sousa Mota, Merença de Sousa Mota, Maria de Fátima da Conceição Moreira, Maria Virgem da Silva, Maria da Paz Silva, Nazior Cearense, Pedro Silvério, Raimundo Ferreira de Sá, Renato de Sousa Mota, Rita Ferreira de Sá, Rosemeire da Conceição Moreira e Rosilda da Conceição Moreira.
O ritual de ensino daquele mestre era bastante rigoroso. Os alunos, ao chegarem ao local onde eram ministradas as aulas, faziam continência ao professor, davam a bênção e em fila indiana, cantavam o Hino Nacional e rezavam o Pai Nosso. Em seguida, sentavam-se nos tamboretes de madeira que traziam de casa. Nos fins de semana davam a lição oralmente. Terminadas as leituras, começava o argumento, um tipo de teste de conhecimento. O professor cobria algumas letras da carta de ABC com um papel furado e mostrava aos alunos, os que erravam tomavam nas mãos um bolo de palmatória e ficavam de castigo até o fim do dia.
Era sábado, dia de argumento da tabuada e de soletração na escolinha que o professor Ricardo ensinava, na corruptela do Caxixi, município de Tuntum, Maranhão, Brasil. Minutos após que os meninos terminavam de cantar o Hino Nacional, José Ribamar de Andrade Mota começava a se entortar de um lado para outro esfregando a barriga. O professor perguntou-lhe o que estava acontecendo. Disse ele: estou com dor de barriga. Ele balançava a cabeça, perguntava se ele havia comido alguma coisa diferente e depois o mandava ir para casa tomar remédio e se cuidar.
Quando em casa chegava, dizia para sua mãe que o professor havia lhe mandado ir até o engenho, buscar garapa para os estudantes que iam ficar até mais tarde no argumento. E assim, a sua mão autorizava que ele fosse cumprir a missão.
Como isso acontecia todos os sábados, antes do fim do ano o experiente professor Ricardo foi até a casa do Ribamar, ver como ele estava de saúde, tomando conhecimento de toda a sua travessura. Voltou à escola, determinando que ele voltasse para o argumento, tão logo retornasse do engenho, onde certamente ficava brincando.
Ao chegar em casa e receber a notificação magisterial, ele retornou para a escola na carreira. E, nessa pressa, nem foi ao mato fazer xixi. E aí, meu caro, nem posso contar o que se passou depois.
Mal ele entrou na sala e pegou a tabuada para voltar ao coral (que era estudada de forma cantada, todos ao mesmo tempo), sentiu vontade de ir ao mato. Mas, quando foi pegar a licença, uma semente graúda de “Muncunam”, de uns trinta gramas mais ou menos e que ficava sob a mesa do professor e, sem ela, ninguém estava autorizado a sair da sala.
Então, sem argumentos, ele voltou ao banco da tabuada. Mas, tão logo se sentou o professor chamou a todos, para a sabatina matemática.
Levantamos. Fizemos a roda tradicional e ele começou: “três vezes oito” (apontava para um aluno, o qual tinha que responder); “noves fora” (apontava para outro); e, dessa forma, prosseguia com a avaliação.
Quando um aluno não respondia no tempo dado por ele, ou respondia errado, ele apontava a palmatória para o próximo, e para o próximo, até que um respondesse corretamente. Então esse adquiria o direito de correr a roda, dando bolos de palmatória nos colegas.
A palmatória era um instrumento de madeira, como se fosse uma colher de pau. Possuía um cabo roliço de uns trinta centímetros e uma parte oval em uma das extremidades (no lugar da concha da colher). O aluno pegava-a pelo cabo e batia na palma da mão de seu colega com a parte oval daquele instrumento. E o professor prosseguia no argumento: “sete vezes seis”, “noves fora”, “vezes cinco”, “noves fora”... Como ele gostava dos noves fora! E ele, segurando a vontade de fazer xixi, já nem escutava mais as perguntas. E numa dessas, ele se viu frente a frente com o cabo da palmatória apontando para si. Que desespero! Ele nem sabia qual era a pergunta, logo ele que nunca tomara um bolo de colega, agora não ia escapar. Então respondeu um valor qualquer e não teve a sorte de acertar. Nunca foi bom de sorte. O mesmo não aconteceu com outros, que, atentos, respondiam na bucha. “Trinta e seis!”
O professor entregou-lhe a palmatória, que já estavam com os olhos cheios de alegria e por ser o Ribamar um menino encrenqueiro, começou o samba: “Pá!”, “Pá!”, “Pá!”. Esse era o som que se ouvia. Então chegou a vez do Manezinho, um menino baixinho, mas que batia forte, ele pegou a sua mão esquerda a única que ele tinha e sapecou-lhe um bolo com gosto, vingando-se das tantas encrencas que ele já lhe teria envolvido. Justiça seja feita... Ele era muito encrenqueiro com seus colegas.
Ao receber o bolo, perdeu o controle da bexiga e fez xixi na calça, começou a chorar, não pela dor do bolo que levava, mas pela vergonha de ter mijado na roupa.
Aquele foi o último argumento que o professor Ricardo realizou na Fazenda Caxixi, no dia seguinte ele foi embora daquela comunidade, certamente com medo de represaria pelos excessos que havia cometido com os alunos que ensinava naquele ensolarado terceiro sábado de outubro de 1962.
No mês de abril do ano seguinte o Coronel Doca Mota contratou o professor Luís da Silva Neto, para continuar ensinando a garotada de sua região, que há 7 meses estavam sem aula. Acontece que, 18 dias depois da sua chegada, a sua filha Sebastiana da Silva Filha escondeu a boneca da menina Merença de Sousa Mota. A brincadeira resultou na sua saída da comunidade antes mesmo de completarem um mês de sua chegada.
Para ocupar o seu lugar Doca Mota contratou a jovem professora Nilde Amorim da Costa. As coisas andavam muito bem nas suas aulas. Acontece que num certo dia do mês de outubro do mesmo ano, na sala que ela ministrava aula, apareceu uma Labigó, um bichinho inofensivo, mas a molecada começou jogar nela rebolos. Encurralada, ela desceu da parede e subiu na perna de um marmanjo de barba no queixo e se escondeu detrás dos seus “pissuídos”. A gritaria foi eminente. Sem perceber o que estava fazendo, ele arrancou a calça do corpo e correu pelo meio da sala fazendo o maior barulho. A cena foi picante, mas sem nenhuma maldade, mesmo assim a professora saiu correndo da sala e nunca mais voltou. Naquela época, era expressamente proibido mostrar parte íntima do corpo para os outros. As moças usavam vertidos longos; namoros só eram possíveis com autorização dos pais.
Labigó é um réptil que anda pelas paredes e por ser um animalzinho inofensivo, alguns políticos adotam como símbolos de suas campanhas partidárias, exemplo disso, está no município de Tuntum, onde tem dois grupos políticos rivais “Cobra e Labigó”.
Em janeiro do ano seguinte, Manoel Mota do Nascimento, contratou o professor Antônio Araújo Carvalho Silva Sipauba para continuar o ensino da meninada da sua comunidade. Acontece que o velho não se adaptou com os costumes daquela comunidade, que era dormir tarde e acordar cedo, por isso foi embora em maio do mesmo ano. A partir de então, a comunidade ficou novamente sem professor e a molecada sem estudar.
Mas no dia 27 de agosto de 1967, uma janela começa a se abrir no seu caminho. Naquele dia, ele acordou um pouco mais cedo do seu habitual costume, quando se levantou da rede que dormia, foi até a janela do quarto, dela retirou a trave e debruçou-se sobre ela para cumprimentar o sol. O dia estava esplêndido; até parecia que toda natureza colaborava para a inauguração do ano e de um novo dia. Ali ele embebeu os olhos no horizonte e ficou longo tempo imóvel, refletindo as maravilhas do mundo, como se interrogasse o futuro do lugar que vivia, uma terra fecunda, onde todos trabalhavam na agricultura de subsistência, no engenho e casa de farinha.
Quando saiu daquela janela, foi em direção a uma pedra que havia no terreiro de sua casa e na parte mais alta dela se sentou e lá ficou por um bom tempo ouvindo o cântico dos passarinhos, que faziam naquele momento pelos galhos das árvores, uma bela sinfonia. Quando de repente aparece, no caminho que dava acesso o local que meditava sobre o futuro de sua vida, um sujeito bem trajado, que aparentava ser um homem letrado e ter uns vinte cinco anos.
O seu animal estava enfeitado com os adereços de montaria: sela, pelego, coxonil, carona, alforjes e arreios bem trabalhados com finas fitas de camurça, fivelas, bombinhas, estribos e esporas de prata. Enfim, tudo brilhava naquele burro de sela, pois eram confeccionados com materiais de primeiríssima qualidade.
A chegada daquele moço na sua casa não foi estranha, pois ali sempre apareciam viajantes, alguns vendendo bugingangas, outros comprando o que produziam: azeite, arroz, algodão, criação, cachaça, coco babaçu, feijão, fumo de corda, farinha, milho, pele de animais, rapadura, entre outros produtos de lavra da região.
Com simpatia ele cumprimentou-o e pedindo um copo d’água e logo foi pondo os pés em terra. Naquele momento os passarinhos interromperam as suas cantigas e Evangelista com as suas meditações e da pedra desceu para receber o ilustre visitante, que se vestia com certo apuro, gesto ao mesmo tempo familiar e discreto, por isso foi honrosamente recebido e hospedado naquela cabana. Antes, porém perguntou ao nobre viajante, qual era o seu nome?
Luciano Gomes de Melo, respondeu o forasteiro
E você, como se chama?
Evangelista Mota Nascimento, seu criado.
A partir de então, entre os dois fluiu uma longa e divertida prosa, antes, porém o seu animal foi amarrado em uma cocheira que havia do lado, a sela retirada e pendurada no alpendre; os demais adereços foram colocados numa travessa de madeira suspensa por duas forquilhas fincadas no alpendre da casa exclusivamente para tais fins. Feito isso, um tamborete de madeira coberto com coro cru foi colocado para ele se sentar e, sem fugir a tradição dos camponeses, logo no começo da prosa, contou parte da sua sofrida vida de agricultor e a falta de meios para estudar naquele lugar.
Numa certa altura da conversa Luciano retrucou-lhe dizendo: “Não vim a este lugar falar de agricultura e muito menos de sofrimento, mas para dar-lhe o cumprimento de bons anos, pois estou sabendo, que hoje você está completando 17 anos de vida. Vim também, com você, marcar uma caçada de onça pintada, um valente felino que está acabando com os animais desta região”.
Fazia apenas meia hora que eles ali estavam proseando, quando chegou o convite para o almoço; sem demora os dois saíram da sombra das árvores e foram para a cozinha almoçar, onde já estavam os donos da casa ao redor da mesa esperando-os para saborearem um tatu preparado no leite de coco babaçu, que um tanto acanhados, logo foram dizendo: “Senhor, não repare o nosso almoço, é apenas um guisado de tatu, um mamífero que a natureza cria na selva, porém, quando preparado com leite de coco, arroz e farinha. fica saboroso. Por ser hoje uma data muito especial, dia do aniversário do nosso filho mais velho, fizemos questão de preparar para ele este almoço à moda da casa”.
Com toda educação, Luciano também disse: “Não se preocupem, aprecio bastante este tipo de comida, sou lavrador e caçador por convicção, aqui estou para com vocês fazer uma caçada de onça pintada e ensinar a este rapaz a profissão de dentista protético”.
Admirado com a elegância e educação do visitante, o casal disseram em uma só voz: “Olá companheiro, você também gosta de caçada?
Luciano respondeu: “Sim, quero com vocês me deliciar com este prato e mais tarde conhecer as matas desta região. E acrescentou: tenho na minha bagagem, espingarda, munição, lanterna e aratracas, para juntos fazermos neste lugar uma grande caçada de onça pintada”.
Sem mais formalidade, depois daquele pequeno dialogo todos se sentaram nos tamboretes, que estavam ao redor da mesa. Depois do almoço, elogios e informações foram dialogadas, as quais fluíram mais ou menos assim:
Luciano disse que o almoço estava muito saboroso. Disse também, que ao passar pelo São Bento se hospedou na casa do amigo Tatá Carreiro, onde ficou três dias atendendo as pessoas que moravam na redondeza com trabalhos dentários. Entre tantos, o senhor Telvino José Ferreira, um seleiro de fama morador do Brejo do João e por ele foi informado, que no Caxixi tinha muita caça e um jovem homem que sonhava ser professor e um empresário de sucesso. Sabendo disso aqui estou para com ele fazer uma caçada e também ensinar-lhe a profissão de dentista protético.
A elegância de como Luciano colocava suas palavras no decorrer daquela conversa deixou o aniversariante e seus pais mais descontraídos para falarem de caçada e profissionalismo. Os quais disseram para aquele ilustre visitante: “Senhor, nós compreendemos a sua fala, o seu discurso. Sobre a caçada não há nenhum problema, amanhã vamos ao boqueirão, lá tem um grande carrasco, muitos pés de craíbas, veado catingueiro e onça pintada, porém, o ensinamento da sua profissão ao nosso querido filho não vai ser possível agora, ele não tem estudo, sabe apenas escrever o nome e fazer algumas contas e também não temos dinheiro para comprar os equipamentos que certamente vai precisar, assim como pagar os seus honorários. Somos trabalhadores da juquira, vivemos do que produzimos na roça, engenho e casa de farinha, o que ganhamos mal dá para sobrevivermos sem passar fome”.
Luciano, que era um homem inteligente e na intenção de conquistar ainda mais a confiança do casal, disse-lhes: “Veja como Deus é poderoso, na sua suprema sabedoria Ele traçou os caminhos e as condições que me trouxeram até aqui, para nesta manhã estar almoçando com pessoas tão maravilhosas como são vocês. Trago na minha bagagem, vários artefatos para caçada e fazer próteses dentárias. Quando passei pelo engenho do Coronel Doca Mota, ele me falou do aniversário do neto, o qual me recepcionou de forma muito elegante e educada. A título de cortesia, pretendo ensinar-lhe a profissão de dentista protético, pois vejo nele um excelente candidato a desenvolver neste lugar um trabalho de socialização cultural e saúde bucal”.
As palavras do professor Luciano foram tão bem colocadas, que eles tiveram a coragem de dizer-lhe: “Até que gostaríamos de ter na nossa família um doutor, mas aqui a vida é muito difícil, não há escola e nem condição para sustentar um filho na cidade até se formar e se estruturar profissionalmente”.
Quando eles encerraram suas falas, Luciano disse novamente: “É claro que para uma pessoa ser doutor ele precisa estudar e muito, mas aqui estou disposto a ajudá-lo, ensinando-o as primeiras lições práticas da nobre profissão que exerço há vários anos, dando-lhe melhores conhecimentos profissionais, os quais certamente irão lhe ajudar a conseguir outros patamares mais altos, no seu desenvolvimento cultural e profissional. Sobre o dinheiro ou custos de materiais, isso se fala depois. Permita-me então lhe sugerir que venda parte de sua produção agrícola, vá à cidade mais próxima e compre um pouco de material e ferramenta para o serviço de próteses dentárias, o resto deixe comigo, que com satisfação farei o possível para ensinar-lhe uma boa e nobre profissão”.
Como eles eram semi-analfabetos, não demonstram interesse pela educação do filho e foi observando isso que o nobre visitante novamente fez uso da palavra para lhes dizer: “Senhores, quando estive no engenho do coronel Doca Mota,o patriarca desta nobre família ele me informou que está com viagem marcada para a semana que vem à cidade de Curador, onde vai conversar com o advogado Valeriano Américo de Oliveira, sobre o inventário e legalização de suas terras. Então, aproveite esta oportunidade e peça a ele que compre os utensílios e materiais que seu filho vai precisar para iniciar o seu trabalho como protético dentário”.
Dito isso, Luciano se retirou da mesa e foi para o quarto de hóspede descansar um pouco. Em uma rede se deitou com o rosto voltado para a janela que dava visão para o campo e à verde floresta que rodeava aquela humilde casinha tapada com barro cru e coberta com palha de coco babaçu. Olhando para os cajueiros, mangueiras, coqueiros e outros tipos de árvores do carrasco sertanejo, pensou como é triste a falta de conhecimento e visão do futuro, aqui poucos são os que vêem o futuro na educação.
Evangelista, que também estava deitado numa rede de labirinto naquele quarto, disse-lhe: Hoje, para mim, é um dia muito especial, além de estar proseando com o amigo, tenho o sonho de um dia poder estudar, ser professor, empresário de sucesso, escrever um livro, fazer parte da sociedade organizada, constituir família e muitos amigos, coisas estas que ainda não pude ser, mas quando eu completar a minha maioridade, deste lugar irei embora para a cidade estudar e trabalhar.
Luciano, dando um tom de voz com a rigidez da resolução, respondeu-lhe dizendo: “Amigo há neste mundo circunstâncias que me obrigam a passar meus conhecimentos aos que deles precisem e por isto aqui estou disposto a lhe ajudar, basta que você queira. Vejo em você extraordinária visão e determinação de um dia vencer na vida. Estudar é o primeiro passo para ser um profissional liberal de sucesso, basta ter vontade, fé em Deus e coragem de enfrentar as dificuldades que o mundo oferece às pessoas que nele vivem. Escrever um livro e ser professor, basta querer”.
Ao encerrar a sua fala, Luciano percebeu no rosto do amigo, um sorriso, porém, com certa preocupação. Por esta razão achou melhor mudar de assunto e propôs a ele uma caçada logo no dia seguinte. Naquele momento ele tomou nas mãos um romance que rimava a história comovente de um menino do interior que pretendia vencer na vida, mas não tinha apoio da família e muito menos dos poderes constituídos, uma leitura que fez em voz alta para todos que lá estavam escutar e compreender o que ele queria informar para as pessoas que têm visão e determinação para vencer as dificuldades da vida.
Evangelista, que estava de cabeça baixa, ouvia com atenção aquela leitura e disse consigo mesmo: Que coisa linda é saber ler e escrever, só eu que não tive a felicidade de aprender nada, a não ser trabalhar na roça, engenho, casa de farinha, caçar e contar história de caçador. E acrescentou, este sujeito veio do céu para ajudar a melhorar a minha vida, eu não vou perder esta oportunidade, nem que meus pais proíbam!
Como Luciano era um autêntico observador, mesmo lendo o seu romance, logo percebeu que o amigo imaginava algo muito importante para sua vida futura e com postura de intelectual, do lado colocou o livro, olhou-o com firmeza dizendo: “Menino, procure esquecer o que seus pais disseram há pouco, vamos trabalhar, o mundo é grande, nele há espaço para todos. Se você quiser crescer na vida, posso lhe ajudar a partir de hoje”.
Um tanto nervoso, ele perguntou ao professor Luciano: Como pode me ajudar?
- “Ensinando-te uma profissão de valor, disse-lhe.”
- Que profissão? Novamente perguntou.
- “A de dentista protético”, respondeu Luciano.
Retrucou-lhe Evangelista: Como posso exercer tão nobre ofício? Se eu não posso comprar as ferramentas e materiais que vou precisar. Não tenho dinheiro, conhecimento das letras, sou menor de idade e sem o apoio dos meus pais, a quem obedeço às determinações e ordem.
Respondeu-lhe Luciano: “Você está próximo de completar sua maioridade, é um jovem cheio de energia, tem vontade e determinação. Dinheiro é o de menos, novamente vou com seus pais falar, para um professor contratar e deixar você estudar e trabalhar nesta comunidade como dentista protético e, logo que alcançar a sua maioridade procure uma cidade, uma escola de bom nível e se matricule, pois isso vai lhe fazer muito mais feliz e realizado”.
Atento a todas aquelas informações, logo procurou conhecer detalhes do que podia aprender e os custos que aquilo poderia lhe acarretar.
Luciano, usando de toda sua inteligência disse: “Aprender a ler e escrever basta querer, ser dentista protético é ainda mais simples do que trabalhar na roça. Herdei essa profissão dos meus parentes, com a qual ganho o suficiente para criar e educar os meus filhos. Mesmo só tendo cinco anos que nela trabalho e o primeiro ano que curso Sociologia na Universidade Federal do Maranhão, aqui eu estou aproveitando minhas férias para lhe ajudar e conseguir fazer uma boa caçada de onça pintada.
Naquele momento ele tomou a sua decisão, dizendo: Amigo, eu aceito o desafio. Amanhã, vamos ao boqueirão, uma das melhores regiões para se caçar nesta época. Quando chegarmos do mato, fico a sua disposição para fazer o que você quiser na nova profissão, mesmo que meus pais digam não.
No dia seguinte, Evangelista e Luciano tomaram café com farofa, encheram os cantis de água, nos sacos colocaram as redes, farinha de mandioca, rapadura, facão, munição, aratracas, espingardas, lanternas e por uma trilha estreita foram ao Boqueirão. Depois de andarem bastante, chegaram numa mata de vara, na qual encontraram uma árvore de porte médio com uma poça d’água no seu tronco, onde bebiam vários tipos de caças. Nos pontos estratégicos enterraram duas aratracas.
Um pouco mais à frente eles encontram um pé de Craíba jogando flor no chão, alimento preferido dos veados catingueiros, um animal de passadas sutis e cautelosas, tem hábitos noturnos, só se alimentam depois que passa pelo cesteiro para sondar o ambiente, somente após este ritual é que eles iriam comer. Sabendo disso os dois experientes caçadores subiram nos galhos mais altos daquela árvore e lá armaram as suas redes e ali passaram o resto do dia e a noite inteira sem dormir, esperando a chegada dos inofensivos animais que se alimentavam das flores daquela árvore.
Já passava da meia noite, quando a primeira caça desceu a serra, pisando nas folhas secas estendidas no chão sem interrupção e passadas sutis logo se aproximou do cesteiro; era um veado catingueiro, que ao chegar naquele local fez a sua costumeira parada. Como os traiçoeiros caçadores estavam atentos, engatilham as armas, focaram as lanternas e miraram na “taba” do pescoço, porém um só apertou o gatilho, foi um tiro fatal, no mesmo instante ele assentou o cabelo.
Um pouco mais tarde, outras caças também foram à espera e do mesmo modo da primeira, foram abatidas. Quando amanheceu o dia, dois veados catingueiros, uma paca e um tatu estavam estendidos no chão, quais foram ateadas nas costas dos caçadores que a passos largos seguiram em direção da poça d’água que haviam deixado as aratracas armadas. Lá chegando viram que um bicho havia sido agarrado. Era uma onça pintada que estava furiosa com aquele estranho relógio no braço. Quando eles se aproximaram da fera, ela rosnou forte, mas estava sem alento, com um único e certeiro tiro de espingarda no pé da orelha, ela se acalmou. Em seguida Luciano tocou no bicho e conheceu, é a “Lídia”.
Lidia foi o nome atribuído a onça que comeu no ano de 1965, uma vaca de estimação do coronel Feliciano Alves Gomes Costa, um rico fazendeiro que morava no povoado Jenipapo dos Gomes, Município de Tuntum, Maranhão. Logo que souberam da notícia, todos os criadores da região, foram a Fazenda Caxixi, cumprimentar os ilustres caçadores por terem tirado dos seus pastos um animal que já havia lhes dado muitos prejuízos.
Onça pintada é o terceiro maior felino do mundo e também a mais poderosa das Américas. Ela salta três metros em altura ou em distância, sem precisar tomar impulso e pode cair de até quatro metros de altura sem se machucar. Sobe com facilidade em árvores, atravessa grandes rios a nado e é uma caçadora hábil e sagaz.
Suas presas preferidas são animais solteiros, porcos queixadas, caititu, capivara, paca, cutia, tatu, jacaré, tartaruga, jibóia, anta, tamanduá, gambá, preguiça, aves, peixes, bezerro, vacas, cavalos e cães. Receia os humanos, touros crescidos, sucuris e animais que andam em bandos.
A onça caminha normalmente de 2 a 5 quilômetros por dia, por vezes até 20 km. Quando perseguida, ela pode percorrer até 65 km numa só tarde. Costuma caçar no início da noite, dormir da meia-noite às 3 da madrugada e durante a manhã até o meio-dia. Ruge de forma semelhante ao tigre e também produz um estalido característico quando mexe as orelhas, que pode ser reconhecido por caçadores ou biólogos experientes. Pode alcançar mais de 60 quilômetros/hora em distâncias curtas (até 200 metros), mas não tem resistência para corridas mais longas. Com suas presas e mandíbulas, ela consegue, sem esforço, perfurar o crânio de uma capivara ou o casco de uma tartaruga com uma só mordida.
Costuma fazer emboscada e saltar sobre a vítima, tentando mordê-la na nuca ou no crânio, isto é, um bote, que tem alcance de 5 metros; se acertar a presa, certamente há disputa de forças. Para caçar um animal grande, ela salta por trás ou do lado e derruba, quebrando-lhe o pescoço na queda, os pequenos ela mata com uma patada na cabeça. Quando ferida, mesmo levemente, pode reagir com um ataque furioso.
Depois de subjugar a vítima, ela carrega para lugar seguro e, se sobrar carne, guarda para o dia seguinte. O território de um macho estende-se no mínimo por 30 km², o de uma fêmea, por 10 km². Vive até 12 anos em estado selvagem e 20 em cativeiro. O macho atinge a maturidade em 3 anos e a fêmea em 2. O tempo de gestação, dura cerca 100 dias e a ninhada é de um a quatro filhotes. É também um animal bonito, porém perigoso, principalmente quando está em plena liberdade no seu habitat natural.
Mesmo sabendo que corre risco de ser atacado por uma onça, tem caçador que arrisca imitar o pio dos macucos, em lugares onde há este traiçoeiro felino e isso aconteceu no baião do caboclo em fevereiro de 1950, quando os caçadores Luís Henrique e Alfredo Alves Ferreira, foram buscar melancia na roça que tinham no baixão do Caboclo. Consigo alem dos jumentos de cargas levaram também dois cachorros. Ao chegarem na roça piaram como macuco, minutos depois foram surpreendidos por uma onça vermelha que saltou nas suas costas, a salvação deles foi os cachorros que latiram e correndo atrás de um bicho. Ao chegarem à porteira da roça, ouviram o ladrar intempestivo dos cães, era a onça suçuarana, que estava pressionada pelos cachorros, ela estava escorada na cerca, um lugar que lhe dava proteção, ali ela esturrava e procurava a cada instante fisgar os cães com suas garras.
Quando eles viram aquela cena entreolharam-se e combinaram o que poderiam fazer para matar aquele animal, pois não tinham arma de fogo, somente um facão estava com eles. Como a onça estava com o rabo enfiado entre a forquilha e as estacas da cerca, Luís Henrique nele agarrou e o Alfredo passou-lhe o facão no pescoço e assim ela foi morta no cacete e a golpe de facão.
Em julho de 1959, aconteceu outra história engraçada na Fazenda Caxixi. Naquele dia, um sábado o sol nasceu ardente, depois do café da manhã Manoel Mota do Nascimento mandou Evangelista buscar milho para os porcos na roça do baixão do Caboclo. Com um cofo de palha de coco a tiracolo, ele foi fazer o que seu pai havia determinado. Consigo foi a cachorrinha Faceira, que ao chegar à roça saiu ganindo atrás de um bicho.
Logo que ele apanhou o milho, pegou o caminho de volta. Nas proximidades de sua casa escutou o ganido da cachorrinha que continuava perseguindo alguma coisa no mato. Em pé ele ficou por alguns minutos, ouvindo o troar da cadelinha que marchava em sua direção, quando de repente um “Veado Sutinga” risca em sua frente. O seu primeiro instinto foi jogar o cofo com o milho no veado, que já estava em desvantagem, como ele tinha os chifres grandes o cofo ficou enganchado na sua cabeça, isso atrapalhou a sua visão e a corrida. Naquele momento a cachorra agarrou-o com os dentes e com as espigas de milho Evangelista, que tinha na época 9 anos matou o veado. Depois de consumado o fato ele agarrou o veado pelas pernas, jogou nas costas e levou para casa, onde tirou o couro e ajudou a sua mãe a preparar com sua carne o almoço daquele dia.
Quando seu pai soube da notícia foi se certificar. De igual modo fez a vizinhança, todos queriam saber como um menino de 9 anos conseguiu matar um veado com espiga de milho e assim, a história se espalhou rapidamente por outros lugares, que a princípio serviu de chacotas, porém, só até a devida comprovação, que ele realmente tinha matado o veado com espigas de milho.
Passados alguns anos, uma equipe de jornalistas da TV Cultura, do Rio de Janeiro, foram a sua casa fazer um documentário sobre “O Veado Morto com Espigas de Milho”. O documentário foi exibido por várias vezes nos Trens de passageiros da Companhia Vale do Rio Doce e nos programas culturais da emissora.
Relata-se também, que num ensolarado sábado do mês de setembro de 1963, Evangelista e seus colegas de infância, estavam brincando nas areias do brejo que banhava o vale que moravam, ouviram um barulho estranho na estradinha que dava acesso àquele lugar, todos ficaram atento para o que estava acontecendo, quando de repente aponta no caminho uma coisa estranha e zoadenta. Quando aquilo parou nas proximidades do brejo, um sujeito de cor escura saiu de dentro do “bicho” e levantou o capô e no radiador colocou água. Foi o suficiente para que todos pensassem que aquilo comia gente. Os mais medrosos pediam socorro a todos os santos e correram para o mato; os mais corajosos, aos poucos, foram olhar de perto aquela coisa estranha. Passados alguns minutos, alguns tocaram nele e viram de perto os seus acessórios: faróis, pneus, boléia e o herói de todos - “o chofer”, que saía de dentro da cabine do carro como se fosse uma grande autoridade e logo foi dizendo: “Eu sou José Maria Soares, filho de Araripina, Pernambuco, de onde saí dirigindo este caminhão GMC para comprar madeira de lei nesta terra de gente hospitaleira”.
O caminhão do destemido José Maria, no entanto, para funcionar precisava de uma alavanca e muita força braçal. Em cima da sua carroceria tinham quatro ajudantes, um jerico, um motor de bancada, uma máquina de escrever e outra de costurar, uma vitrola e um rádio. Tinha também, vários discos de vinil do Trio Nordestino, Pedro Sertanejo, Noca do Acordeom, Ari Lobo e Luís Gonzaga. Tudo era novidade para aquela gente, pois até então, lá ninguém conhecia aquilo.
O rádio de pilha foi instalado na casa do Genésio Tomás de Andrade Mota, lá ele ficou em cima de uma mesa de madeira coberta com uma alvíssima toalha de algodão e só era ligado nos fins de cada dia. Quando todos chegavam do serviço, ao seu redor eles ficavam ouvindo os programas “Aquarela Nordestina e Alegria na Taba”, transmitidos pelas rádios Sociedade da Bahia e Timbira do Maranhão. A máquina de costura foi para a sala da senhora Maria Tomás Mota e a Radiola para a casa de Raimundo Ferreira Mota. O motor foi montado em um barracão no caminho do centro, onde serrou inúmeras toras de cedro, ipê e outras madeiras de lei, que o João e Pedro do Motor vendiam para o José Maria Soares.
Inquestionavelmente, foi uma das maiores atrações que aquela terra recebeu, pois até aquela época, a única máquina que lá existia era o engenho de madeira e aviamento do Coronel Doca Mota, que para funcionar, precisava de muita força animal e braçal. Tinha também o alambique para a destilação da cachaça e a gamela de fazer rapadura, que eram movidos a fogo.
3º ATO
A maior aventura de um ser humano é viajar mesmo que seja para dentro de si mesmo e o modo mais emocionante de realizar uma boa viagem é ler um bom livro e descobrir nas entrelinhas o que as palavras não disseram, porque o livro revela as necessidades que o homem tem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser, mesmo que fazendo viagens sazonais.
Entre as muitas viagens sazonais que Evangelista fez no decorrer de seis décadas, as mais fantásticas, foram as do dia 15 de julho de 1952. Montado em um jumento cargueiro. Foi do Caxixi ao povoado Morrinho, um percurso de 10 léguas; a do dia 3 de outubro de 1966. Em cima da carroceria de um caminhão carregado com toras de cedo, foi do Caxixi a São Luís, capital do Maranhão, um percurso de 80 léguas, a do dia 20 de fevereiro de 1969. Montado em um cavalo marchado, foi do Caxixi a São Domingos do Maranhão, um percurso de 20 léguas, a do dia 2 de julho de 1971. Montado em uma bicicleta, foi de São domingos ao alto da Cruz, um percurso se 60 léguas e a que fez de São Domingos a Açailândia, no dia 30 de dezembro de 1972, em um ônibus, um percurso de 700 km.
Por ter menos de dois anos de idade, quase nada se lembra das aventuras que passou na sua primeira viagem, apenas se lembra que foi no amanhecer de um ensolarado dia do mês de julho de 1952, que seu pai montou-lhe em um jumento arriado com cangaia e jacá. Mesmo sendo uma montaria sem nenhum conforto as dez léguas de viagem que fez por uma trilha com areia, mato e sol quente, foi bastante divertido. Em todo percurso passou por apenas duas moradias, o resto do caminho era deserto: carrascos, chapadas e cocais. Sombra quase não existia, mas tombadores de arei era o que mais tinha.
No Morrinho fiquei um mês, mostrando para os parentes, que não tinha medo de ser feliz. As traquinagens que aprontei por lá não me lembro mais, mas certamente foram muitas, até porque estava na casa de avós.
A sua segunda viagem aconteceu no dia 3 de outubro de 1966. Naquele dia viu chegar à casa do seu pai um caminhão com três estranhos na cabine, com uma bolsa cheia de medicamentos, os quais venderam alguns xaropes, vitaminas e remédios para verme. Mas o que eles queriam era comprar madeira umas toras de cedro que seu pai estocava no pátio de sua casa. O negócio foi fechado por CR$ 18.000,00 (dezoito mil cruzeiros). Depois que o caminhão estava carregado eles anunciaram: “Daqui uma semana retornamos a este lugar para efetuar o pagamento da madeira”.
O velho não aceitou a proposta. Depois de muita conversa, combinou mandar com eles a São Luís, o seu filho Evangelista para lá receber o dinheiro.
A partida deu-se por volta das 13 horas do mesmo dia, em cima das toras de madeira ele seguiu viagem em direção a capital do estado, sem um só tostão no bolso. Em uma pequena bolsa levou uma muda de roupa.
A estrada até São Domingos do Maranhão, onde a madeira foi despachada no amanhecer do dia seguinte, tinha muitos buracos e tombadores de areia, do Posto Fiscal de São Domingos até Peritoró, era empiçarada, a partir de então, asfaltada.
Em São Luís chegaram ao amanhecer do segundo dia de viagem, onde a madeira foi vendida para a Marcenaria Armando do bom Milagre, com prazo de 20 dias.
Depois que o negócio foi fechado, os desconhecidos madeireiros deixaram Evangelista na Rua Nova, nº 2 - Camboa, residência do senhor Raimundo Sales, onde ele tomou café, almoçou, jantou e dormiu durante 20 dias em cima de um sofá.
Como estava sem dinheiro, no dia seguinte foi pedir serviço no canteiro de obra da Construtora Itapoã, que estava construindo a Ponte Governador José Sarney, ao engenheiro responsável pela obra. Como não tinha nenhuma especialidade, o que pode conseguir foram 18 diárias a dez tostões cada, para lavar pedra de seixo para o preenchimento dos pilares de sustentação da ponte. O dinheiro que ganhou deu para pagar o aviso que colocou na rádio Timbira, informando a situação que estava passando em São Luís, comprar alguns pratos de comida e a passagem de ônibus até São Domingos.
No dia e hora que o marceneiro Armando pagou a conta, ele foi à estação rodoviária, que ficava no centro da cidade, comprar a sua passagem de volta. Às quatro horas do dia 10 de novembro embarcou no Expresso Sertanejo que fazia linha para São Domingos, aonde chegou no final do mesmo dia. Lá dormiu na casa do amigo João Donas.
No dia seguinte embarcou em um caminhão que ia buscar arroz no povoado Lagoa de Baixo, onde chegou no início da noite, por isso dormiu na casa do amigo Hortelino Ferreira Batista. No amanhecer do dia 12, saltou da rede que dormiu e, a pé, seguiu viagem por uma estrada vicinal até o Caxixi, que ficava cerca de 3 léguas de onda havia dormido. Quando em casa chegou, encontrou seus pais aflitos, pois já fazia mais de mês que havia saído de casa, certo de que voltaria em quatro dias e até aquela data não mais tinha dado notícia. Depois dos cumprimentos, para eles contou tudo que havia acontecido e deu o dinheiro, o qual foi muito bem guardado e depois aplicado em outros bens materiais.
A sua terceira viagem deu-se no dia 20 de fevereiro de 1969, naquele dia Evangelista levantasse cedo da rede que dormia arregaçar a calça, botar na cabeça o chapéu, na cinta o facão e ir ao paiol de legume apanhar, milho, cabresto e o cavalo que pastava na quinta. Como o capim estava orvalhado devido à neblina que caía naquela noite, de cima da porteira ele debulhou o milho dentro de uma cuia e sacudiu. O ritual era tão conhecido que o animal ao ouvir aquilo, veio até a porteira e, sem nenhuma resistência, recebeu na sua cabeça o cabresto e veio para a cocheira, onde foi amarrado e selado.
Nos bolsos da carona ele colocou roupas e calçados, nos alforjes farofa e rapadura, deu bênção aos seus pais, de quem recebeu as recomendações familiares. Dos seus irmãos se despediu e por uma estrada vicinal partiu em direção da cidade de São Domingos do Maranhão, onde nada conhecia, mas estava determinado lá morar, estudar e trabalhar como protético dentário. Os cascos do cavalo batiam no chão sem parar, o que produzia ondas sonoras que vibravam nos seus ouvidos, como se fossem uma bela música clássica em todo percurso da viagem.
Ao pino do sol, na casa de Pedra, um lugarejo que ficava cerca de seis léguas de onde tinha partido, chegou, em um tronco que havia no pátio o animal amarrou, do poço de 120 palmos de profundidade, água para dar de beber o cavalo, que espumava de sede ele tirou. Depois que saciou a sede do garanhão, um pouco de milho colocou na cocheira para ele comer e dos alforjes retirou a farofa e a rapadura e ali fez o seu primeiro desjejum do dia. Em seguida viajou para o destino traçado, aonde chegou ao fim da tarde. Na residência de uma bondosa viúva, que aparentava ter 50 anos de idade pediu arrancho. Um tanto desconfiada com a presença daquele forasteiro, que sem acanhamento pedia-lhe hospedagem, ela olhou no seu rosto e viu que era boa gente e, sem mais demora, ordenou-lhe que, na sala do lado, ele colocasse a sua bagagem.
No momento que arranchava naquela casa, passou por ali um agregado do seu avô, para quem ele entregou o cavalo devidamente arreado, para que ele o levasse de volta e entregasse ao seu pai. Depois que tudo estava arrumado, tomou banho de chuveiro, o primeiro de sua vida, pois onde morava, água só no riacho e nos cacimbões. Em um gancho da sala armou a rede e nela se deitou, por está enfadado logo adormeceu, ao claro de uma lâmpada elétrica, coisa que ele também não conhecia, pois na sua terra natal as casas eram alumiadas com lamparinas a querosene.
Quando o dia amanheceu, ele conversou com a dona da casa, a senhora Cláudia Cardoso, que atendia pelo apelido de “Eriquita”, sobre o seu novo plano de vida: estudar e trabalhar com próteses dentárias. Bondosamente ela lhe encaminhou para a Escola Municipal Pio XII. Sem demora para lá ele se dirigiu, antes, porém passou pela igreja, nela adentrou e orou; foi uma longa conversa que teve com Deus naquela casa de oração, dele pediu sabedoria e luz, para o seu novo projeto de vida. Depois foi a escola, falar com a diretora, de quem solicitou matrícula para ensino básico noturno e foi atendido. Recebeu também o calendário de aulas do ano letivo, que previa o inicio das aulas para as 19 horas do dia 3 de março e o modelo do uniforme: calça de cor azul, camisa branca, com manga curta e borda azul céu, tendo no meio das mangas e sobre os ombros, duas divisas tipo, as de oficiais da aeronáutica pintada em uma fita de cor azul marinho, a gola também era de cor azul céu, gravata, sapatos pretos e meias, brancas.
Meia hora antes do previsto para o início das aulas, ele chegou à escola, devidamente uniformizado, lá foi recebido pela diretora, que gentilmente pediu-lhe que aguardasse um pouco na primeira sala. Minutos depois, o restante dos matriculados para aquele horário foram chegando e sentando no restante dos bancos. Pontualmente, conforme estava marcado no calendário, a diretora Simplícia Silva Coelho adentrou na sala para fazer a abertura das aulas e do ano letivo. Com palavras bem colocadas ela agradeceu a presença de todos e desejou-lhes bons estudos. Em seguida apresentou as professoras Angelita Almeida, Maria do Carmo Pinto e Maria do Amparo Torres como colaboradoras e orientadoras naquela escola, as quais usaram metodologias pedagógicas que lhe atraiu bastante, até porque, já estava beirando os seus 19 anos, porém com costumes de vida totalmente diferente das professoras e da garotada que estudava consigo.
No ano seguinte foi transferido para a escola Teixeira de Freitas. Por ser um rapaz de maior não participava das brincadeiras dos seus colegas, que eram todos adolescentes. No decorrer de um recreio um deles saiu correndo e peitou em si que estava sentado em um dos bancos do pátio da escola, em troca da peitada ele deu uma bisca na orelha esquerda do garoto, o qual foi lá fora pegou uma banda de alvenaria e atirou na sua perna direita, por pouco ela não fraturou. Por ser maior de idade, reconheceu que adulto não deve tomar gosto com criança e nada mais aconteceu entre eles dali em diante.
Passados alguns dias daquele incidente ele foi à biblioteca pública da cidade e lá se encontrou com os vereadores: João Epaminondas Torres e Sebastião Mota Alves Feitosa, dos quais solicitou local para morar, trabalhar e condições para tirar seus documentos. Entusiasmado com a forma que ele solicitava o que mais precisava para se tornar cidadão, os vereadores ofereceram-lhe, uma sala para ele morar e montar o seu laboratório de próteses dentárias pelo tempo que quisesse e sem pagar um só tostão pela ocupação do espaço, ele aceitou aquela irrecusável proposta e com eles marcou para as 8 horas do dia seguinte, o conhecimento do local que iria morar e trabalhar. Por ser muito grande, deram lhe também: ripas, pregos, lâmpada, fio elétrico e 20 metros de chita para a divisão que precisava fazer na sala que tinha no seu interior bastante algodão em caroço, mas com o material que havia adquirido, em um cantinho da sala fez a sua casa de morada e ponto de trabalho.
Para melhor informar o que fazia naquele cantinho, colocou na entrada da rua que dava acesso ao local, uma placa e por lá ficou gritando o dia todo: Olha o protético dentário! Foi o suficiente para, em poucos dias, arranjar uma boa clientela e se tornar conhecido de muitos daquela cidade.
No restaurante do Povo conversou com seus proprietários, Marceu Damascena e Virgilina Carneiro Fortaleza, com quem firmou contrato para fazer as suas refeições a vinte cruzeiros por mês.
A roupa que sujava lavava no banheiro que havia improvisado do lado da sala que morava, a qual era passada com um ferro esquentado com brasa de carvão feito com casca de coco babaçu, que a vizinha emprestava-lhe nos fins de semana.
Feito isso, ele deu a notícia para a bondosa viúva que lhe dava apoio familiar, a quem agradeceu pelos dias que lá estava morando e comendo sem pagar um só centavo.
No final do ano de 1971, terminou o ensino fundamental e prestou exame de admissão para ingressar no ginásio, se registrou, tirou a Identidade, a Carteira de Trabalho, Reservista e Título de Eleitor.
No ano seguinte votou para prefeito, vereador, deputado estadual e federal, ajudou na organização do comitê do candidato a prefeito José de Almeida Freitas, do seu vice Luís Sousa Lima e dos vereadores João Epaminondas Torres, Sebastião Alves Feitosa Mota e Francisco Maia. Para os seus eleitores ele fez gratuitamente até o dia 14 de novembro, 3.125 extrações de dentes e 258 dentaduras. Por estes e outros trabalhos sociais que fazia para as pessoas carentes ficou conhecido em todo município como “Dentista do Povo”. No dia 18, o juiz eleitoral da Comarca de Presidente Dutra anunciou o resultado da apuração dos votos e o nome dos eleitos. Elegeu-se prefeito Francisco Alves de Andrade, que tinha como companheiro de chapa, Paulo Batista Lopes e os vereadores: Antônio Gomes, Expedito Alves Nascimento, Francisco Pereira, Francisco Maia, João Epaminondas Torres, Genésio Ferreira, Raimundo Cosmo, Raimunda Assunção e Sebastião Alves Feitosa Mota.
A sua quarta viagem deu-se lá pelas tantas do mês de julho de 1971, época que ficou de férias da escola que estudava a 4ª série do Ensino Fundamental, em São do Domingos do Maranhão, de onde saiu montado em uma bicicleta com uma pesada bagagem na garupa da magrela, em direção do sul.
A partida deu-se por volta do meio dia de uma linda sexta-feira, da Rua Major Delfino Calvo. Subindo e descendo morros, por uma estrada de piçarra chegou em Colinas do Maranhão. Lá ficou hospedado na residência do coronel Ricardo Mozinho Filho, um rico fazendeiro das encostas do rio Itapecuru, em cuja região os coronéis Bento Carreiro, Júlio Guimarães, Lucas Coelho, Ricardo Mozinho e Sal Moreira, tiveram grandes propriedades rurais e engenhos de fazer cachaça e rapadura. Entre tantos, destacam-se os engenhos: Jenipapeiro, Conceição, Charel e Mirador, todos situados nas ribeiras do Rio Itapecuru, nos quais trabalhou lá pelos os ídolos de 1878 a 1890: Antônio Ferreira Mota, Domingos Leandro, Estevão Ferreira de Sousa, Feliciano Alves Costa, Francisco Alves Costa, Furtuosa Alves Costa, Lino Gonçalves do Nascimento, Lourença Alves Costa, Manoel Alves Costa, Miguel Ferreira Mota, Militoa Alves Costa, Raimundo Runque Seterbile, Vicente Ferreira Mota, Vicente Inácio Pereira e Vicente Ferreira de Sousa. Depois de ter dado um giro por estes engenhos, foi ao engenho Mutuca, instalado à margem direita sentido, norte-sul do Rio Alpercata, onde conversou com sua avó e madrinha Viturina Rosa Ferreira da Silva Mota, a qual lhe disse: “No início da penúltima década do século XIX, meu pai Antônio Ferreira Mota, acompanhado de vários parentes, saiu da Vera Cruz, sua terra natal, região dos Inhamuns, Estado do Ceará, a pé com o matulão nas costas, em direção do Maranhão, quando chegou ao povoado Belém, municio de Picos do Maranhão, hoje Colinas, lá foi informado de que, nos engenhos: Jenipapeiro, Conceição, Charel e Mirador os índios Timbiras e Canelas a faziam cachaça e rapadura, produtos estes que ele e seus companheiros eram especialistas nos seus fabricos. Interessados ficaram pelas informações e foram conhecer o trabalho dos índios, com eles aprenderam fazer balsa com talos de buriti e sobre elas navegaram pelo Rio Alpercata e outros cursos d’água do sul e centro-oeste do Maranhão, onde situaram e deram nome a muitos lugares”.
Por esbanjar conhecimento e está na região, a ela perguntei. Porque Jenipapo do Resplande e Mutuca, onde também tem engenhos seculares nos quais se fabrica a melhor cachaça e rapadura do sertão maranhense?
“Algumas vezes eu ouvi meu pai contar para seus amigos que, em 1888 ele foi conhecer a freguesia de Loreto e lá se encontrou com a jovem Merenciana Rosa da Silva, que estava participando de uma missa campal. Foi paixão à primeira vista entre os dois, que se casaram no queima, horas depois. Quando terminou a celebração do casamento eles foram ao povoado Vereda da Serra, onde moravam João Marcolino e Filomena Rosa da Silva, pais de minha mãe. Pelo fato do casamento ter se realizado no queima e Antônio Mota ser desconhecido, os noivos não foram recebidos. Para não se incompatibilizar com eles, os dois fugiram em direção do norte do Estado, por trilhas que só andava gado e vaqueiro. Subindo e descendo morros, cruzando chapadas, matas, carrascos, grotas, córregos, riachos e rios, eles andaram a pé em torno de 40 léguas, num período de duas semanas, até encontraram um barraco construído debaixo de um enorme pé de Jenipapo plantado pela própria natureza, à margem direita sentido norte-sul, do rio Alpercata, no qual morava um senhor que atendia pelo nome de Manoel Resplande, o qual gentilmente acolheu-os em sua casa. Em homenagem àquela árvore e a hospitalidade do morador, o Senhor Manoel Resplande, Antônio Ferreira Mota e Merenciana Rosa da Silva chamaram aquele lugar de “Jenipapo do Resplande”, uma justa homenagem feita ao lugar que eles escolheram para fixar residência e criar seus filhos, que lá nasceram: Maria Rosa Ferreira da Silva Mota, nascida no dia 3 de agosto de 1889, José Leão Ferreira Mota, nascido no dia 15 de junho de 1894; Francisca Rosa Ferreira da Silva Mota, nascida no dia 18 de março de 1898; Joaquim Ferreira Mota, nascido no dia 19 de julho de 1900; Raimundo Ferreira Mota, nascido no dia 20 de junho de 1904; Viturina Rosa Ferreira da Silva Mota, nascida no dia 2 de novembro de 1906 e Antônio Ferreira Mota, nascido no dia 25 de julho de 1909.
Sobre a mutuca, ele contava que certa vez desceu em uma balsa construída com talos de buriti, pelas sinuosas curvas e cristalinas águas do rio Alpercata, ao chegar numa linda praia que ele batizou com o nome de “Barrinha”. Nas ingazeiras de sua margem amarrou a embarcação que viajava. Ao tocar em terra firme foi atacado por um enxame de “Mutucas”, um tipo de mosca que pertence à família Tabanídea, que tem cabeça volumosa olhos grande, antenas curtas, aparelho bucal tipo ventosa situado na ponta da tromba, uma perfeita adaptação para picar e sugar sangue, sendo a picada bastante dolorosa, pela a qual suga sangue. Lá ele plantou cana e montou um engenho com o nome de “Mutuca”.
Tomar banho, mergulhar e saltar lá de cima das árvores nas cristalinas águas do rio Alpercata é indispensável, nela os peixes brincavam com os banhistas de forma amistosa. Terra que para uma moça se casar teria que ter a permissão dos pais, os quais ajustavam o casamento com bastante antecedência. Sobre isso avó Viturina falou do seu primeiro e segundo casamento. Sentada ao seu lado, num banquinho que estava escorado na parede que dava visão para o Morro das Barreiras e Praia da Barrinha, ela disse: “Numa certa manhã de sol ardente do mês de maio de 1927, apareceu na casa da minha mãe dois cavalheiros devidamente a caráter. Em um tronco de aroeira, fincado no terreiro eles amarraram os seus animais, em seguida conversaram com a minha mãe sobre o ajuste do casamento com o viúvo Manoel Gonçalves do Nascimento, para o dia 18 de julho. Desde então, o enxoval foi encomendado e confeccionado pela mão das moldistas da região (vestido, anágua, grinalda e outros acessórios), roupa aquela que a noiva só podia ver no dia do casamento.
No dia e hora marcada, montados em jumentos ela e seus familiares chegaram ao Leandro, local onde iria ser celebrado o casamento. Depois que amarraram os animais em troncos de árvores espalhados pelo pátio da casa, foram assistir a missa, batizados, crismas e consagração de crianças. Após tudo aquilo é que os noivos foram chamados ao altar. Todos se ajoelharam para receberem do padre celebrante um longo sermão, que foi recheado de recomendações.
O primeiro a ser interrogado foi Manoel Gonçalves do Nascimento, a quem o padre perguntou: “Você aceita receber a senhorita Viturina Rosa Ferreira da Silva Mota como sua legítima esposa, na alegria, na saúde, na tristeza até que a morte os separe? Como a resposta foi “SIM”, a partir dela é que fiquei sabendo quem era o meu futuro marido. Em seguida o padre me perguntou: “A senhorita Viturina Rosa Ferreira da Silva Mota aceita receber o senhor Manoel Gonçalves do Nascimento como seu legítimo esposo, na alegria, na saúde, na tristeza até que a morte os separe? A minha resposta também foi “SIM”. A partir de então, foi que ele ficou sabendo quem iria ser a sua esposa e assim fomos casados em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Depois que todos receberam a bênção do celebrante, nós fomos para a fazenda Maravia, onde os pais dos noivos recepcionaram a todos com uma grande festa com comida de vários tipos e música de acordeom. Quando terminou a festa, cada um foi para as suas casas viver e constituir família. Eu com meu marido vivemos somente 30 dias, pois na semana seguinte depois do nosso casamento ele adoeceu de sarampo, uma doença grave, que o levou a óbito no dia 18 de agosto do mesmo ano.
Por causa do sentimento, somente dois meses depois é que notei que estava grávida. Com ajuda da minha mãe sofri de desgosto ate o dia 12 de março de 1928. Nesta data ganhei o “Manilim”. Três anos depois me casei novamente com o viúvo Joaquim Raimundo de Sousa, com quem geramos 8 filhos: José Raimundo de Sousa Mota, nascido no dia 9 de outubro de 1931; Antônio Raimundo Sobrinho de Sousa Mota, nascido no dia 7 de março de 1933; Raimundo Mota de Sousa, nascido no dia 5 de dezembro de 1935; Pedro Raimundo de Sousa Mota, nascido no dia 5 de fevereiro de 1937; Maria da Paz Mota de Sousa, nascida no dia 31 de agosto de 1943; Francisco Raimundo de Sousa Mota, nascido no dia 16 de janeiro de 1945; Niomisa de Sousa Mota, nascida no dia 12 de novembro de 1946 e Rita de Sousa Mota, nascida no dia 12 de novembro de 1948”.
Impressionado com tantas informações, resolvi ficar mais um dia naquele lugar para conhecer de perto os monumentos que a avó Viturina informou ter naquele vale. Acompanhado dos tios, no amanhecer do dia seguinte, fomos ao Morro das Barreiras, um lugar de difícil acesso, pois tem mais de 500 metros de altura e cerca de uma légua de circunferência. Lá em cima o vento era muito forte e quase não tinha vegetação, somente alguns pés de orquídeas penduradas pelas rochas formadoras daquele enorme monumento de tabatinga. Segurado numa cruz de madeira que a comunidade local havia fincado no alto do morro, onde estavam sepultados vários entes queridos da família Mota e Raimundo, ficamos meditando sobre tanta beleza criada pela natureza. Depois foram tomar banho na praia da barrinha.
No povoado Leandro, conversamos com Maria Ferreira do Nascimento, João Ferreira do Nascimento, Raimundo Melo de Sousa e Cecídia Messias de Sousa, os quais contaram que no início do século XX, apareceu na fazenda Maromba, uma alma pedindo esmola para a farra do juda, cuja aparição deixou a comunidade da fazenda alvoroçada, menos o vaqueiro Cândido, que batia no peito dizendo para o seu patrão, o capitão Estevão Ferreira de Sousa: “Esta história de alma, lobisomem e bicho tibungo é só enchimento de linguiça, isso não existe”!
Quando Cândido dizia estas coisas Messias Ferreira de Sousa, um menino de 10 anos, que escutava as suas conversas, resolveu fazer em um lugar distante da presença dos moradores do lugar um juda, o qual foi vestido com roupas rasgadas da sua família. O juda foi montado em um jumento, que levava no pescoço um enorme chocalho. No escurecer do sábado da aleluia, ele levou aquela marmota a casa do mestre Cândido, lá chegando deu uma sacudida no chocalho e bateu palma. O velho Cândido estava na cozinha tomando café, ao ouvir aquilo, foi a porta de sua casa ver quem batia e lá chegando se deparou com o Lobisomem montado em um jumento e com voz roca pedia esmola para uma alma que estava em trevas. O velho correu de casa aos prantos e só parou quando caiu dentro do riacho. Naquelas alturas ele já estava todo breado, com aquilo mesmo, que você pensou (massa alimentar desidratada pela combustão estomacal).
A brincadeira do menino Messias virou tradição cultural na comunidade. Todos os anos os leandenses confeccionam Judas e montam em jumentos e saem pelas casas da redondeza, colhendo prendas (rapadura, cachaça, arroz, farinha, galinha, peru, leitoa e outros mantimentos), para a festa da eucaristia, ou do jejum, dia da malhação do juda, com a celebração da vigília pascal, as quais são preparadas e comidas por todos no sábado da Aleluia.
Do Leandro, foi para o Escondido do Tainor, lá se hospedou na casa do professor Luciano Gomes de Melo, o qual me disse: “Em todo Estado do Ceará, Piauí, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe, Bahia, Minas Gerais e Maranhão, existem pessoas com sobrenome Mota, os quais vieram da Itália, Portugal e da França para o Brasil, em busca de mineração e terra para o cultivo de cana de açúcar. No Maranhão eles foram os primeiros a formar fazendas de gado, cana e café, principalmente nas regiões leste, centro-oeste e sul do Estado, onde ensinaram índios e escravos dos senhores de engenhos a fazerem cachaça e rapadura”.
Do escondido fui para o povoado Palmeirinha, visitar Joaquim Ferreira Mota, lá conheceu as principais atividades agrícolas dos Motas: o plantio e a colheita de arroz, milho, mandioca, feijão, café, cana de açúcar e a fabricação de cachaça e rapadura. Conheceu também, um engenho e bolandeira construídos com madeira nobre, no início do século XX.
Da Palmeirinha fui à cidade de Tuntum, onde se encontrou com o escrivão José Ricardo Araújo, o Advogado Julho do Nascimento Dantas, o prefeito Luís Gonzaga da Cunha, o vereador Raimundo Lourenço Mota, o ex-prefeito José Uruçu da Silva, o líder político Luís Coelho Batista e os frades Antônio Porteeri Tavernole, Dioniso Guerra e Liberato Giudici, os quais lhe informaram como aquela comunidade se desenvolveu e emancipou-se politicamente em 1965.
Os tuntunenses festejam o aniversário da cidade na última semana de agosto, o qual é encerrado no dia de São Raimundo Nonato, o padroeiro do município. O festejo acontece na Praça São Francisco de Assis. Durante o festejo eles fazem leilões de bolos, frangos assados e outros apetitosos pratos que são doados pela comunidade da igreja. Toda verba arrecadada nos leilões são repassadas a Paróquia, que é invertido em obras sociais na jurisdição da igreja.
De Tuntum fui a São Domingos, aonde cheguei ao pôr do sol do dia 3 de setembro, concluindo assim uma longa e cansativa viagem de 35 dias nos quais andou cerca de 60 léguas, por caminhos esburacados e em cima de uma bicicleta carregada com pesada bagagem. Na Praça Getúlio Vargas, foi recebido e aplaudido por Sebastião Alves Feitosa Mota e sua esposa Maria Santana Alves Mota, filha de Antônio Alves Mota e Realina Melo Mota, todos, primos legítimos de Antônio Ferreira Mota, o patriarca da família Mota maranhense.
A sua quinta viagem foi planejada no dia 25 de dezembro de 1972 e iniciada às 7 horas do dia 30 do mesmo mês e ano. Nesta data Evangelista foi à residência do amigo Herculano Gomes, pedir sugestão do que deveria fazer para se sair em paz das chacotas que estava recebendo dos correligionários políticos do prefeito eleito, Francisco Alves de Andrade, em 15 de novembro de 1972, no Município de São Domingos do Maranhão.
Com sabedoria o mestre Herculano lhe disse: “Meu filho, você concluiu a primeira fase do ensino básico, passou no exame de admissão para ingressar no ginásio, ajudou a coordenar uma das mais acirradas campanhas políticas já vistas nesta cidade, está sendo chacoteado pela perda da eleição do seu candidato a prefeito, portanto, mais um sonho foi realizado no seu novo projeto de vida. Diante destas e outras circunstâncias mudar-se desta cidade para outro lugar é uma boa ideia”.
Depois que ouviu tudo isso, agradeceu os seus conselhos e dele se despediu e voltou para seu aposento, onde tomou em suas mãos um jornal de circulação nacional, que tinha como manchete de primeira página: “Na década de 50, um bravo presidente da república brasileira, determinou que o Brasil fosse dividido ao meio por uma estrada, que ele mesmo a chamou de “Espinha Dorsal do País”.
Refletindo sobre aquela reportagem e os conselhos do velho mestre e amigo Herculano, imediatamente foi à agência de apoio a ônibus comprar uma passagem para Açailândia, um povoado que se formava no oeste do Maranhão, à margem direita sentido sul-norte da rodovia Belém-Brasília. Em seguida, visitou as professoras Simplícia, Maria do Amparo, Maria do Carmo e Angelita, os vereadores João Torres, Francisco Maia e Sebastião Mota; os proprietários da pensão do Povo, Marceu e Virgilina, a lavadeira de roupa Maria do Socorro e Dona Eriquita Cardoso, dos quais se despediu desejando-lhes um feliz Natal e próximo ano novo, porém sem dizer que pretendia se mudar daquele lugar para outra pasárgada, mas quando em casa chegou começou a arrumar a mala, onde colocou os objetos pessoais, um rádio de pilha, alguns instrumentos e materiais de fazer prótese dentária. A bicicleta foi desmontada e colocada em uma caixa de papel.
Conforme havia planejado, às 7 horas do dia 30, ele foi a Praça Getúlio Vargas, com a bagagem no ombro embarcou no ônibus Estrela Dalva, que lá já estava estacionado na calçada da agência de viagem “Zé Lotenga”. Enquanto o agente etiquetava as bagagens dos outros passageiros e conferia as passagens, Evangelista ficou sentado num banquinho de madeira que estava escorado na parede, lendo a poesia de Manuel Bandeira. “Eu vou-me embora pra Pasárgada.
Quando ele terminou a leitura, adentrou no ônibus que já fazia sinal de partida e nele viajou 23 horas ininterruptas por empoeirada e esburacada estrada de chão batido. Ao raiar do sol do dia seguinte, o condutor do ônibus disse: “Senhores passageiros, estamos chegando a Imperatriz, o fim desta viagem, cuidado com suas bagagens, obrigado pela companhia e até outra oportunidade”.
Minutos depois, suavemente o ônibus estacionou na parada final, num local que era conhecido como Hotel Anápolis. Na calçada daquela velha e maltratada casa de desembarque ele ficou cerca de uma hora sentado, em cima de sua minguada bagagem. Meditava sobre o que poderia acontecer consigo, pois nada conhecia naquele lugar e muito menos no que pretendia morar, que ficava um pouco mais à frente.
Quando o sol começava a esquentar as paredes das casas, apareceu por lá um ancião, com óculos de grossas lentes no rosto, dirigindo uma novíssima Rural, dizendo de viva voz: “Quem vai para Açailândia?
Foi o suficiente, para que em poucos minutos, o seu veículo ficasse lotado e em direção do lugar anunciado seguir ele viagem, aonde chegou por volta das 10 horas, de um ensolarado domingo, último do ano de 1972, a Rural estacionou na frente do mercado municipal, onde estava acontecendo uma feira pública de arromba, ali como cão sem dono ele ficou vigiando as coisas que trazia consigo e pensando para onde iria. Quando de repente, para do seu lado um caminhão carregado com outros aventureiros, como ele. Foi um momento de reflexão, pois a poeira e o barulho eram estarrecedores naquele lugar. Muitas foram às suposições que passaram por sua cabeça. Ele se sentia perdido e sem saber o que fazer. Olhava para o que se passava ao seu redor e viu que muita gente subia e descia o morro que ficava do lado daquela grande feira, que estava repleta de camelôs, quando de repente apareceu na sua frente um simpático ancião de si ele se aproximou e lhe perguntou: “Você espera por alguém? Se precisar de um lugar para se hospedar, eu tenho um hotel, fica perto daqui e com preço bem acessível”.
O forasteiro que estava sem dinheiro e muito cansado da viagem sacudiu a poeira que tomava conta do seu corpo e respondeu ao velho ancião dizendo: Acabei de chegar neste lugar, vim para nele ficar e trabalhar com prótese dentária, não tenho dinheiro e muito menos bens materiais, mas tenho determinação e disposição para vencer as dificuldades que atormentam muitos brasileiros como eu que estou com mais de 30 horas viajando. Portanto, preciso de um lugar para tomar banho, comer alguma coisa e descansar um pouco, se o senhor tiver coragem de hospedar um forasteiro nestas condições, porém honesto, aqui estou a sua disposição.
O velho disse: “Eu sou Manoel de Sousa Primo e a minha esposa se chama Maria de Lourdes Primo, somos donos do Hotel Açailândia. Lá o senhor pode ficar hospedado pelo tempo que necessitar e por preço bem acessível. Para você que está em dificuldade, vou cobrar só 20 cruzeiros por mês, com direito a tomar banho de cuia, café, almoço, janta e dormir em quarto separado dos demais hóspedes que já tenho como fregueses”.
Dito isso, ele pegou a bagagem e levou para a casa de hospedagem, que naquela época era um tanto modesta: coberta com cavacos de madeira e paredes de taipa, o piso era de cimento, a água vinha do riacho Açailândia, em carroça de tração animal. Era colocada em tambores para os hóspedes tomarem banho com cuia. No período da noite, a iluminação era feita com candeeiro de azeite e todos teriam que dormir de rede, pois cama não tinha uma só naquela casa, mesmo assim lá Evangelista ficou hospedado até o dia 31 de março do ano seguinte.
Conforme havia combinado com seus proprietários, em um quartinho daquela hospedaria ele pendurou a sua redinha, no quintal um banho de cuia tomou, trocou de roupa e almoçou carne de veado mateiro com arroz. Depois do almoço descansou um pouco. Lá pelas tantas da tarde, os feirantes começaram a embalar as mercadorias que estavam expostas para venda na feira. Naquele momento, da sua rede se levantou e por maltratadas ruas saiu andando em direção a um barulho de pandeiro e zabumba que tocavam sem parar, um pouco mais em abaixo. Ao se aproximar daquele local, viu pessoas dançando de forma agitada. Com o dono do estabelecimento, Joaquim Conceição Sousa, conversou um pouco sobre as condições sociais e culturais do lugar que acabava de conhecer. Para a sua surpresa, aquele moço deu-lhe informações bastante temerosas ele disse: “Aqui é uma terra sem lei, semanalmente jagunços e pistoleiros matam gente, não existe escola, hospital, médico, dentista, energia elétrica, água encanada e nem segurança pública. Tudo aqui acontece ao bel prazer de cada pessoa, as quais chegam, em comboio diuturnamente e com elas vem mais problemas sociais e de ordem pública”.
Dito isso ele levantou as mãos para o céu e disse: Ai, meu Deus, o que vim fazer neste prostíbulo, um dos lugares mais imundos e pecaminosos que o homem de bem não deve conhecer e muito menos visitar? Como homem temente a Deus, dali se retirou imediatamente para o seu aposento, onde orou e do Grande Arquiteto do Universo pediu luz e sabedoria para enfrentar as dificuldades, que porventura lhe atormentassem naquele lugar.
No dia seguinte visitou a Cooperativa Canguru, onde teve uma longa e proveitosa prosa com, o Sr. Galdino Claudino Andrade, um sujeito bastante educado, que lhe emprestou uma máquina de escrever, na qual escreveu a seguinte informação: Acaba de chegar neste lugar um especialista em prótese dentária, o seu laboratório está instalado no Hotel Açailândia, vale a pena conferir e comprovar o que estamos anunciando.
A mensagem foi entregue nas casas do povoado e em poucos dias começou a aparecer os clientes. Com o dinheiro que ganhava comprou um terreno, no qual construiu uma casa para morar e trabalhar. Numa das suas salas montou o gabinete, o qual deu origem à empresa Comercial Mota Ltda. O restante da casa serviu de garagem, residência e abrigo para as suas meditações culturais e espirituais. A partir de então, ele começou mostrar o que um homem de bem é capaz de fazer pelo progresso do lugar que escolheu para morar.
Com planejamento, determinação e ética, além do que já havia fundado e ajudado manter na senda do amor, em outras oportunidades, idealizou e fundou um ginásio, uma empresa comercial, clube social, duas lojas maçônicas, três associações de classe, três clubes culturais e academias de letras para adulto e crianças. Fez concursos públicos e amizade com todos que atendia no seu estabelecimento comercial e nas entidades que presidiu e prestava serviços, para os quais costumava dizer que o poeta Fernando Pessoa, certa vez disse para um amigo: “Somos o intervalo entre o que desejo ser e o que os outros me fizeram”.
O admirável e imutável em tudo isso é que a história de cada um de nós é única. Somos únicos e insubstituíveis, principalmente quando temos conhecimento e determinação para enfrentar todas as dificuldades, que eventualmente possam lhe atingir.
Se a manhã um de nós não existir, o mundo será diferente, nossa biografia é importante. Por isso, precisamos contar nossa história, escrevê-la e rescrevê-la, quantas vezes for necessário. As maquiagens dão informações descaracterizadas de todas as virtudes da humanidade. O amor, a ética, a honestidade, têm que ser vividos em plenitude e de forma original.
Como não havia ginásio em Açailândia naquela época, logo que lá chegou, escreveu uma carta para o Instituto Universal Brasileiro, de quem solicitou material para o curso de Detetive Particular e da 5º série ginasial por correspondência. O pedido foi atendido e o material enviado via correio dias depois. Quando recebeu as apostilhas, foi se encontrar com o professor José Nunes Silva, com quem conversou sobre a possibilidade de fundar ali um ginásio. O desfecho daquela conversa resultou na fundação do “Ginásio Professor José Nunes”, fundado no dia 3 de março de 1974. Assinaram a ata de fundação, os professores José Nunes Silva, Luís Gonzaga Silva, Sandra Silva, Washington Silva e o estudante Evangelista Mota Nascimento. Como tal, foi o primeiro aluno a se matricular na 5º série, no qual fez até a 6º série.
Por falta de recursos, no final de 1976 o ginásio entrou em decadência e foi fechado. Por este motivo, Evangelista se matriculou no Colégio José Américo de Almeida, fundado pelo professor Dogival Gerônimo da Silva, em março de 1975, onde concluiu o ginásio e o curso de Técnico em Contabilidade, no dia 13 de dezembro de 1980, cuja formatura foi aclamada com a entrega do diploma e este discurso:
Senhoras e Senhores,
Aqui estou com a alma envaidecida, por pensar que em alguns anos passados eu chegava neste Colégio, na condição de estudante da 7º série, quando me foi dada a graça de ser matriculado na 8º série ginasial, matrícula aquela que perdurou até o presente momento. Durante esse período fui orientado pelos professores: Albino Joaquim do Nascimento, Dogival Gerônimo da Silva, Dorneles Malta de Sousa, Dário Brito Cruz, Eduardo Hirata, Hélio Rodrigues Brás, Haroldo Silveira Leite, João Batista Mendes da Silva, Maria Emes, Maria do Nascimento Ferreira, Maria de Lourdes Cardoso, Sílvia Emes, Raimunda Ferreira do Nascimento, Tânia Silveira Leite, Valdomiro Torres Pântono e Zildete Almeida de Sousa. E também, pelos livros que eles adotaram para melhorar o nosso aprendizado. Hoje, na qualidade de concludente do 2º grau, recebo das mãos dos meus queridos mestres o “Diploma de Técnico em Contabilidade”, um documento que me dá direito de exercer a profissão de contador, a qual será desenvolvida com responsabilidade e honradez em todos os trabalhos que irei prestar aos meus clientes. De igual modo deverão fazer os meus colegas, que comigo foram diplomados nesta memorável casa de ensino, os companheiros: Almir de Jesus Nascimento, Antônio Gomes Vieira, Antônio José Almeida Araújo, Antônio Ferreira Miranda, Antônio José de Sousa, Antonieta Gomes Figueiredo, Ana Maria Miranda Cruz, Diram Santos Miranda, Francisco Cardoso Costa, Francisco Sousa Lima, Filina Sousa Alves, Genecy Pereira Lima, Glória Regina Almeida Araújo, Joidelmo de Andrade, Luzia Barros dos Santos, Manoel Sátiro Parente de Sá, Marco Antônio Rodrigues Cruz, Maria Nalva Silva Sousa, Maria Aparecida Alves Brandão, Maria de Lourdes Santos, Maria Francilene Silva, Nilson Ramalho Diniz, Natanael Costa Primo, Ornil Alves Ferreira, Rosilda Pereira Macedo, Rosilene Ferreira Lima, Rosilene Vieira Oliveira, Virgínia Aranha da Silva e Wilson Oliveira da Silva, que há poucos minutos, de viva voz comigo prestaram solene juramento, fazendo compromisso de nunca usar o diploma que acabamos de receber, como instrumento de vaidade pessoal e sim como documento que nos autoriza ao uso da nobre profissão que escolhemos para a manutenção de nossas vidas e de quem mais pudermos ajudar.
Apesar de bem preparado, tenho a convicção de que por muitas vezes será necessário consultarmos os livros e também os mestres que nesta escola nos orientaram a sermos bons profissionais, pois sem as suas orientações a continuação do nosso trabalho poderá não alcançar os resultados esperados.
Aqueles que vierem até nós, em busca de esclarecimentos, haveremos de dar-lhes conhecimento e confiança do que aprendemos para o trabalho que ora se inicia. Pois aqui estamos com a convicção absoluta de que compomos uma equipe de contadores que juntos procuraremos dar a polidez deste colégio que nos premiou como Técnicos em Contabilidade. Procuraremos ainda conservar esta profissão com amor, respeito e, sobretudo, dar aos nossos futuros clientes a qualidade nos serviços que a eles iremos prestar.
Dos nossos mestres e familiares, solicitamos todo apoio necessário para o enriquecimento do trabalho que pretendemos exercer, principalmente, quando estivermos no exercício da profissão, pois sem este apoio nossos trabalhos poderão não alcançar resultado satisfatório.
Aos nossos futuros clientes, peço que nos dê firmeza e coragem para que possamos trilhar pelos espinhosos caminhos que escolhemos como profissão daqui para frente.
Por fim, peço permissão para lembrar a memória daqueles companheiros que já foram convocados para o colégio celestial, os quais, quando em vida deram formação exemplar há muitas famílias. Por terem se conduzido no caminho da retidão, hoje eles colhem os louros dos vossos ensinamentos lá no paraíso.
Senhoras e Senhores aqui presentes, recebam destes novos contadores e amigos os mais sinceros agradecimentos, quando regressarem aos vossos lares, transmitam aos seus familiares e amigos, estas recomendações.
A todos, nosso muito obrigado.
No final do mês de fevereiro de 1981, foi convidado pelo professor Raimundo Silva Porto, para ministrar uma palestra cultural na escola Dr. José Sarney, para alunos da 4º série. O convite foi aceito e agendado para as 14 horas do dia 3 de março. No dia e hora marcadas ele adentrou no recinto da escola que iria ministrar a palestra, onde fez o que todo palestrante faz ao se apresentar ao público. Em seguida, usou de alguns conhecimentos, pausadamente passou a expor para 28 alunos o assunto em pauta “História do Maranhão”.
Mesmo com algumas limitações sobre o assunto, ele expôs o que estava programado. Foram cerca de 60 minutos de conversa e 30 de perguntas, todas respondidas a contento. No momento que deu a palavra final. A partir de então, passou a fazer parte do corpo docente de professores da escola, trabalho este, que foi continuado em outros estabelecimentos educacionais da rede privada e pública, até os dias de hoje.
Em julho de 1983, foi à capital do estado prestar vestibular para medicina na Universidade Federal do Maranhão. Entre os 416 candidatos concorrentes, conseguiu se classificar em 10º lugar. E foi com a ingenuidade de um calouro, que dias depois de ter saído o resultado dos aprovados em tão concorrido concurso, que Evangelista entrou pela primeira vez em uma universidade Federal.
Na sala de entrada da reitoria ele viu pendurados pelas paredes, vários quadros com fotografias dos ex-professores que por ali passaram e deram àquela instituição as suas contribuições. Viu também, que no meio daquele casarão de arquitetura neoclássica, havia um pequeno jardim e uma estátua de uma pessoa, esculpida em bronze. Um pouco mais a frente, viu várias salas, as quais tinham portas e janelas de vidros coloridos, nelas funcionavam os laboratórios, refeitórios, bibliotecas e salas de aulas teóricas.
Na entrada principal da biblioteca estava escrito a seguinte inscrição: “Ele acendeu e transmitiu a flâmula sagrada; o princípio que traz o seu nome é iluminado, os espaços celestes dos que aqui chegaram com objetivo de contribuir com o crescimento desta casa de ensino superior, que continua pesquisando fórmulas mais compreensíveis para o conhecimento cultural e social de todos nós”.
O acesso para cada uma delas dava-se por passarelas com piso de cimento e coberturas com telhas de barro, nas suas laterais haviam vários bancos construídos com granito, que exibiam nos encostos, nomes de empresas comerciais, certamente as patrocinadoras daquelas estruturas. Em um daqueles bancos ele se sentou da bolsa tirou o seu diário e com uma caneta esferográfica escreveu a movimentação das pessoas que por ali passeavam gente que comia sanduíche e tomava refrigerante, outros mascavam chicletes e namoravam.
Como fazia poucos dias que aquela universidade havia divulgado a relação dos aprovados no curso de Medicina, por ali se encontravam outras pessoas com boinas verdes nas suas cabeças, um disfarce que ele deixou mais à vontade para ir até a cantina tomar um suco de fruta. Enquanto degustava aquela bebida, passou por si uma moça a quem ele perguntou: Onde fica o departamento de matrícula do curso de Medicina?
Bem ali, ela disse e com a mão direita apontou a direção de uma sala de três compartimentos que estava na sua frente. Ele agradeceu a informação e imediatamente foi para o lugar indicado pela moça. Quando lá chegou, foi por uma distinta senhora de meia idade recebido na porta de entrada e com doces palavras ela perguntou o que vossa excelência precisa?
Ainda um tanto acanhado, do bolso tirou a carteira de identidade, o certificado de conclusão do segundo grau, o diploma de Técnico em Contabilidade e a prova de que tinha passado no vestibular de medicina daquela Universidade e entregou para aquela simpática senhora, que no mesmo instante deu uma rápida olhada na documentação para conferir se tudo estava correto. De cara viu que ele era um homem de grande conhecimento, a menor nota que tinha no seu boletim escolar era 8,5. O seu nome expressava algo muito extraordinário, um sinônimo de religiosidade. Viu também, que ele tinha sido o 10º em classificação daquele curso. Em seguida ela preencheu e assinou a sua ficha de matrícula e entregou-lhe o calendário de aulas e as disciplinais que haveria de estudar naquele primeiro semestre.
Como qualquer outro calouro, ele entrou naquela universidade cheio de entusiasmo, no entanto, não demorou muito para começar a aparecer às dificuldades e as decepções e assim se foi até a metade do mês de maio de 1986, quando fazia o 8º período de Medicina. Naquele mês o seu filho caçula bateu com a cabeça, num espelho que estava pendurado na parede da sala que ele brincava. Por causa do impacto, o espelho se fragmentou em vários pedaços de vidro, que caíram em cima de si, minutos depois estava com febre alta, seus pais levaram-no ao hospital de plantão imediatamente, lá foi examinado e medicado pela Drª. Maria Alice e mandado pra casa. Dias depois ele demonstrava está com depressão, preocupado com seu estado de saúde, seus pais levaram-o a outros pediatras, os quais solicitaram dezenas de exames laboratoriais, mas nenhum deles diagnosticou a doença da criança, que a cada dia ficava mais deprimida.
No dia 17 de maio e 6 de junho de 1988, ele foi examinado pelos doutores: Benjamin Ohana, Saul Raychtock e Enemezio Martins, os quais decidiram a sua transferência para o Hospital de Base, em Brasília. A consulta foi agendada para as 10 horas do dia 25 de julho do ano seguinte.
Em Brasília ficaram na cidade de Taguatinga hospedados na casa de parentes, no início da noite ele teve febre, foi levado a um pronto socorro, o médico de plantão receitou ASS infantil e o liberou para ser medicado em casa. Minutos depois de ter tomado a medicação dormiu serenamente com seus pais que se deitaram na mesma cama. Ninguém viu, mas por volta das 5 horas do dia seguinte o seu coraçãozinho deixou de bater, sem alarme ele faleceu, mas a fatalidade só foi percebida no amanhecer do dia.
A morte do Juninho deixou os seus pais desesperados, mesmo assim tiveram força para providenciar o translado do seu corpo para Açailândia, onde foi velado e sepultado no dia 28 de julho de 1989.
Por não ter trancado a matrícula, durante os quase três anos que Evangelista ficou cuidando da saúde do seu filho, foi jubilado. Um fato lamentável, mas foi o que aconteceu, isso lhe causou tristeza e constrangimento, por ter perdido a oportunidade de realizar o seu maior sonho, o de se formar em medicina.
Por ter passado quase três anos, dedicando todo o seu tempo buscando a cura do filho em vários centros médicos do Brasil, ter gastos valores bastantes altos com viagens, hospedagens e alimentação no período que buscava a recuperação do Juninho, em cujo período além de ter abandonado a faculdade, deixou de dar assistência as suas atividades comerciais. Isso foi decisivo, para que tudo que tinha em bem materiais fosse vendidos. Por este motivo, alem de ter perdido o curso de medicina, teve que trabalhar de empregado, ganhando um salário mimo vigente no país, que na época era de R$ 25,00 (vinte cinco cruzeiros), ministrando aulas para alunos de 5º a 8º série. A esposa foi ser secretária de um uma empresa madeireira.
Mas como bem disse a escritora Rosana Braga: “O charme da história e sua lição enigmática consistem no fato de que, de tempos em tempos, nada muda e mesmo assim tudo é completamente diferente”.
Pensando nesta e outras frases às 11 horas do ano seguinte ele foi à sala de janta almoçar uma buchada de bode. Ao chegar à mesa, toca a campainha, na porta da frente. Como estava sozinho, imediatamente foi atender o chamado. Para sua surpresa, lá estava o Dr. José Marques Gonçalves, um velho amigo do seu tempo de universidade, que vinha lhe visitar. A conversa foi familiar e descontraída, enquanto os dois almoçavam. Marques falou da sua nova especialidade, a de cirurgião dentista, do Disco Fascinação que havia gravado (uma história de pura determinação Divina), que estava fazendo o maior sucesso nas paradas musicais do país e com isso entrou no assunto que pretendia explorar naquele encontro de amigo.
De forma simples, porém sincera, ele disse: “Amigo, apesar da distância que tem nos separado nestes últimos anos, estou seguindo os seus passos pelos jornais e outros meios de comunicação de massa existente neste imenso país. Através de amigos dos nossos velhos tempos de faculdade, fui informado que você perdeu o seu curso de medicina, o que me deixou preocupado e triste, pois eu sabia que era o seu maior sonho, um dia ser empresário, médico, escritor, filósofo e professor. Preocupado com isso, vim até aqui para lhe oferecer uma ajuda”.
Que ajuda?- Perguntou. “As instituições financeiras têm linhas de crédito para financiar estudante de nível superior, o juro é acessível, com este dinheiro você paga a mensalidade de uma Universidade particular, aluguel, transporte e alimentação até terminar o seu curso. Com o diploma na mão, não lhe vai faltar serviço, pois você já é um profissional, o que lhe falta é habilitação e isso pode ser rapidamente conquistado, basta participar de todas as aulas e debruçar-se sobre os livros e fazer os trabalhos solicitados pelos professores”.
Quase sem palavra ele agradeceu as sugestões do amigo, mas lembrou-o de que a burocracia brasileira tem desestimulado muitas pessoas a seguirem em frente com seus projetos, principalmente nos que precisam de investimentos financeiros e de forma simples parabenizou o ex-colega de faculdade, sobre sua nova especialização e a triunfante coragem de ter lançado um disco musical. Agradeceu também a visita que ele acabava de lhe fazer e pelas valiosas sugestões que foram para si como um grande presente.
Naquele momento o telefone toca, ele pediu licença ao amigo e foi até a sala que estava o aparelho chamando sem parar. Quando tirou o interfone do gancho, ouviu do outro lado da linha uma voz sorrateira dizendo: “Prezado senhor, nesta manhã recebemos do Dr. Marques um e-mail lamentando que um dos seus maiores amigos, havia sido jubilado do curso de medicina que estava próximo de ser concluído na Universidade Federal do Pará. Lamentou ainda a burocracia e a rigidez daquela instituição de ensino superior em ter lhe cortado do seu quadro de estudante um aluno dedicado, sem antes procurar saber o que lhe levou a ficar sem estudar. Como já passamos por situação idêntica, pretendo te ajudar a resolver este caso, disse o interlocutor que estava do outro lado da linha e desligou o telefone”.
O Dr. Marques estava do lado, portanto notou que o amigo tinha mudado de cor, logo que o telefone foi desligado e perguntou-lhe: “Quem estava ao telefone falando com você?”
Um desconhecido que não quis se identificar, apenas disse que lhe conhecia e lamentava pelo que tinha acontecido comigo e se ofereceu a me ajudar, arranjar uma faculdade particular para que eu pudesse me formar, respondeu.
Dr. Marques que já havia terminado de almoçar ficou agradecido e foi descansar no quarto de hóspede que ficava do lado da sala de jantar e Evangelista entrou no quarto de dormi. Uma hora depois de lá saiu, com os olhos avermelhados e os passos vacilantes, a boca contraída e os cabelos em desordem. Na escrivaninha se sentou e escreveu uma carta ao desconhecido que lhe prometia ajudar a conseguir uma faculdade para estudar e se formar. Depois que a carta ficou pronta colocou-a no envelope, retornou ao seu aposento de descanso, tomou um banho, vestiu-se com uma roupa nova e na porta da frente de sua casa ficou conversando com o amigo que também já tinha se levantado da cama. Os dois por ali ficaram esperando passar um táxi. Não tardou, um carro de aluguel cruza aquela rua, com um simples sinal pedindo parada ele estacionou. Com sua esposa e o amigo Evangelista foi apresentar ao ilustre visitante os pontos turísticos da cidade que morava.
Em um confortável ambiente de lazer deram uma parada. Lá desceram do veículo, pagaram a conta e dispensaram o taxista. Com a esposa e o amigo Evangelista dividiu atenção, tomaram sorvete de fruta e comeram pizza de framboesa com suco de laranja.
Como já estava se aproximando do horário de partida do amigo, Evangelista chamou um táxi e nele foram para a rodoviária. Lá ele tirou do bolso a carta e para o amigo entregou dizendo: Leve este documento e entregue para o seu amigo, ele tem algo interessante para te falar. Deu o telefone e o endereço do encontro que os dois haveriam de ter logo na semana seguinte.
Dr. Marques, que também é poeta, ali se despediu dizendo: “Daqui saio alegre por ter visto o amigo com sua família, todos com saúde, ética e determinação para em tempo hábil, escrever e entrega-me um documento que certamente vai lhe ajudar terminar o seu curso de medicina, o qual fará de si um grande profissional da área mais carente neste país”.
Foi uma demonstração de respeito que o doutor José Marques Gonçalves deu para o amigo Evangelista Mota Nascimento e sua esposa Raimundo Ferreira do Nascimento, que concordaram com a frase: “Tudo neste mundo tem o seu dia para acontecer”; uma demonstração de que aquele encontro foi programado por Deus para acontecer naquele dia e de forma espirituosa.
Já era noite, quando Dr. Marques embarcou para a cidade que morava, onde iria cumprir tudo que havia agendado com o amigo, que tinha perdido o direito de estudar numa universidade pública, uma intenção fraterna de ajudar quem de ajuda precisasse e como tal, ele agradeceu-o pela visita. A conversa e as sugestões que lhe oferecia, pois todas eram de grande valor profissional. E acrescentou: Você foi e será meu eterno padrinho, um amigo do coração, aquele que nunca falha e com um triplo e fraternal abraço, ali os dois se despediram exatamente na hora do embarque, o ônibus partiu levando um amigo para outro lugar distante, onde tudo que combinaram foi rigorosamente cumprido.
No final do ano de 1991, Evangelista foi ao Rio de Janeiro tratar de alguns negócios particulares. Quando passeava pela Av. Ernâni do Amaral Peixoto, Niterói, viu na casa de número 836, escrito com letras grandes o nome de “Centro Educacional de Niterói”, que era conveniado com a Fundação Brasileira de Educação Superior, que fazia Capacitação e Aperfeiçoamento Profissional de Professores de 1ª a 4ª Série, nos termos do Art. 16 da Lei nº5692, de 11 de agosto de 1971.
Empolgado com o que estava escrito na parede daquela casa, ele ali adentrou para conhecer melhor aquela instituição e lá dentro teve a felicidade de se encontrar com a Pedagoga Maria de Lourdes, que morava na cidade de Imperatriz, Estado do Maranhão, conversando com Nilde Pereira Muniz, Diretora Regional do MEC, sobre a possibilidade de montar nas cidades de Açailândia e Imperatriz um polo de capacitação de professores apoiado por aquela magnânima instituição de ensino superior. A ideia era tão boa que ele agradeceu e incentivou ainda mais aquelas autoridades educacionais a levarem adiante o projeto em discussão.
No dia 23 de julho de 1992, o curso foi instalado em Açailândia com 43 alunos matriculados, entre tantos, estava Evangelista Mota Nascimento, que com dedicação e responsabilidade, no dia 24 de julho de 1994, foi diplomado professor de 1ª à 4ª série, cuja diplomação foi sequenciada, por várias outras, até porque já exercia tal profissão, desde o mês de março de 1981.
Em julho de 1998, a professora Laura de Jesus Oliveira instalou em Açailândia, o Instituto de Ciências Filosóficas do Maranhão, que deu seguimento a formação de muitos professores na cidade, entre tantos, lá estava o guerreiro e esforçado professor Mota, que no dia 2 de fevereiro de 2003, foi diplomado em Filosofia, pela Faculdade Associada de Filosofia, Teologia, Ciências Humanas e Sociais de São Paulo.
Pelo fato de estudar em tempo integral em Imperatriz, a 72 quilômetros de Açailândia e à noite ainda ter que ministrar aulas para 5 turmas da rede municipal, ele dormia muito tarde, porém cedo já estava acordado.
Leitura de livros e trabalhos escolares fazia a bordo do ônibus que o levava a faculdade, onde também se formou em Pedagogia, um ano depois.
Aquele excesso de estudo e trabalho deixava-o sem tempo até para comer e cuidar de sua família. Apesar de tudo isso, trabalhava com entusiasmo e bem humorado e de nada reclamava. No dia que se formou, disse para os colegas e professores, algo mais ou menos assim: Nesta memorável noite, quis o Grande Arquiteto do Universo, que todos nós estivéssemos aqui para Dele receber bênçãos de gratidão pela conclusão de mais um curso, uma investidura que fará de nós eternos sacerdotes da educação, portanto somos bem aventurados. Digo isso porque as coincidências existem, mas nunca declinam contra a carreira que escolhemos.
Somente o Divino Criador de todas as coisas, pode negar novos horizontes para aqueles que não tiveram a felicidade de nascer. Só Ele pode nos dar o privilégio de ter nascido e aqui estar para comemorar essa silenciosa e fria noite de onde vamos viajar para outros lugares mais longe, para ver aqueles que estão com outros irmãos elevando orações, e professando cânticos de fé.
Portanto, ainda dirão que isto sempre foi assim e existem naqueles que veem a educação como sendo coisa separada do resto da sociedade e isso não podemos aceitar, porque somos testemunhas de boas informações. São vários os motivos que me deram alegria nesta memorável noite. Entre os 11 filhos que meus genitores geraram, eu fui o único que, a duras penas, conseguiu se formar e em mais de um curso superior.
Em 1999, prestou concurso público para professor municipal, entre os mais de mil candidatos que concorria as 250 vagas disponíveis, ficou em 18º lugar. A partir de então a profissão que exercia desde 1981, foi definitivamente regulamentada.
Em janeiro de 2004, iniciou no Centro de Avaliação, Planejamento e Educação do Maranhão a sua Pós-Graduação, especializando-se na Educação do Ensino Superior, curso aquele que terminou em março de 2005. A partir de então, compreendeu que a educação e os livros quando bem usados, fazem parte da mais completa cultura que o homem já pode alcançar no decorrer de sua vida, mesmo que não tenha o apoio da família, como foi seu caso, pois tudo que aprendeu, foi por iniciativa e determinação própria.
No dia que recebeu das instituições que se formou, os Históricos Escolares e Certificados de conclusão dos cursos superiores que fez, saudou os seus dirigentes com estas palavras: Se observarmos o que o conhecimento é capaz de fazer no homem é possível ver o coração, fazem chover amizade sobre as criaturas humanas, tanto quanto o firmamento faz chover nos campos mais áridos e tristes da face da terra. A orvalhada das noites, que se esvaem com os sonhos de manhã, ao cair das primeiras flechas de ouro do disco solar que brilha na nossa mente, os quais geram grandes conhecimentos e fazem parte da visão intelectual dos que estudam e ensinam outras pessoas carentes de conhecimentos.
Embora o realismo dos adágios teime no contrário, o arrojo de enfrentar pelo menos uma vez a sabedoria dos provérbios das escrituras sagradas e dos livros que lemos no caminho da faculdade, certamente eles me disseram: “O maior pecado do homem é não saber como é certo, o que corre neste mundo, ou, pelo menos, muitas e muitíssimas vezes não se espalham pelos que não têm o hábito de ler, estes sim, vivem longe do coração daqueles que pensam que a filosofia do saber é a ciência das letras”.
A mente e o coração de quem ler muito é bastante fértil. Há, nele, mais que um prodígio moral e filosófico. Porque ele é o órgão da consciência, da fé, da esperança, do ideal e da vida e do conhecimento humano. Por isso é que os livros saem da odisseia e sobem na arte da compensação do povo, dos costumes da liberdade e da república das letras, que prosperam os estados, que moralizam as sociedades honradas e nações de qualquer fronteira. Quis com isto enfatizar que o aprendizado não está na língua que estudamos e sim no entendimento da interação das forças que a natureza projetou para cada um de nós. Isso também diz que o segredo do bom entendimento está na observação dos fenômenos existentes na face da terra, na sinceridade absoluta para conosco mesmos que no aprendizado de sua linguagem gráfica, ou no movimento das linhas que você mapeia para andar durante a sua vida por elas.
Para os olhos mortais do homem, a educação é o mais velho dos princípios que regulamenta a palavra, e ela foi escrita à mão na primeira página de seu livro, antes mesmo de ser pronunciada. Alguns cientistas crêem que ela seja cega, enquanto outros, talvez mais sabiamente, alegam que ela viaja cegamente e que, na verdade, não possa ver nada, exceto - enxergar os finos traços das aspirais e galáxias derramadas no vazio que o conhecimento do homem reservou para ele.
Neste contexto o conhecimento afirma que só existem dois dias do ano sobre os quais nada pode ser feito. Um deles se chama ontem e o outro é o amanhã. Portanto, hoje é o dia certo para você amar, sonhar, ousar, produzir e acima de tudo acreditar que a educação traz conhecimento para aqueles que antes mesmo de nascer, foi iluminado por Deus para pensar e agir com ética.
O conhecimento é o poder da força, da vontade e do livre arbítrio que o ser humano possui para transformar muitas e muitas coisas dentro dos limites impostos pela natureza na sua alma, a genética e o mundo externo de cada um de nós. Muitos destes limites são intransponíveis e a isto chamamos de falta de determinação, ou mesmo de vontade em fazer o que tem que ser feito, mesmo que não possa atravessar seus limites. Portanto, considera-se este poder de transformar como sendo uma reação elaborada por situação existente, através das conquistas de sua liberdade interior.
O homem não pode modificar um dia de chuva, mas pode aprender o gostar de um dia chuvoso. Não pode transformar a violência em descontrole do mundo, mas pode aprender a proteger e se distanciar dela. Talvez não possa modificar as antipatias que alguém sente por você, mas pode modificar a forma com que elas possam ser respondidas sem deixar sequelas graves. Não existe deficiência que o homem não possa transformá-la em eficiência e de boa qualidade.
Se tiver alguém vivendo com negatividade, o homem saberá como modificar e assim evitar que sua negatividade desequilibre sua vida. O ser humano aprende a superar as limitações que a vida lhe impõe, desenvolver as outras capacidades e potencialidades que ele ainda não desenvolveu. Dessa forma, acredita-se que tudo neste mundo pode ser transformado e nada deveria tolher a capacidade de alguém ser feliz e fazer muito mais pelos que precisam dos seus feitos.
No mundo inteiro há milhões de pessoas que são felizes quando nada a sua volta tem cara de felicidade e foi pensando nesta felicidade, que passamos por muitas provas de ensinos familiares, políticos, sociais e universitários. Sobre isso tenho refletido sobre a importância do conhecimento adquirido nos intermináveis anos de estudos e muito sofrimento que cada um de nós está sujeito a passar para concluir um curso superior, pois no nosso modesto ponto de vista, o mundo não se importa nem um pouco se você vai ter sucesso ou não, mudar para melhor ou pior. Sua atitude diante da vida não afetará o mundo tanto quanto afeta você mesmo.
O fato de que alguém possa ser considerado, educado, inteligente ou abastado de bens materiais, não será o mais importante, o que importa são as boas atitudes que ele apresenta e pratica para o engrandecimento de sua própria vida e dos seus semelhantes.
As pessoas que praticam atitudes positivas, certamente vão desenvolver de forma criativa as suas inteligências, as quais devem proporcionar para si mesmo o que pode possibilitar as dificuldades que lhe cercam no dia-a-dia de labuta. Quando melhorar a sua atitude, automaticamente melhor será a sua capacidade de compreender verdadeiramente, como refletir as coisas que o cercam. Se quiser demonstrar uma expressão com o olhar, precisa pensar, para ter certeza de que é aquilo que a sua alma está esperando. Ninguém, absolutamente, pode mudar a imagem que seus olhos projetam sem antes mudar a maneira de pensar.
Você descobrirá que uma grande atitude poderá criar grandes oportunidades, um processo que pode faz de você uma pessoa ainda mais feliz, aquela que se descobre e produz mais, em menos tempo. É neste caminho que encontramos as coisas boas que procuramos. Se traduzirmos isso para a realidade física do pensamento é possível manter a mente num campo ainda mais fertilizado pelo conhecimento.
Quando nossas atitudes são corretas, nossas capacidades alcançam o máximo, o que é seguido sempre de bons resultados. As atitudes corretas permitem que as pessoas desenvolvam suas lideranças e obtenham algo bom para todas as situações. Já percebeu que, quanto mais alto chegar numa organização, melhor são as pessoas que vamos conquistar naquele e em outros ambientes.
Se você acompanhar conscientemente as suas atitudes, vai passar a conhecer melhor as pessoas com quem entra em contato, como se fossem as mais importantes na terra, mesmo não sendo iniciado no mérito. Se tratar todos dessa maneira, vamos começar a formar um hábito essencial de amor e respeito do trabalho que fazemos.
Foi refletindo e imaginando assim, que encontramos caminhos para reavivar a alma, porém sem esquecer que a humildade, a simplicidade e a disposição de ouvir, sugerir e aceitar sugestão em todos os seguimentos da vida de cada um de nós.
4º ATO
Mesmo tendo iniciado a formalização de sua primeira empresa no dia 14 de março de 1974, as suas atividades comerciais começo no dia 29 de agosto de 1967. Nesta data, ele foi ao povoado Estreito, Município de Tuntum, um lugarejo que ficava cerca de duas léguas da casa que morava com seus pais. Lá chegando encontrou o jovem José Pereira da Costa, agonizando com dor de dente. Ele pedia por todos os santos um dentista para extrair o seu dente, como Evangelista já havia recebido instruções do professor Luciano, sobre o assunto, imediatamente pediu que fervesse uma água e depois que esterilizou os instrumentos que levava consigo, anestesiou e extraiu o dente do rapaz.
Como tudo que faz tem a bênção de Deus, aquele trabalho foi um sucesso e assim a notícia correu por toda vizinhança que ali acabava de chegar um doutor dentista. Trinta dias depois ele voltou àquela comunidade para fazer a prótese dentária do cliente. Pelos serviços cobrou CR$ 20.000,00 (vinte mil cruzeiros). A partir de então, ele tomou gosto pela profissão, conseguiu muitos outros clientes e se profissionalizou em protético dentário, cuja profissão deu-lhe condição de sair do seu torrão natal para mascatear novos mercados em outros lugares.
Como não tinha dinheiro para comprar o que pretendi vender para o povo carente da região que vivia, foi a Farmácia dos Pobres e nela comprou alguns produtos farmacêuticos. O valor da sua primeira compra foi de CR$ 16.000,00 (dezesseis mil cruzeiros). A mercadoria foi colocada numa mala e com ela nas costas ele foi ao povoado Lagoa Nova, que ficava cerca de duas léguas da cidade. Lá ficou hospedado na casa do José Bezerra Araújo, o popular Zé André, onde rapidamente vendeu toda mercadoria e fez também, alguns trabalhos dentários, o que aumentou ainda mais o apurado, cerca de CR$ 30.000,00 (trinta mil cruzeiros). Quando retornou à cidade, foi direto à farmácia que havia feito a compra, lá chegando, do bolso retirou o dinheiro e disse para o gerente Sebastião Mota: traga a minha conta, aqui está o seu pagamento. Calma, disse ele. Primeiramente veja o que vai precisar para a próxima viagem. Pelo que já levou só vou cobrar a metade, o restante é uma ajuda que lhe dou para comprar o seu fardamento colegial e outros adereços pessoais. Suspirei fundo e me senti mais à vontade com o patrão.
O ganho que teve com as vendas e trabalhos protéticos que fez naquela primeira viagem como “Mascate Viajante”, pelos arredores da cidade de São Domingos do Maranhão, com uma enorme mala nas costa deu para pagar a pensão e comprar o fardamento escolar e ainda sobraram algumas moedas, que foram guardadas dentro de um cofrinho de barro.
Como não lhe faltava determinação e vontade para trabalhar agendou para todos os fins de semanas e feriados, sair a pé pelos arredores da cidade vendendo alguma coisa e fazendo prótese dentária. O dinheiro que ganhava era depositado no cofrinho do patrão. Um ano depois, ele foi a uma loja de departamento, lá foi atendido por um simpático senhor de poucos cabelos, que atendia pelo nome de Juarez Nascimento, o qual lhe vendeu uma bicicleta Monark Barra Circular, por CR$ 160.000,00 (cento e sessenta mil cruzeiros). Como só tinha CR$ 130.000,00 (cento e trinta mil cruzeiros), os trinta mil restante foi faturado em três notas promissórias de CR$ 10.000,00 (dez mil cruzeiros) cada, ou seja, 30, 60 e 90 dias e assim ele assinava a sua segunda nota de crédito, o qual foi ampliado até os atuais dias e certamente serão enquanto vida tiver, com honradez e sinceridade.
Como ele não sabia andar de bicicleta, da loja saiu empurrando a sua magrela em direção de sua casa. Logo na primeira esquina passou por um grupo de rapazes que estava na calçada de um barzinho, não deu outra, eles gritaram: “Olha o tabaréu empurrando a bicicleta!
Aquilo não lhe incomodou e com passos firmes foi até a praça central dar as suas primeiras pedaladas, as quais certamente foram desajeitadas, porque ele nunca havia andado de bicicleta. Naquele momento, passava por lá a polícia de trânsito e lhe advertiu com alguns silvos, mas ele não conhecia sinal de trânsito e nem entendia o que era silvo, portanto, continuou pedalando o seu veículo por aquele passeio e aquilo aumentou ainda mais a gritaria e a gozação da molecada, eles gargalhavam ao seu redor.
Em nome da lei, a polícia prendeu sua bicicleta. Como nada mais poderia fazer dali, ele saiu andando de cabeça baixa pela calçada, em direção da loja que havia comprado a sua magrela. Lá chegando procurou o gerente, mas ele havia acabado de sair de viagem e só voltava no mês seguinte. Um tanto constrangido com aquele acontecimento, foi à casa do vereador Sebastião Mota, mas ele também não estava, havia viajado e só retornava na semana seguinte. De lá foi à residência do vereador João Torres, mas ele também havia viajado. Restava então falar com a diretora da escola que estudava, mas ela também não estava em casa, estava viajando e não tinha data para retornar.
Preocupado com aquela falta de sorte, ele teve uma nova ideia, ir à delegacia de polícia, falar com o delegado e dele pedir a devolução de sua bicicleta, pois era tudo que tinha conseguido para ser o seu veículo de trabalho nas viagens que fazia pelos arredores daquela cidade, como mascate viajante, nos fins de semana e feriados. Mas como já era noite deixou o seu plano para o dia seguinte.
Quando o dia amanheceu, um café com beiju de tapioca tomou, fez sua costumeira higiene corporal e em seguida foi à delegacia de polícia. Lá chegando, foi recebido por um sujeito de poucas palavras que estava armado até os dentes, suas roupas eram de cor escura e cheias de emblemas. Aquele homem com cara de mal, logo foi lhe solicitando os documentos de identificação e também perguntando o que queria com o delegado.
Espantado com o que via na sua frente disse: Não tenho documento e quero a minha bicicleta de volta, aquela que você prendeu na Praça Getúlio Vargas, no fim da tarde da última sexta-feira.
Qual bicicleta? - perguntou aquele guarda policial.
Aquela que está acorrentada na grade do portão. O guarda lhe disse: “Só não lhe prendeu agora porque você está uniformizado com a farda oficial da escola que estuda e acrescentou vá embora, antes que lhe bote no xadrez! Você está sem documento e hoje é feriado, o delegado só atende nos dias de trabalho e em horário previamente agendado com os advogados processantes”.
Diante daquelas ameaças Evangelista ficou um tanto desapontado e sem saber o que fazer, mas em um instante obedeceu às ordens do policial e retornou para o lugar onde morava.
Na segunda feira e no horário comercial, lá chegou e novamente foi recebido pelo mesmo impetuoso soldado que logo foi informando-o: “O delegado está em audiência e não vai poder recebê-lo, volte outro dia, o seu caso é gravíssimo e só será resolvido através de um processo formalizado por um advogado.
- Que crime eu cometi? - Perguntou para aquele militar intimidador.
“Você desobedeceu às ordens da autoridade”, respondeu o guarda.
- Como, se não disse uma só palavra na hora que você prendeu a minha bicicleta?
“Ora, foram muitos silvos que soprei e você não parava de pedalar a sua magrela, somente na terceira volta é que pude lhe botar a mão, isso é desobediência a autoridade”.
- Não sei o que são silvos. Na terra onde morava, quando a gente queria parar alguém gritava pelo seu nome e o senhor não fez nada disso, respondeu com muita educação.
“Olha moço, acho que estamos jogando conversa fora, faça o que estou lhe recomendando e somente depois das 9 horas é que o doutor delegado vai lhe receber e com ele você acerta as suas contas direitinho, disse o guarda para o dono da bicicleta apreendida na praça pública daquela cidade”.
Acho que o senhor é quem está mal informado, não tenho conta alguma para acertar com o delegado, o que devo é nas Casas Pernambucanas, a primeira prestação vai vencer daqui a 25 dias e se Deus permitir e vocês deixarem, ela e as duas restantes vão ser pagas nos seus respectivos vencimentos.
“Não é deste débito que estou falando, mas sim da multa sobre a infração que você cometeu ao passear de bicicleta em praça pública, o que é proibido e por isso será cobrado a bagatela de três salários mínimos vigentes no país”.
- Quanto é esse tal de salário mínimo? Perguntou o dono da bicicleta.
“Vinte cinco mil cruzeiros”, respondeu o soldado.
Mesmo ainda sendo um rapaz tabaréu, depois daquelas informações, nada mais perguntou àquela autoridade que cumpria ordem do delegado Espedito.
No dia e hora marcada na delegacia, ele chegou sozinho para falar com o delegado, um sujeito que usava um enorme bigode, óculos escuros, roupa preta e falava como muita autoridade, mesmo assim aquele jovem homem disse-lhe:
“Quero a minha bicicleta, não tenho dinheiro para pagar multa, tudo que aconteceu foi por falta de conhecimento, aqui estou para estudar e trabalhar na paz e na amizade. Por enquanto, aqui estou estudando e trabalhando como mascate viajante, mas em breve serei um vencedor, uma autoridade como você, que merece respeito e atenção”.
Como homem da lei, ele entendeu a solicitação daquele jovem estudante e imediatamente, determinou a um de seus seguranças que entregasse a bicicleta, porém recomendou-lhe:
“Não ande mais de bicicleta pelos passeios públicos e acrescentou, tenha-a como um transporte, quase que inofensivo, porém quando é usado de forma correta e pelas vias legais” - disse o delegado Espedito.
O que aconteceu com um jovem estudante do ensino fundamental em uma praça pública de uma cidade da região dos cocais maranhenses, lá pelas tantas do mês de maio de 1971, está acontecendo em muitos outros municípios brasileiros. Autoridades que não sinalizam corretamente os seus logradouros públicos e abusam das funções de que estão investidas, principalmente com as pessoas desinformadas.
5º ATO
O namoro é uma instituição de relacionamento interpessoal não moderna, que tem como função a experimentação sentimental e/ou sexual entre duas pessoas através da troca de conhecimentos e uma vivência com um grau de comprometimento inferior à do matrimônio. A grande maioria utiliza o namoro como pré-condição para o estabelecimento de um noivado ou casamento, definido este último ato antropologicamente como um o vínculo estabelecido entre duas pessoas mediante o reconhecimento governamental, religioso ou social.
Por assim ser, relata-se aqui como Evangelista namorou pela primeira vez e como tudo aconteceu, lá pelas tantas do mês de julho de 1970, época que Francisco Mariano Pereira, contratou o cantor José Augusto para fazer um show no Clube que ele presidia em São Domingos. O cantor chegou de avião e para chamar atenção, antes de pousar numa improvisada pista de chão batido, fez várias acrobacias em baixa altitude pelo centro da cidade, aquilo chamou atenção de muitos e até deixou alguns alvoroçados.
Quando pousou naquela pista empoeirada, foi recepcionado pelo presidente do clube e muitos fãs do ilustre cantor. No meio daquela gente estava uma linda moça, que suava muito no meio daquela multidão e perto de si estava um jovem rapaz, que educadamente retirou do bolso um lenço branco e para ela entregou dizendo:
“Este pedaço de pano é para você enxugar o seu lindo rosto, que se derrete pelo calor desta terra cheia de poeira”.
Com simplicidade e educação ela aceitou o lenço, com ele enxugou o suor que escorria no rosto, ao devolver disse para o rapaz: “O seu lenço está perfumado com mirra, o mais puro incenso retirado do cravo, uma planta que gostaria de ter plantado no meu jardim, um lugar, onde passo todos os dias para respirar o aroma que a natureza nos proporciona, gratuitamente, no seu dia-a-dia de luta e muita competitividade pela sobrevivência da vida”.
Por ser muito tímido, ele se fez de surdo, porém com sagacidade disse: “Compreendo a sua comparação, no entanto, este lenço só foi perfumado com amor e carinho, o que realmente cheira aqui é o perfume da beleza que enfeita este ambiente, cujo buquê gostaria de tê-lo plantado no coração do meu lar, que apesar de modesto, tem espaço para uma rosa como você”.
E assim foi rolando uma descontraída e discreta conversa entre os dois, que já se olhavam com mais aproximação e também, trocaram alguns gestos, o que aproximou ainda mais um do outro naquele lugar.
Em seguida o rapaz perguntou para ela: Qual o seu nome?
“Rosa e você é o Cravo que perfuma este lugar? Respondeu a moça o rapaz que lhe olhava sagazmente no meio daquela multidão.
Sim, ele respondeu.
Naquelas alturas o avião já taxiava na cabeceira da pista que fervia de calor e poeira.
Naquela época Evangelista tinha 20 anos, alto e magro, não exageradamente, a pele bronzeada, cabelos curtos e castanhos, barba raspada, olhos castanhos e nariz afilado, trajava-se socialmente com roupas bem passadas, camisa de mangas longas com bordas metidas por baixo do cinturão, sapatos pretos e muito bem engraxados. O perfume que usava tinha cheiro de jasmim.
Rosa aparentava ter 23 anos, era de boa estatura, tinha um corpo muito bem desenhado, até parecia com as silhuetas de um violão. Os seus cabelos eram longos e muito bem tratados, olhos castanhos, pele fina e clara, porém corada, a boca bem modelada, lábios carnudos e dentes na mais completa anatomia, trajava-se com um longo vestido de vuale, que suavemente mostrava suas carnudas pernas.
Como os dois já estavam com um pouco de intimidade, logo que o avião pousou, eles marcaram encontro no salão no qual iria se realizar o show e foi o que aconteceu, pois naquele momento todos que ali estavam se retiraram para os seus aposentos, onde se arrumaram para a grande festa, que começou pontualmente às 22 horas.
Na hora marcada, no clube muitos rapazes chegaram com suas damas, menos Evangelista, que chegou sozinho. Numa mesa que estava isolada em um canto da parede ele se sentou e ali ficou de cabeça baixa, meditando sobre o que havia combinado com a moça que encontrou no aeroporto daquela cidade. Não demorou muito, naquele recinto Rosa também chegou e fez-lhe um sinal, porém muito discreto, apenas um psiu o qual fez com que ele levantasse a cabeça e visse ela do seu lado. Com afago ele a convidou para sentar-se na cadeira que estava reservada para si. Educadamente ela aceitou o convite. Já sentada apresentou-lhe as companheiras, que em seguida pediram licença e se retiraram um gesto amigável, o que deixou os dois mais à vontade, que de forma elegante e sorridentes se olharam de forma bastante carinhosa e fazendo-lhe elogios, ofereceu-lhe um copo com bebida e indagou, sobre a sua família.
A princípio, ela ficou um tanto assustada com o que via e ouvia, mas entendeu, e com palavras dóceis respondeu todas as suas perguntas: “Sou filha de pais pobres, porém honrados, eles se chamam Cordeiro e Maria.
O que eles fazem? - perguntou novamente.
“São agricultores e comerciantes”, respondeu.
A donzela também lhe perguntou sobre a sua família, que mesmo sendo tímido, respondeu-a dizendo: Meus pais são agricultores por profissão lá no médio sertão, onde nasci e fui batizado com nome retirado dos evangelhos da Bíblia Sagrada. Aqui estou estudando e trabalhando com prótese dentária. Nos fins de semana e feriados faço na periferia da cidade o papel de mascate viajante. Moro em um armazém de algodão do vereador mais popular desta cidade e almoço na pensão do Povo, que é administrada por Marceu e Virgínia Fortaleza Damasceno.
Naquele momento, os músicos aqueciam os tambores e uma valsa eles tocaram. A primeira música do show que começou com força e vigor, todos os casais foram dançar, ficando o salão totalmente ocupado com os dançarinos. Por terem dançado bem Evangelista e a Rosa, tornou-se o casal mais elegante da festa. Mesmo discretos, os dois sorriam e conversavam sem parar. Quando iam dançar, todos paravam para vê-los valsando. Ao terminar a parte, eles pediam o bis e, quando se sentavam, as conversas rolavam descontraidamente entre os dois.
Na intimidade de namorado, ele sutilmente passou a mão na cintura da moça dizendo: Rosa, você é uma linda mulher, tem corpo delgado, rosto angelical, sua forma graciosa, faz-lhe uma languidez eflúvia, parece um vaso de fina porcelana, no qual se toca com receio para não quebrar. O seu perfume chega flor, daquelas regadas nos jardins mais bonitos desta cidade. Seu alongado rosto se afeiçoa a seus cabelos castanhos, uma pele rosada e macia; a testa lisa e bem moldada; os olhos brilham como um rubi, depositado em luxuosos porta-jóias.
Aquelas doces palavras fizeram a moça estremecer da cabeça aos pés, mas aceitou tudo com tranquilidade. Ficou ofegante, sua beleza realçava um sentimento que mexia no fundo de sua consciência, era uma coisa sem igual, tinha paciência e tranquilidade, por isso tornava-se ainda mais carinhosa, o que fez com que os dois trocassem alguns beijos durante e depois da dança, um aconchego que a música prescreve ou permite entre os pares que estão se amando.
Quando a festa estava próxima de terminar, Rosa provocou lhe dizendo: “Encontro como este deveria acontecer por mais vezes no ano”!
Ele que já havia perdido parte de sua timidez, concordou com aquela simpática proposta. Tanto concordou que a convidou para um breve passeio no pátio do clube, justamente onde estava o amigo presidente da casa conversando com outras pessoas da sociedade.
É de se imaginar que no decorrer daquela caminhada eles pensaram: Será verdade ou falsidade o que está acontecendo com eles naquele dia? Talvez tenham eles ficado por alguns minutos de cabeças baixas, pensando como se desculparem pela timidez, mas certamente não tiveram coragem, apenas disseram consigo mesmos, o excesso de trabalho poderá nos distanciar um do outro logo mais.
Em seguida ele disse para a moça: Você tem cara de rainha, que convence a grandeza involuntária de um pobre homem que veio lá dos confins do estado maranhense para ser feliz neste lugar, ao lado de uma linda mulher como você, uma majestade que tudo pode.
Calmamente ela ouvia os seus elogios, mas nada dizia, apenas sentia na alma que ele tinha satisfação em tê-la como namorada, uma imaginação confusa, pois ela sempre deixava nas suas conversas alguns suspenses, principalmente, quando dizia: “Será você o príncipe da noite o qual nasceu para me fazer companhia nesta corte”?
O romance que ali rolava era mesmo um suspense, tudo era confuso para ambos os lados. A moça era simpática, mas parecia orgulhosa; ele era tímido, porém esperto. Com seu ar de leveza, viu nela certa sinceridade e lhe dava um beijo e um abraço amigável. Minutos depois chama o garçom para servir a mesa com refrigerante, depois se dirigiram para o interior do salão, onde dançaram um bolero na maior calma possível. Ao término da música a moça pediu licença e foi até o palco receber do cantor um autógrafo. Com delicadeza, ela da bolsa retirou o seu diário com uma linda caneta esferográfica e entregou-os para o artista assinar, beijou também a sua mão e saiu se desmanchando de satisfação.
O que ele escreveu naquele diário não se sabe o que foi. Seja lá o que tenha escrito, com os olhos muito bem arregalados ele ficou reparando o que se passava ao seu redor, pois já desconfiado de traição, pergunta a ela: Quem são aquelas pessoas e porque beijou na mão do cantor com tanta satisfação?
Disse a moça: “As pessoas que abracei são meus parentes, o beijo foi apenas uma gentileza de minha parte para com o ilustre visitante, que faz show musical pela primeira vez nesta cidade”.
Naquele momento, os dois foram até a mesa de alguns amigos para conversar um pouco sobre a festa. Ao se aproximarem da que estava a sua majestade, o presidente do clube conversando com alguns vereadores e suas digníssimas esposas, sobre aquela gloriosa festa. Depois de um rápido cumprimento, aquelas ilustres autoridades, ouviu-se o prelúdio de mais um bolero, o que incentivou a todos a se retirarem das mesas para o meio da sala de dança e brincarem até o raiar do sol do dia seguinte.
Evangelista e a Rosa ficaram naquele baile o tempo todo conversando com franca intimidade. Os amigos: Chico Marreteiro, João Torres, Sebastião Mota, João Paulo, Luís Sousa Lima, Francisco Maia, José Freitas, Genésio Ferreira, Santana Mota, Maria do Amparo, Simplícia Coelho, Angelita Almeida, Maria do Carmo e outros amigos que ali estavam prestigiando aquele evento, também ficaram até o fim do baile.
Quando o show acabou, ele se despediu dos amigos e da moça que lhe fazia companhia e procurou se retirar do salão onde rolava aquela festa social. Rosa, que ainda tinha algo importante para lhe falar, acompanhou-o até a praça que ficava próxima do clube. Lá eles sentaram-se em um banco e dentro de pouco tempo, ela falou-lhe que em breve pretendia viajar para uma cidade distante, um desejo antigo e que sempre era adiado. Disse também, que seus pais estavam se mudando para outro município do Maranhão. E finalizou a sua fala, perguntando: “Quando você vai conhecer os meus genitores”?
Logo que você marcar a data, com todo prazer lhe visitarei e com seus pais terei uma boa prosa familiar. Disse lhe também: sou um eterno admirador das belezas que a natureza criou na terra, como as plantas que brotam dos seus galhos flores tão cheirosas como você. Não posso ficar como andorinha desgarrada, mudando-se de um lugar para outro, quando bem quiser; fico por aqui sozinho à espera de um dia ter muitos encontros como este. Em beijo a mão direita dela e partiu para o seu local de trabalho, onde alguns clientes lhe esperava para receber serviços.
Naquele momento a molecada que estava jogando bola de gude, nas proximidades daquela praça, ficou murmurando de curiosidade em ver os dois saindo calmamente, em direção contrária um do outro, como se nada tivesse acontecido entre eles no decorrer daquela noite, que terminava dando início a um lindo dia de sol ardente.
Passados alguns dias, Evangelista se arrumou e foi à casa da Rosa para conhecer a sua família e lá foi carinhosamente recebido na sala de visitas, por seus pais José Cavalcante e Maria Belchior Cordeiro. Num sofá, sentaram-se um pouco, trocaram algumas informações sobre costumes familiares. Depois da prosa, deles se despediu e retornou para o seu local de trabalho e nunca mais foi à casa de sua ex-amada Rosa Belchior Cavalcante, que em poucos dias se mudou para local não identificado e nunca mais deu notícia aos seus familiares.
6º ATO
Não sei se foi realidade ou meras coincidências, sei apenas que o mundo é como um espelho que devolve a cada pessoa o reflexo de seus próprios pensamentos é a mesma coisa de pensar que alguém começou a ter sucesso antes mesmo de completar seu primeiro ano de vida. Nos dias de hoje é possível observar inúmeras semelhanças de imagens que comparadas com a realidade elas têm representação reduzida do objeto real e ao mesmo tempo é uma ampliação da figura que aparece no negativo dela, exemplo disso está nos discursos que o Apostolo Paulo fazia quando pregava a palavra de Deus no seu estado de fé.
Mesmo que você seja pego de surpresa, experimentando outra fé, a maneira como você encara a vida é que faz toda diferença, principalmente, quando se encontra perdido nas prateleiras de uma biblioteca um diário, que relata a história de uma tradicional família, que residia numa pequena comunidade do interior do Maranhão e na sua primeira página estava escrito: “Foi numa linda sexta-feira, de 3 de março do ano de 1922, que nasceu um robusto menino; na quarta-feira, dia 14 de janeiro de 1925, uma bonita menina; no domingo, dia 12 de março de 1928, um grande bebê e no sábado de 8 de agosto de 1931, uma bela menina. Ambos nasceram de parto normal e em lugares bastante diferentes um do outro e eram todos filhos de agricultores que nunca se viram, até porque moravam muito longe”.
Até parece sem muita importância o que estava escrito naquele diário. Mas partindo do princípio de que toda semelhança com a realidade são meras coincidências, que pode ser transformada em uma grande história que resultou em juras de amor, descobrimos que o 1º foi batizado com o nome de João Ferreira do Nascimento, a 2ª de Perpétua Ferreira do Nascimento, o 3º de Manoel Mota do Nascimento e a 4ª de Maria Tomás Mota. Observando estes nomes é perfeitamente compreensível dizer, que havia entre eles certo grau de parentesco. Descobriu também, que todos foram criados no mais absoluto rigor dos costumes da época.
Por isso mesmo a longa distância que os separavam uns dos outros, o primeiro contato, que eles tiveram deu-se lá pela década de 40, exatamente quando um rico fazendeiro daquela região resolveu fazer na sua propriedade uma grande festa. Um mês antes do evento ele determinou que alguns dos seus trabalhadores fossem em todas as casas do centro-oeste maranhense e convidasse os seus moradores para aquela confraternização festiva, que foi regado com muita comida e bebida forte.
Naquela época, homens e mulheres costumavam ir para as festas trajando-se em bons ternos de linho e gabardina branca, sapato de couro e chapéu de massa na cabeça. As moças se vestiam com longos e confortáveis vestidos de vuale com flores azul-celeste e cingidos com fitas de cor rosa e cravejados de botões da mesma tonalidade.
No dia e hora marcada chegam os convidados, entre eles, estavam os dois rapazes e as duas moças, acima mencionados. Ambos tinham estaturas medianas e olhos de falcão, cujas características certamente fascinaram-os logo no primeiro olhar, um sentimento sincero e recíproco que os uniu desde o primeiro instante em que se viram. Por algum tempo. Aquele proibido namoro foi mantido em completo sigilo, se correspondiam através de olhares furtivos e cartas confidenciais.
Quando seus pais souberam do namoro logo procuraram o padre da região para fazer o casamento. O primeiro realizou-se em 15 de julho de 1942, o segundo, no dia 29 de outubro de 1949, os quais, no decorrer de suas vidas, geraram vários filhos, entre tantos, um menino e uma menina. O menino nasceu num lindo domingo de agosto do ano de 1950 e a menina numa bonita quinta-feira de fevereiro do ano de 1957 e em lugares muito distante um do outro. Mas as coisas do destino são assim, eles foram os únicos da família que se formaram e em consequência disso, fizeram algumas economias de bens materiais. Fizeram também, pesquisa de mercado e um bom projeto sobre o que pretendiam explorar nos negócios que criaram para a manutenção de seus filhos.
Sem nenhuma pretensão, um deles planejou visitar alguns dos seus parentes no final do ano de 1976 e conforme havia planejado, por volta das 17 horas do dia 15 de novembro daquele ano, ele partiu de sua residência em direção do leste do estado que morava. Lá pelas tantas do dia seguinte chegou à bela e histórica cidade de Barra do Corda, onde deu uma paradinha, na casa de sua tia Ana Ferreira Damasceno. Enquanto com ela tomava café e prosava, viu em cima de uma estante a fotografia de uma lida moça, mas apenas olhou e nada disse. Minutos depois, dela se despediu e continuou a sua viagem para outros rincões do estado, pensou: no dia 23 retornou vou retornar à casa da tia Ana encontra-me com a moça da fotografia.
No dia e hora marcada lá chegou novamente, mas ela ainda estava para o trabalho, como estava decidido conhecer a moça na casa dela se hospedou, foi ao rio que dá nome a cidade tomar banho e lavar o carro, uma novíssima Brasília branca, trocou de roupa e se sentou em um banco que estava na calçada, minutos depois ela chegou e lhe cumprimentou e trocou algumas palavras sobre o culto de ação de graça que ela estava organizando na I Igreja Cristã Evangélica. Na oportunidade convidou-lhe para participar do culto, que iria se realizar logo mais. O convite foi aceito e na hora marcada os dois foram àquela casa de oração. Lá chegando sentaram-se no banco da frente, o que certamente chamou atenção do pastor Abdiel Santos, que abriu os trabalhos lendo o livro de Mateus, justamente no versículo que cita: “Vem Pedro, descendo do barco, e andando sobre as águas, foi ao encontro de Jesus. Então o reino dos céus será semelhante às dez virgens que, tomando as suas lâmpadas, saíram ao encontro do noivo”.
Depois da leitura, falou do amor familiar e contou uma pequena história de um casal de jovens que casualmente se encontraram no meio do deserto do Saara e se apaixonaram à primeira vista.
Até parece que tudo estava planejado, mas de planejamento só o do rapas que havia colocado na sua cabeça que naquele dia iria ver a prima, a qual ele havia visto em maio de 1963 e a celebração do culto de ação de graça, alusivo à formatura de várias professoras do Colégio Diocesano. Terminado o culto os dois de mãos dadas saíram da Igreja em direção da praça central, que ficava a alguns metros dali. Lá ficaram por alguns minutos sentados em um banco de cimento conversando sobre a programação da festa de formatura, que estava prevista para acontecer no mês seguinte.
A noite estava linda e com uma brisa que vinha do rio, aquilo soprava um ar de floresta verdejante que a lua cheia aluminava. Sentado naquele banco, eles olhavam uns para o outro, minutos depois ele disse: Moça, fale-me um pouco de sua família, da sua cidade e do que aqui está para acontecer em prol do engrandecimento da cultura deste lugar.
Em poucas palavras ela respondeu a sua pergunta dizendo: “Por ser filha de agricultores, tenho nome bastante familiar, Raimunda Ferreira do Nascimento. Tenho também sete irmãos, todos moram no interior, onde trabalham para da terra tirar o sustento para si e para suas famílias. Para esta cidade vim quando ainda era muito pequena para estudar e morar com a tia Ana e o tio Daniel. Sobre a cidade, apenas sei que ela foi fundada por Manoel Rodrigues de Melo Uchoa, em 3 de maio de 1835. O nome foi dado em razão do rio Corda, antes conhecido como rio “Capim”. Como existiam muitos cipós que se enrolavam em forma de corda, daí o nome “Rio Corda” e por estar geograficamente bem localizada, logo passou a cidade, que foi intitulada de “Barra do Corda”. Com relação ao que está para acontecer, no momento só me lembro da festa de formatura, que o Colégio Diocesano vai fazer no dia 17 de dezembro. Nesta data vão se formar várias professoras, entre elas eu sou uma das concludentes do Magistério”.
Mesmo tímido, porém com certa elegância e um tanto poético, ele respondeu a moça dizendo: “Meu pai tem nome de rei, a minha mãe de rainha e também são agricultores por vocação, lá no médio sertão maranhense onde tenho mais nove irmãos. Aqui estou a passeio. Moro em Açailândia, um povoado que fica bem distante. Lá tenho uma pequena empresa comercial e um laboratório de próteses dentárias e na sociedade organizada, com sócio contribuinte tenho algumas participações”.
Foi memorável aquela noite, mais uma vez fui surpreendido pela moça que me fazia companhia, ela me convidou para ser o seu padrinho de formatura, uma proposta irrecusável, porém, demorei dizer que aceitava. Como já entendia de psicologia, ao receber aquela proposta fui um tanto cortês e gracioso com a moça, disse-lhe que a noite passava com volubilidade serena, de igual modo era a vida de estudante, principalmente, quando estava se aproximando da formatura. Sem mais uma só palavra, reclinei a cabeça no ombro da donzela, como quem estava pensando, mas estava era tentando preencher os intervalos de sua fala com assuntos que a deixou mais à vontade e com menos timidez, e assim o diálogo continuou entre os dois de forma descontraída até mais tarde. Quando de repente ela ficou calada e pálida, parecia estar vendo algo estranho. Desconfiado com aquilo lhe interceptei dizendo: Parece que a senhorita vê alguma coisa estranha na sua frente?
“Sim passou na nossa frente um jovem homem, que há muitos dias tento esquecer seu nome”, respondeu a moça.
Por quê? Ele lhe fez algum mal?
“Não, ele foi meu ex-namorado”!
Entendo você ainda está por ele apaixonada.
Como quem chorava internamente, a moça suspirava com certa dificuldade, no momento em que pedia desculpas pelo mico que havia cometido.
Com elegância e educação eu disse-lhe: Senhorita, a filosofia e a psicologia explicam que os sentimentos passam pela gente naturalmente e na maioria das vezes deixam as pessoas distraídas e esquecidas do que estavam fazendo. Portanto, não se assuste! Isso são coisas do destino de cada um de nós.
Não havia dúvida, o brilho dos olhos da moça falava a cada frase do mu diálogo. A cada minuto, suspirava fundo para poder voltar à sua normalidade, tanto é que se levantou do banco que estávamos sentados dizendo:
“Já está ficando tarde demais, portanto é hora de irmos para casa, porque um novo dia está se aproximado e nele temos muita coisa para fazer”.
Sem mais formalidades dali saímos em direção do carro que estava estacionado ao lado, nele adentramos e partimos pata a Praça da Bandeira, onde ela morava. Lá chegando eu fui para o quarto de hóspede dormir numa confortável rede de labirinto, que já estava armada, ela antes de ir para o seu quarto, veio até a porta que ainda estava aberta e novamente suspirou fundo, com uma voz suprema de quem estava apreensiva por ainda não ter recebido a resposta, se eu aceitava ou não o convite “ser seu padrinho de formatura”, desejou-me boa noite e se retirou.
Naquele momento eu pensei mil coisas, como por exemplo: “Por que entre tantos ilustres filhos da cidade maravilhosa eu fui o escolhido para tão honrosa missão, ser padrinho de formatura de uma linda professora. Mas sendo um homem correto em tudo que fazia, fiquei um tanto preocupado pelo constrangimento que estava causando àquela moça, o silêncio era profundo sobre o assunto, no entanto, estava meditando numa forma mais romântica para dar-lhe o sim. Deitado naquela rede pensava se aquilo seria um acaso ou uma ilusão. Pareceu-me subir a pressão, nem sei se dormi direito naquela noite. Talvez não.
Quando o dia amanheceu, no rio tomei um banho, troquei de roupa e fui até a sala de jantar tomar café com a donzela, que lá já estava me esperando com um lido sorriso. Sem mais formalidade, uma oração de gratidão a Deus ela fez, de quem pediu saúde e muito pão na mesa de todos os cristãos. Agradeceu pelo novo dia que se iniciava e pediu do Pai Celestial muita compressão para todos os seres humanos. Terminada a oração, todos se sentaram nas cadeiras que estavam ao redor da mesa e se serviram de tudo que ali estava exposto: frutas, leite, bolo, mel e beiju de tapioca com paçoca, entre outras iguarias que os nordestinos gostam de usar nas refeições matinais.
Ao término de tudo, fiz uma pausa, suspirei fundo e para a professora respondi, assim dizendo: Vale, pois, não o tamanho da responsabilidade que o homem é convidado para aceitar, mas aceito o desafio de ser seu padrinho de formatura, somente agora pude dar-lhe dar a reposta, pois tudo que faço é devidamente calculado, para que nada dê errado. Em seguida, com ela agendei o dia e hora que iria chegar naquela cidade para apadrinhá-la. Na sua mão dei um aperto e um leve beijo no seu rosto, que foi correspondido por outro, depois me despedi dos seus pais e me retirei para a sala, lá tomei nas mãos a bagagem e a coloquei no porta-mala do carro, na ignição dei a partida e engatei a primeira marcha, fiz sinal de despedida e por ruas calçadas com pedras segui viagem para Açailândia, onde cheguei no fim do dia.
No dia seguinte fui à cidade de Imperatriz, lá encomendei um lindo corte de tecido. Depois que paguei a conta, levei-o ao melhor costureiro daquela cidade para dele fazer o terno que iria vestir no dia da formatura da professora Raimunda Ferreira do Nascimento, em 17 de dezembro de 1976.
Quando o terno ficou pronto, liguei para ela e falei do modelo e cor da roupa que pretendia vestir no dia de sua formatura. Disse também, que as minhas ocupações comerciais e profissionais impediam-me de chegar naquela cidade mais cedo, para com ela prosar um pouco mais as minhas pretensões de com ela me casar. A partir de então, a comunicação entre nós acontecia semanalmente, porém ao telefone, quando emocionava ainda mais o seu coração.
No final do dia 16, de Açailândia partir em direção da Barra, aonde chegou ao amanhecer do dia seguinte. Depois que tomou café visitou alguns amigos em outros pontos da cidade, retornou para o almoço na casa dos pais da moça, onde foi recebido por seus familiares e amigos, entre tantos estava o poeta e historiador João Pedro Ferreira da Silva, que depois da sobremesa pediu permissão para fazer uso da palavra, que foi concedida sem mais formalidade. Como bom orador, ele iniciou a sua fala fazendo um extenso agradecimento às autoridades e pessoas ali presentes e em rima concluiu a sua fala dizendo: “Para que essa festa se torne mais justa e perfeita, faz-se necessário que o Juiz desta Comarca, o Dr. Manoel Gomes, o prefeito Alcione Guimarães, o comerciante Raimundo Fernandes e as professoras Elizabeth Maria e Marlene Queiroz reúnam-se no Cartório Almir Silva, com Evangelista Mota Nascimento e Raimunda Ferreira do Nascimento, com seus respectivos pais Manoel Mota do Nascimento, Maria Tomás Mota, João Ferreira do Nascimento e Perpétua Ferreira do Nascimento, para testemunharem o enlace matrimonial que iremos realizar ainda hoje do ilustre casal “padrinho de formatura com a formando no magistério”.
Sem dúvida, a insinuação daquele poeta foi como um incêndio que do nada surge no bosque e rapidamente abrasa o que encontra pela frente e foi o que aconteceu horas depois, eles estavam em nome da lei se casando e às 19 horas, no salão nobre da Igreja Nossa Senhora da Conceição, recebendo das mãos do Frei Jesualdo Lázaro, o Diploma de Formatura, que com cavalheirismo Evangelista deixou a timidez e a mão da esposa Raimunda beijou, no entanto, nada disse, apenas entregou-lhe o “Diploma de Professora” e se retirou do palco.
Era natural que eles saíssem daquele recinto, vaidosos e triunfantes. Mas apesar de todas as vitórias alcançadas, ele dizia para si mesmo, fui longe demais, o que vou dar a essa moça para que me corresponda satisfatoriamente? Pensava, ainda hoje tenho que voltar para Açailândia, onde tenho inadiáveis compromissos a cumprir, lá nada deixei programado, tudo aconteceu tão rápido, mas seja o que Deus quiser, já estou casado, só resta orar ao Senhor meu Deus e dele pedir muita luz e sabedoria para vivermos bem e constituir uma nova família até que a morte nos separe. E assim iniciava-se ali uma nova aventura entre aquelas duas criaturas.
Ela estava radiante e cheia de felicidade, pois naquele dia se formava e se casava ao mesmo tempo, mas também demonstrava preocupação, pois quase nada tinham programado para tão grande e inesquecível acontecimento, até porque também já estava ciente dos compromissos comerciais e sociais que o marido haveria de cumprir na sua cidade logo no dia seguinte e também, com ele viajar para um lugar desconhecido, horas depois do cerimonial de sua formatura.
Como tudo aconteceu de forma improvisada, quando chegou à casa que estava hospedado combinou com o sogro para ir consigo até a sua casa levar a digníssima filha e esposa. A proposta foi aceita e logo as malas começaram arrumar. Quando o galo cantou, das redes que dormiam saltaram e no carro que já estava estacionado na porta embarcaram e por uma estrada enlameada, hoje BR 236 partiram em direção do leste. Ao pino do sol do dia seguinte chegaram na BR-010, por quem seguiram viagem em direção do norte até o destino traçado para aquela viagem. Até lá o casal viajou em silêncio total, a partir de então, João Coto, como era conhecido o pai da moça que viajava no banco de traz do carro, parecia um tanto desprezado pela filha e o genro, mas apesar do longo silêncio ele entendia que dirigir carro é uma tarefa que merece cuidado e atenção redobrada, principalmente, quando se anda em estrada esburacada e empoeirada como era a que acabavam de enfrentar.
Mesmo tendo um transito mais movimentado, quando adentraram na BR-10, que já estava asfaltada, conversas sobre a viagem e os fatos que haviam acontecido naquele final de semana na Barra do Corda em suas família, começaram a fluir e por volta das 15 horas do dia 18 eles desembarcaram na Rua Ceará, 494 - Açailândia, Maranhão, de onde partiram uma hora depois para Imperatriz, onde cumpriu os seus inadiáveis compromissos sociais. Depois do dever cumprido, foi à rodoviária local embarcar o sogro para a sua terra natal. Quando o velho partiu, eles retornaram para Açailândia, aonde chegaram ao amanhecer do dia. Cansados dos compromissos e das longas viagens que havia feito naqueles três dias logo foram dormir, por já ser muito tarde, acordaram por volta das 11 horas do dia 19, ainda um tanto sem jeito foram almoçar, no decorrer do mesmo, conversaram um pouco sobre tudo que estava acontecendo entre eles. A conversa flui tanto que Evangelista perguntou à esposa, o que você sentiu no dia em que nos encontramos na Praça Mela Uchoa?
Ela, que ainda estava tímida com o marido, confessou que foi um dia de grande sentimento, quando o viu pela primeira vez, sentiu na alma uma emoção muito forte, tanto foi que imediatamente tomou a decisão de lhe convidar para um culto de ação de graças e adoração a Deus, ao mesmo tempo para ser o seu padrinho de formatura e para a sua felicidade, tudo aconteceu como ela havia pensado, com a celebração do enlaço matrimonial dos dois, que em nome do amor e da compreensão seja para sempre.
Não satisfeito com as suas respostas ele insistiu que queria uma explicação mais detalhada, pois naquela cidade há tantos ilustres rapazes, e ele que morava tão longe e totalmente desconhecido na região foi o escolhido para tão nobre missão, a de ser padrinho de formatura de uma jovem professora que certamente tinha naquele lugar muitas amizades.
De forma ainda mais gentil ela disse para o marido: “O mundo é assim, tudo tem o seu dia e hora para acontecer. Quero que você me conheça primeiro e depois faça jus do que acabei de lhe contar no decorrer deste almoço, o primeiro que participamos como marido e mulher”.
Naquele momento a conversa entre os dois foi interrompida por alguns instantes e com gentileza Evangelista tomou em suas mãos o prato da esposa e com um pouco de tudo que havia na mesa a serviu carinhosamente. Depois da sobremesa ela retirou da gaveta de sua escrivaninha um álbum de fotografias, que tinha como título de capa “Vida de Solteiro”. Na primeira página que ela abriu viu uma declaração de amor sem assinatura. Por curiosidade leu-a e sorriu, perguntando ao marido o que era aquilo.
Com um sorriso um tanto fechado ao ser interrogado daquela forma, ele sentiu que a presença da esposa era para si uma necessidade, e à proporção que se aproximava dela, no peito seu coração batia mais forte, o sangue corria nas veias com mais rapidez, uma razão que a ciência fisiológica explica como sendo a moral e paixão que se espalham, formando assim na intimidade daquele casal, emoções que vinham do espírito e assim se iniciava ali, os primeiros contatos amorosos entre os dois. Era um estado de alma que acabava de ser descoberta pelo invencível amor espiritual, a violação de uma liberdade que eles não conheciam, principalmente, quando ele respondeu a sua indagação, dizendo que eram fotos e anotações do seu tempo de solteiro e foi dessa forma que os dois se entregaram um para o outro e foram viver felizes sem mais nenhuma formalidade.
A união conjugal do casal foi e continua sendo tão perfeita que nas suas aceitações mútuas geraram quatro filhos, o 1º nasceu no dia 3 de setembro de 1979, o 2º no dia 4 de junho de 1981, o 3º no dia 9 de fevereiro de 1983 e o 4º no dia 10 de dezembro de 1985, este último (in memória).
Portanto, se imaginarmos que a paixão é como uma transcendência filosófica é possível que ela tenha ótica imanente, nos fenômenos naturais existentes na terra, nos quais o poeta se inspira para escrever texto iniciado com letra Maiúscula. No miolo coloca ideias e termina com Ponto. Estas e outras questões refletem importantes possibilidades sobre a grandeza da alma espiritual, um ser que até o presente momento nenhum olho humano teve o privilégio de ver, nem ouvir a sua voz e isso é o que chamamos de “coincidências que resultou em juras de amor”, até porque diz o ditado que muitos têm se apaixonado pelo que viram e até pelo desconhecido, porque a paixão é intocável, apenas sente-se no peito um aperto no coração amado, o que é bom, belo e bonito e isso tem acontecido com muitos em todos os recantos da terra.
Por fim, mesmo sendo um homem simples, logo que chegou em Açailândia, viu que o lugar que escolheu para morar, trabalhar e criar a sua família, era desprovido de vários empreendimentos educacionais, culturais e sociais. Como cidadão de visão futurista, idealizou e escreveu alguns projetos de grande envergadura e junto com a comunidade local e circunvizinha, conseguiu fundar e ajudar a manter entidades que muito têm dignificado o seu povo no campo da culturação e socialização. O seu primeiro investimento foi projetar e fundar uma escola de Ensino Médio, isso aconteceu no dia no dia 3 de março de 1974, no dia 14 do mesmo mês, fundou a empresa Comercial Mota Ltda. No dia 3 de março de 1976, fundou o Triângulo Maçônico 18 de Março. No dia 22 de junho de 1976, a Loja Maçônica Heitor Correia de Melo. No dia 20 de março de 1977, o Night-Clube. No dia 24 de junho de 1978, o Clube das Samaritanas, Ieda Borges. No dia 21 de abril de 1982, a Loja Maçônica União e Fraternidade Juscelino Kubitschek. No dia 22 de abril de 1982, o Clube das Samaritanas, Clemiuda Ribeiro. No dia 20 de agosto de 1986, a Associação dos Proprietários de Farmácia de Açailândia. No dia 17 de novembro de 1990, a Loja Maçônica Juvino Oliveira. No dia 18 de novembro de 1990, o Clube das Samaritanas, O Pelicano. No dia 11 de maio de 1994, o Capítulo Demolay Evangelista Mota Nascimento Júnior. No dia 20 de agosto de 1996, a Associação dos Tapeceiros de Açailândia. No dia 22 de setembro de 1998, o Sindicato dos Proprietários de Farmácia do Sul do Maranhão. No dia 4 de junho de 2000, o Centro de Cultura Popular Engenheiro Bernardo Sayão. No dia 28 de outubro de 2001, o Sindicato dos Dentistas Práticos do Sul do Maranhão. No dia 29 de abril de 2004, a Academia Açailandense de Letras e no dia 29 de abril de 2006, a Academia Mirim de Letras de Açailândia.
Neste intervalo de tempo, foi co-autor das seguintes fundações: Loja Maçônica União e Fraternidade Grajauense, fundada em Grajaú-MA, no dia 14 de janeiro de 1976; Loja Maçônica Luz do Oriente, fundada na Vila Bela Vista, Estado do Pará, em 18 de novembro 1995; Loja Maçônica Monte das Oliveiras, fundada em Açailândia, em 22 de junho de 2000; Loja de Perfeição Arco Iris, fundada em Açailândia, no dia 28 de novembro de 1994; Capítulo Cruzeiro do Sul, fundado em Açailândia, no dia 29 de maio de 1995; Escola Infantil Nelson Oliveira, fundada em Açailândia, no dia 26 de outubro de 2007.
Mesmo tendo ajudado fundar, manter e administrar estas entidades com a maior transparêcia possível, nelas fui injustamente criticado por muitas vezes, isso me causou profundas decepções, as quais foram decisivas para que eu as abandonasse de uma vez por toda. No entanto, recomendo para os seus membros combaterem a tirania, a ignorância, os preconceitos e os erros, e glorificarem o direito à justiça e a verdade, promoverem o bem estar da pátria e da humanidade, levantarem templos à virtude e cavarem masmorras ao vício. Recomendou também, que nas horas difíceis peçam a Deus luz e sabedoria para resolverem as dificuldades sem ofender ou prejudicar um só dos que lhe criticam, pois nestas casas “não se fala mal de pessoas, ora-se por elas”.
Ato é toda manifestação unilateral, que tenha por finalidade o resgate das coisas que aconteceram com todos nós e, por assim ser, é que narramos uma sequência de atos que aconteceram na vida de uma pessoa.
1º ATO
O biografado teve sua prole projetada no dia 29 de outubro de 1949. Nesta data, o Grande Arquiteto do Universo determinou que chegasse à Fazenda Caxixi, Município de Tuntum, Maranhão, o vigário Antônio Porteeri Tavernole, para rezar missa na Capela Nova Alegria, batizar crianças e celebrar o casamento de Manoel Mota do Nascimento com Maria Tomas Mota, um enlace matrimonial que se encaixou perfeitamente nas aceitações mútuas, que tiveram no decorrer de 56 anos de união conjugal, muitos momentos de concepção, nos quais geraram 11 filhos.
O primeiro gerou-se em dezembro do mesmo ano, um fenômeno que causou felicidade e sorriso entre os dois que se amavam mutuamente. A partir de então, eles contavam nos dedos o dia e hora que o bebê iria nascer.
Não havia médico para fazer o pré-natal da gestante. Damiana, uma parteira amiga da família, foi chamada para dar as instruções necessárias de como aquela futura mamãe deveria se preparar para o dia do nascimento do bebê e como fazer o enxoval da criança, que nasceu de parto normal, medindo três palmos de comprimento e pesando quatro quilos, às 14 horas do dia 27 de agosto de 1950.
O cordão umbilical do recém-nascido e a placenta da sua mãe foram enterrados debaixo do batente da porta da casa que ele nasceu, uma choupana construída de pau-a-pique, coberta e tapada com palha de coco babaçu e piso de chão batido. Minutos depois foi colocado nos braços da sua mãe para dela receber os primeiros carinhos e mamar, cujo alimento ele usou durante dois anos.
Seu corpinho, antes molengo, ficava cada dia mais firme sobre a redinha de algodão, onde dormia o tempo todo. Com um mês, já conseguia movimentar a sua cabecinha, exercitava também os seus bracinhos e perninhas.
Com 52 dias de vida, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, foi batizado pelo padre Aniceto com o nome de Evangelista Mota Nascimento, nas águas do Riacho Caxixi, que ficava nas proximidades da Igreja Nova Alegria. Foram seus padrinhos: Raimundo Ferreira Mota e Viturina Rosa Ferreira da Silva Mota.
Aos três meses ele começou a se rolar na rede que dormia. Tudo era motivo de alegria para a família. Antes que ele completasse o 4º mês de vida, sua tia Maria Mota da Silva deitou-se consigo dentro da redinha que dormia e, como a corda era fraca, em um instante ela se rompeu e os dois foram parar no chão, mas nada de grave, apenas um susto e pequenos arranhões corporais. Ali começava as suas primeiras dificuldades e sofrimentos.
Com seis meses, ele conseguiu ficar sentado em uma cadeira enrolada com pano confeccionada por sua mãe, que fincou no meio da casa. Ali ele ficava o dia todo olhando as galinhas com seus filhotes passeando ao seu redor, enquanto isso ela cuidava das coisas de casa e do almoço do seu pai que trabalhava na agricultura de subsistência.
Aos sete meses começou, a engatinhar, eram os seus primeiros passos que dava ao redor das coisas que lhe cercavam, de “boinho” ele saía se arrastando pelo chão à procura de alguma coisa para pegar. Não parava quieto um só instante, mexia em tudo que seus olhos viam e suas mãozinhas alcançavam.
Entre o oitavo e nono mês nasceram os seus primeiros dentinhos e começou pronunciar as suas primeiras palavras.
No percurso de dez a doze meses ele conseguiu ficar de pé e dar os seus primeiros passos. Era tudo motivo de festa, daí em diante só queria correr, subir nas coisas, espaço e liberdade, não importavam os obstáculos que encontrava pela frente, queria viver sua independência. A partir de então, ele começou mostrar o que era capaz de fazer: subir nas paredes para pegar as coisas. Montava-se nas pequenas criações, subia nas árvores dos arredores de sua casinha para tirar frutos e se sentava dentro do quibane de arroz, que sua mãe catava as escolhas. Para conter estas e outras travessuras, sua mãe tomou algumas atitudes radicais, amarrava-o com uma cordinha de algodão no pé da forquilha de cumeeira, ali ele ficava o dia inteiro brincando com cabacinhas, sabugo, jatobá e outros brinquedos da sua época de criança.
Quando tinha 4 anos e 9 meses de idade começou a trabalhar no pesado serviço do roçado com seus pais. Na roça ele espantava os bichos que comiam o que plantavam. Com lata cheia de pedras, roncadeira feita de cabaça, ele passava o dia todo circundando a roça, fazendo barulho com tais objetos. A barulheira que fazia espantava a bicharada, ajudava também, brocar, derrubar, cortar, cercar, encoivarar, capinar o terreno e colher arroz, algodão, amendoim, feijão, fava, mandioca e milho. No engenho tangia bois, moía carregava lenha e cana, botava bois e jumentos para pastar. Na casa de farinha descascava e ralava mandioca no caititu, prensava e peneirava massa. No campo pastoreava os caprinos, porcos e jumentos. Na oficina, fazia lamparinas, sapatos, tamancos, selas e outros artefatos de flandes, madeira, couro e ferro. Nos fins de semana e feriados caçava com cachorro e espingarda pelas matas dos arredores de sua casa. Este e outros trabalhos perduraram até janeiro de 1969. Em cujo período adoeceu de várias doenças, entre tantas: verminose, sarampo, catapora, varíola, caxumba, tuberculose, malaria, dengue, cólera, lechimaniose, coqueluche, diarreias, febres (...) e cáries dentárias.
Pelos muitos afazeres na sua época de menino, adolescente e jovem quase não teve tempo para brincar, estudar e se divertir. Por pouquíssimas vezes brincou de esconde-esconde, casinha na roça, escorregos de cunca, burrinha, gangorra, pião, carrapeta, cavalo de pau e passarinhou com badogue, estilingue, arapuca, mundé e quebra-cabeça (armadilhas para a captura de pequenos animais). Sobre diversão, suas participações também foram muito poucas, somente uma vez por ano, o padre da Paróquia do Município visitava a região que morava para rezar missa, batizar crianças e fazer casamento. Como a maioria dos noivos comemorava os seus enlaces matrimoniais com festas dançantes e também se divertir.
2º ATO
Em outubro de 1962, o seu avô Raimundo Ferreira Mota contratou o professor Ricardo de Sousa Barros, para ensinar os meninos da sua comunidade, ler e escrever seus nomes. Entre tantos, registram-se: Acrísio de Sousa Mota, Antônio Ferreira de Sá, Evangelista Mota Nascimento, Isaura Ferreira da Silva, José de Sousa Mota, João Artur de Andrade Mota, João Batista Neres Mota, José Neres Mota, José Ribamar de Andrade Mota, Leontino Fernandes da Silva, Manoel de Sousa Mota, Merença de Sousa Mota, Maria de Fátima da Conceição Moreira, Maria Virgem da Silva, Maria da Paz Silva, Nazior Cearense, Pedro Silvério, Raimundo Ferreira de Sá, Renato de Sousa Mota, Rita Ferreira de Sá, Rosemeire da Conceição Moreira e Rosilda da Conceição Moreira.
O ritual de ensino daquele mestre era bastante rigoroso. Os alunos, ao chegarem ao local onde eram ministradas as aulas, faziam continência ao professor, davam a bênção e em fila indiana, cantavam o Hino Nacional e rezavam o Pai Nosso. Em seguida, sentavam-se nos tamboretes de madeira que traziam de casa. Nos fins de semana davam a lição oralmente. Terminadas as leituras, começava o argumento, um tipo de teste de conhecimento. O professor cobria algumas letras da carta de ABC com um papel furado e mostrava aos alunos, os que erravam tomavam nas mãos um bolo de palmatória e ficavam de castigo até o fim do dia.
Era sábado, dia de argumento da tabuada e de soletração na escolinha que o professor Ricardo ensinava, na corruptela do Caxixi, município de Tuntum, Maranhão, Brasil. Minutos após que os meninos terminavam de cantar o Hino Nacional, José Ribamar de Andrade Mota começava a se entortar de um lado para outro esfregando a barriga. O professor perguntou-lhe o que estava acontecendo. Disse ele: estou com dor de barriga. Ele balançava a cabeça, perguntava se ele havia comido alguma coisa diferente e depois o mandava ir para casa tomar remédio e se cuidar.
Quando em casa chegava, dizia para sua mãe que o professor havia lhe mandado ir até o engenho, buscar garapa para os estudantes que iam ficar até mais tarde no argumento. E assim, a sua mão autorizava que ele fosse cumprir a missão.
Como isso acontecia todos os sábados, antes do fim do ano o experiente professor Ricardo foi até a casa do Ribamar, ver como ele estava de saúde, tomando conhecimento de toda a sua travessura. Voltou à escola, determinando que ele voltasse para o argumento, tão logo retornasse do engenho, onde certamente ficava brincando.
Ao chegar em casa e receber a notificação magisterial, ele retornou para a escola na carreira. E, nessa pressa, nem foi ao mato fazer xixi. E aí, meu caro, nem posso contar o que se passou depois.
Mal ele entrou na sala e pegou a tabuada para voltar ao coral (que era estudada de forma cantada, todos ao mesmo tempo), sentiu vontade de ir ao mato. Mas, quando foi pegar a licença, uma semente graúda de “Muncunam”, de uns trinta gramas mais ou menos e que ficava sob a mesa do professor e, sem ela, ninguém estava autorizado a sair da sala.
Então, sem argumentos, ele voltou ao banco da tabuada. Mas, tão logo se sentou o professor chamou a todos, para a sabatina matemática.
Levantamos. Fizemos a roda tradicional e ele começou: “três vezes oito” (apontava para um aluno, o qual tinha que responder); “noves fora” (apontava para outro); e, dessa forma, prosseguia com a avaliação.
Quando um aluno não respondia no tempo dado por ele, ou respondia errado, ele apontava a palmatória para o próximo, e para o próximo, até que um respondesse corretamente. Então esse adquiria o direito de correr a roda, dando bolos de palmatória nos colegas.
A palmatória era um instrumento de madeira, como se fosse uma colher de pau. Possuía um cabo roliço de uns trinta centímetros e uma parte oval em uma das extremidades (no lugar da concha da colher). O aluno pegava-a pelo cabo e batia na palma da mão de seu colega com a parte oval daquele instrumento. E o professor prosseguia no argumento: “sete vezes seis”, “noves fora”, “vezes cinco”, “noves fora”... Como ele gostava dos noves fora! E ele, segurando a vontade de fazer xixi, já nem escutava mais as perguntas. E numa dessas, ele se viu frente a frente com o cabo da palmatória apontando para si. Que desespero! Ele nem sabia qual era a pergunta, logo ele que nunca tomara um bolo de colega, agora não ia escapar. Então respondeu um valor qualquer e não teve a sorte de acertar. Nunca foi bom de sorte. O mesmo não aconteceu com outros, que, atentos, respondiam na bucha. “Trinta e seis!”
O professor entregou-lhe a palmatória, que já estavam com os olhos cheios de alegria e por ser o Ribamar um menino encrenqueiro, começou o samba: “Pá!”, “Pá!”, “Pá!”. Esse era o som que se ouvia. Então chegou a vez do Manezinho, um menino baixinho, mas que batia forte, ele pegou a sua mão esquerda a única que ele tinha e sapecou-lhe um bolo com gosto, vingando-se das tantas encrencas que ele já lhe teria envolvido. Justiça seja feita... Ele era muito encrenqueiro com seus colegas.
Ao receber o bolo, perdeu o controle da bexiga e fez xixi na calça, começou a chorar, não pela dor do bolo que levava, mas pela vergonha de ter mijado na roupa.
Aquele foi o último argumento que o professor Ricardo realizou na Fazenda Caxixi, no dia seguinte ele foi embora daquela comunidade, certamente com medo de represaria pelos excessos que havia cometido com os alunos que ensinava naquele ensolarado terceiro sábado de outubro de 1962.
No mês de abril do ano seguinte o Coronel Doca Mota contratou o professor Luís da Silva Neto, para continuar ensinando a garotada de sua região, que há 7 meses estavam sem aula. Acontece que, 18 dias depois da sua chegada, a sua filha Sebastiana da Silva Filha escondeu a boneca da menina Merença de Sousa Mota. A brincadeira resultou na sua saída da comunidade antes mesmo de completarem um mês de sua chegada.
Para ocupar o seu lugar Doca Mota contratou a jovem professora Nilde Amorim da Costa. As coisas andavam muito bem nas suas aulas. Acontece que num certo dia do mês de outubro do mesmo ano, na sala que ela ministrava aula, apareceu uma Labigó, um bichinho inofensivo, mas a molecada começou jogar nela rebolos. Encurralada, ela desceu da parede e subiu na perna de um marmanjo de barba no queixo e se escondeu detrás dos seus “pissuídos”. A gritaria foi eminente. Sem perceber o que estava fazendo, ele arrancou a calça do corpo e correu pelo meio da sala fazendo o maior barulho. A cena foi picante, mas sem nenhuma maldade, mesmo assim a professora saiu correndo da sala e nunca mais voltou. Naquela época, era expressamente proibido mostrar parte íntima do corpo para os outros. As moças usavam vertidos longos; namoros só eram possíveis com autorização dos pais.
Labigó é um réptil que anda pelas paredes e por ser um animalzinho inofensivo, alguns políticos adotam como símbolos de suas campanhas partidárias, exemplo disso, está no município de Tuntum, onde tem dois grupos políticos rivais “Cobra e Labigó”.
Em janeiro do ano seguinte, Manoel Mota do Nascimento, contratou o professor Antônio Araújo Carvalho Silva Sipauba para continuar o ensino da meninada da sua comunidade. Acontece que o velho não se adaptou com os costumes daquela comunidade, que era dormir tarde e acordar cedo, por isso foi embora em maio do mesmo ano. A partir de então, a comunidade ficou novamente sem professor e a molecada sem estudar.
Mas no dia 27 de agosto de 1967, uma janela começa a se abrir no seu caminho. Naquele dia, ele acordou um pouco mais cedo do seu habitual costume, quando se levantou da rede que dormia, foi até a janela do quarto, dela retirou a trave e debruçou-se sobre ela para cumprimentar o sol. O dia estava esplêndido; até parecia que toda natureza colaborava para a inauguração do ano e de um novo dia. Ali ele embebeu os olhos no horizonte e ficou longo tempo imóvel, refletindo as maravilhas do mundo, como se interrogasse o futuro do lugar que vivia, uma terra fecunda, onde todos trabalhavam na agricultura de subsistência, no engenho e casa de farinha.
Quando saiu daquela janela, foi em direção a uma pedra que havia no terreiro de sua casa e na parte mais alta dela se sentou e lá ficou por um bom tempo ouvindo o cântico dos passarinhos, que faziam naquele momento pelos galhos das árvores, uma bela sinfonia. Quando de repente aparece, no caminho que dava acesso o local que meditava sobre o futuro de sua vida, um sujeito bem trajado, que aparentava ser um homem letrado e ter uns vinte cinco anos.
O seu animal estava enfeitado com os adereços de montaria: sela, pelego, coxonil, carona, alforjes e arreios bem trabalhados com finas fitas de camurça, fivelas, bombinhas, estribos e esporas de prata. Enfim, tudo brilhava naquele burro de sela, pois eram confeccionados com materiais de primeiríssima qualidade.
A chegada daquele moço na sua casa não foi estranha, pois ali sempre apareciam viajantes, alguns vendendo bugingangas, outros comprando o que produziam: azeite, arroz, algodão, criação, cachaça, coco babaçu, feijão, fumo de corda, farinha, milho, pele de animais, rapadura, entre outros produtos de lavra da região.
Com simpatia ele cumprimentou-o e pedindo um copo d’água e logo foi pondo os pés em terra. Naquele momento os passarinhos interromperam as suas cantigas e Evangelista com as suas meditações e da pedra desceu para receber o ilustre visitante, que se vestia com certo apuro, gesto ao mesmo tempo familiar e discreto, por isso foi honrosamente recebido e hospedado naquela cabana. Antes, porém perguntou ao nobre viajante, qual era o seu nome?
Luciano Gomes de Melo, respondeu o forasteiro
E você, como se chama?
Evangelista Mota Nascimento, seu criado.
A partir de então, entre os dois fluiu uma longa e divertida prosa, antes, porém o seu animal foi amarrado em uma cocheira que havia do lado, a sela retirada e pendurada no alpendre; os demais adereços foram colocados numa travessa de madeira suspensa por duas forquilhas fincadas no alpendre da casa exclusivamente para tais fins. Feito isso, um tamborete de madeira coberto com coro cru foi colocado para ele se sentar e, sem fugir a tradição dos camponeses, logo no começo da prosa, contou parte da sua sofrida vida de agricultor e a falta de meios para estudar naquele lugar.
Numa certa altura da conversa Luciano retrucou-lhe dizendo: “Não vim a este lugar falar de agricultura e muito menos de sofrimento, mas para dar-lhe o cumprimento de bons anos, pois estou sabendo, que hoje você está completando 17 anos de vida. Vim também, com você, marcar uma caçada de onça pintada, um valente felino que está acabando com os animais desta região”.
Fazia apenas meia hora que eles ali estavam proseando, quando chegou o convite para o almoço; sem demora os dois saíram da sombra das árvores e foram para a cozinha almoçar, onde já estavam os donos da casa ao redor da mesa esperando-os para saborearem um tatu preparado no leite de coco babaçu, que um tanto acanhados, logo foram dizendo: “Senhor, não repare o nosso almoço, é apenas um guisado de tatu, um mamífero que a natureza cria na selva, porém, quando preparado com leite de coco, arroz e farinha. fica saboroso. Por ser hoje uma data muito especial, dia do aniversário do nosso filho mais velho, fizemos questão de preparar para ele este almoço à moda da casa”.
Com toda educação, Luciano também disse: “Não se preocupem, aprecio bastante este tipo de comida, sou lavrador e caçador por convicção, aqui estou para com vocês fazer uma caçada de onça pintada e ensinar a este rapaz a profissão de dentista protético”.
Admirado com a elegância e educação do visitante, o casal disseram em uma só voz: “Olá companheiro, você também gosta de caçada?
Luciano respondeu: “Sim, quero com vocês me deliciar com este prato e mais tarde conhecer as matas desta região. E acrescentou: tenho na minha bagagem, espingarda, munição, lanterna e aratracas, para juntos fazermos neste lugar uma grande caçada de onça pintada”.
Sem mais formalidade, depois daquele pequeno dialogo todos se sentaram nos tamboretes, que estavam ao redor da mesa. Depois do almoço, elogios e informações foram dialogadas, as quais fluíram mais ou menos assim:
Luciano disse que o almoço estava muito saboroso. Disse também, que ao passar pelo São Bento se hospedou na casa do amigo Tatá Carreiro, onde ficou três dias atendendo as pessoas que moravam na redondeza com trabalhos dentários. Entre tantos, o senhor Telvino José Ferreira, um seleiro de fama morador do Brejo do João e por ele foi informado, que no Caxixi tinha muita caça e um jovem homem que sonhava ser professor e um empresário de sucesso. Sabendo disso aqui estou para com ele fazer uma caçada e também ensinar-lhe a profissão de dentista protético.
A elegância de como Luciano colocava suas palavras no decorrer daquela conversa deixou o aniversariante e seus pais mais descontraídos para falarem de caçada e profissionalismo. Os quais disseram para aquele ilustre visitante: “Senhor, nós compreendemos a sua fala, o seu discurso. Sobre a caçada não há nenhum problema, amanhã vamos ao boqueirão, lá tem um grande carrasco, muitos pés de craíbas, veado catingueiro e onça pintada, porém, o ensinamento da sua profissão ao nosso querido filho não vai ser possível agora, ele não tem estudo, sabe apenas escrever o nome e fazer algumas contas e também não temos dinheiro para comprar os equipamentos que certamente vai precisar, assim como pagar os seus honorários. Somos trabalhadores da juquira, vivemos do que produzimos na roça, engenho e casa de farinha, o que ganhamos mal dá para sobrevivermos sem passar fome”.
Luciano, que era um homem inteligente e na intenção de conquistar ainda mais a confiança do casal, disse-lhes: “Veja como Deus é poderoso, na sua suprema sabedoria Ele traçou os caminhos e as condições que me trouxeram até aqui, para nesta manhã estar almoçando com pessoas tão maravilhosas como são vocês. Trago na minha bagagem, vários artefatos para caçada e fazer próteses dentárias. Quando passei pelo engenho do Coronel Doca Mota, ele me falou do aniversário do neto, o qual me recepcionou de forma muito elegante e educada. A título de cortesia, pretendo ensinar-lhe a profissão de dentista protético, pois vejo nele um excelente candidato a desenvolver neste lugar um trabalho de socialização cultural e saúde bucal”.
As palavras do professor Luciano foram tão bem colocadas, que eles tiveram a coragem de dizer-lhe: “Até que gostaríamos de ter na nossa família um doutor, mas aqui a vida é muito difícil, não há escola e nem condição para sustentar um filho na cidade até se formar e se estruturar profissionalmente”.
Quando eles encerraram suas falas, Luciano disse novamente: “É claro que para uma pessoa ser doutor ele precisa estudar e muito, mas aqui estou disposto a ajudá-lo, ensinando-o as primeiras lições práticas da nobre profissão que exerço há vários anos, dando-lhe melhores conhecimentos profissionais, os quais certamente irão lhe ajudar a conseguir outros patamares mais altos, no seu desenvolvimento cultural e profissional. Sobre o dinheiro ou custos de materiais, isso se fala depois. Permita-me então lhe sugerir que venda parte de sua produção agrícola, vá à cidade mais próxima e compre um pouco de material e ferramenta para o serviço de próteses dentárias, o resto deixe comigo, que com satisfação farei o possível para ensinar-lhe uma boa e nobre profissão”.
Como eles eram semi-analfabetos, não demonstram interesse pela educação do filho e foi observando isso que o nobre visitante novamente fez uso da palavra para lhes dizer: “Senhores, quando estive no engenho do coronel Doca Mota,o patriarca desta nobre família ele me informou que está com viagem marcada para a semana que vem à cidade de Curador, onde vai conversar com o advogado Valeriano Américo de Oliveira, sobre o inventário e legalização de suas terras. Então, aproveite esta oportunidade e peça a ele que compre os utensílios e materiais que seu filho vai precisar para iniciar o seu trabalho como protético dentário”.
Dito isso, Luciano se retirou da mesa e foi para o quarto de hóspede descansar um pouco. Em uma rede se deitou com o rosto voltado para a janela que dava visão para o campo e à verde floresta que rodeava aquela humilde casinha tapada com barro cru e coberta com palha de coco babaçu. Olhando para os cajueiros, mangueiras, coqueiros e outros tipos de árvores do carrasco sertanejo, pensou como é triste a falta de conhecimento e visão do futuro, aqui poucos são os que vêem o futuro na educação.
Evangelista, que também estava deitado numa rede de labirinto naquele quarto, disse-lhe: Hoje, para mim, é um dia muito especial, além de estar proseando com o amigo, tenho o sonho de um dia poder estudar, ser professor, empresário de sucesso, escrever um livro, fazer parte da sociedade organizada, constituir família e muitos amigos, coisas estas que ainda não pude ser, mas quando eu completar a minha maioridade, deste lugar irei embora para a cidade estudar e trabalhar.
Luciano, dando um tom de voz com a rigidez da resolução, respondeu-lhe dizendo: “Amigo há neste mundo circunstâncias que me obrigam a passar meus conhecimentos aos que deles precisem e por isto aqui estou disposto a lhe ajudar, basta que você queira. Vejo em você extraordinária visão e determinação de um dia vencer na vida. Estudar é o primeiro passo para ser um profissional liberal de sucesso, basta ter vontade, fé em Deus e coragem de enfrentar as dificuldades que o mundo oferece às pessoas que nele vivem. Escrever um livro e ser professor, basta querer”.
Ao encerrar a sua fala, Luciano percebeu no rosto do amigo, um sorriso, porém, com certa preocupação. Por esta razão achou melhor mudar de assunto e propôs a ele uma caçada logo no dia seguinte. Naquele momento ele tomou nas mãos um romance que rimava a história comovente de um menino do interior que pretendia vencer na vida, mas não tinha apoio da família e muito menos dos poderes constituídos, uma leitura que fez em voz alta para todos que lá estavam escutar e compreender o que ele queria informar para as pessoas que têm visão e determinação para vencer as dificuldades da vida.
Evangelista, que estava de cabeça baixa, ouvia com atenção aquela leitura e disse consigo mesmo: Que coisa linda é saber ler e escrever, só eu que não tive a felicidade de aprender nada, a não ser trabalhar na roça, engenho, casa de farinha, caçar e contar história de caçador. E acrescentou, este sujeito veio do céu para ajudar a melhorar a minha vida, eu não vou perder esta oportunidade, nem que meus pais proíbam!
Como Luciano era um autêntico observador, mesmo lendo o seu romance, logo percebeu que o amigo imaginava algo muito importante para sua vida futura e com postura de intelectual, do lado colocou o livro, olhou-o com firmeza dizendo: “Menino, procure esquecer o que seus pais disseram há pouco, vamos trabalhar, o mundo é grande, nele há espaço para todos. Se você quiser crescer na vida, posso lhe ajudar a partir de hoje”.
Um tanto nervoso, ele perguntou ao professor Luciano: Como pode me ajudar?
- “Ensinando-te uma profissão de valor, disse-lhe.”
- Que profissão? Novamente perguntou.
- “A de dentista protético”, respondeu Luciano.
Retrucou-lhe Evangelista: Como posso exercer tão nobre ofício? Se eu não posso comprar as ferramentas e materiais que vou precisar. Não tenho dinheiro, conhecimento das letras, sou menor de idade e sem o apoio dos meus pais, a quem obedeço às determinações e ordem.
Respondeu-lhe Luciano: “Você está próximo de completar sua maioridade, é um jovem cheio de energia, tem vontade e determinação. Dinheiro é o de menos, novamente vou com seus pais falar, para um professor contratar e deixar você estudar e trabalhar nesta comunidade como dentista protético e, logo que alcançar a sua maioridade procure uma cidade, uma escola de bom nível e se matricule, pois isso vai lhe fazer muito mais feliz e realizado”.
Atento a todas aquelas informações, logo procurou conhecer detalhes do que podia aprender e os custos que aquilo poderia lhe acarretar.
Luciano, usando de toda sua inteligência disse: “Aprender a ler e escrever basta querer, ser dentista protético é ainda mais simples do que trabalhar na roça. Herdei essa profissão dos meus parentes, com a qual ganho o suficiente para criar e educar os meus filhos. Mesmo só tendo cinco anos que nela trabalho e o primeiro ano que curso Sociologia na Universidade Federal do Maranhão, aqui eu estou aproveitando minhas férias para lhe ajudar e conseguir fazer uma boa caçada de onça pintada.
Naquele momento ele tomou a sua decisão, dizendo: Amigo, eu aceito o desafio. Amanhã, vamos ao boqueirão, uma das melhores regiões para se caçar nesta época. Quando chegarmos do mato, fico a sua disposição para fazer o que você quiser na nova profissão, mesmo que meus pais digam não.
No dia seguinte, Evangelista e Luciano tomaram café com farofa, encheram os cantis de água, nos sacos colocaram as redes, farinha de mandioca, rapadura, facão, munição, aratracas, espingardas, lanternas e por uma trilha estreita foram ao Boqueirão. Depois de andarem bastante, chegaram numa mata de vara, na qual encontraram uma árvore de porte médio com uma poça d’água no seu tronco, onde bebiam vários tipos de caças. Nos pontos estratégicos enterraram duas aratracas.
Um pouco mais à frente eles encontram um pé de Craíba jogando flor no chão, alimento preferido dos veados catingueiros, um animal de passadas sutis e cautelosas, tem hábitos noturnos, só se alimentam depois que passa pelo cesteiro para sondar o ambiente, somente após este ritual é que eles iriam comer. Sabendo disso os dois experientes caçadores subiram nos galhos mais altos daquela árvore e lá armaram as suas redes e ali passaram o resto do dia e a noite inteira sem dormir, esperando a chegada dos inofensivos animais que se alimentavam das flores daquela árvore.
Já passava da meia noite, quando a primeira caça desceu a serra, pisando nas folhas secas estendidas no chão sem interrupção e passadas sutis logo se aproximou do cesteiro; era um veado catingueiro, que ao chegar naquele local fez a sua costumeira parada. Como os traiçoeiros caçadores estavam atentos, engatilham as armas, focaram as lanternas e miraram na “taba” do pescoço, porém um só apertou o gatilho, foi um tiro fatal, no mesmo instante ele assentou o cabelo.
Um pouco mais tarde, outras caças também foram à espera e do mesmo modo da primeira, foram abatidas. Quando amanheceu o dia, dois veados catingueiros, uma paca e um tatu estavam estendidos no chão, quais foram ateadas nas costas dos caçadores que a passos largos seguiram em direção da poça d’água que haviam deixado as aratracas armadas. Lá chegando viram que um bicho havia sido agarrado. Era uma onça pintada que estava furiosa com aquele estranho relógio no braço. Quando eles se aproximaram da fera, ela rosnou forte, mas estava sem alento, com um único e certeiro tiro de espingarda no pé da orelha, ela se acalmou. Em seguida Luciano tocou no bicho e conheceu, é a “Lídia”.
Lidia foi o nome atribuído a onça que comeu no ano de 1965, uma vaca de estimação do coronel Feliciano Alves Gomes Costa, um rico fazendeiro que morava no povoado Jenipapo dos Gomes, Município de Tuntum, Maranhão. Logo que souberam da notícia, todos os criadores da região, foram a Fazenda Caxixi, cumprimentar os ilustres caçadores por terem tirado dos seus pastos um animal que já havia lhes dado muitos prejuízos.
Onça pintada é o terceiro maior felino do mundo e também a mais poderosa das Américas. Ela salta três metros em altura ou em distância, sem precisar tomar impulso e pode cair de até quatro metros de altura sem se machucar. Sobe com facilidade em árvores, atravessa grandes rios a nado e é uma caçadora hábil e sagaz.
Suas presas preferidas são animais solteiros, porcos queixadas, caititu, capivara, paca, cutia, tatu, jacaré, tartaruga, jibóia, anta, tamanduá, gambá, preguiça, aves, peixes, bezerro, vacas, cavalos e cães. Receia os humanos, touros crescidos, sucuris e animais que andam em bandos.
A onça caminha normalmente de 2 a 5 quilômetros por dia, por vezes até 20 km. Quando perseguida, ela pode percorrer até 65 km numa só tarde. Costuma caçar no início da noite, dormir da meia-noite às 3 da madrugada e durante a manhã até o meio-dia. Ruge de forma semelhante ao tigre e também produz um estalido característico quando mexe as orelhas, que pode ser reconhecido por caçadores ou biólogos experientes. Pode alcançar mais de 60 quilômetros/hora em distâncias curtas (até 200 metros), mas não tem resistência para corridas mais longas. Com suas presas e mandíbulas, ela consegue, sem esforço, perfurar o crânio de uma capivara ou o casco de uma tartaruga com uma só mordida.
Costuma fazer emboscada e saltar sobre a vítima, tentando mordê-la na nuca ou no crânio, isto é, um bote, que tem alcance de 5 metros; se acertar a presa, certamente há disputa de forças. Para caçar um animal grande, ela salta por trás ou do lado e derruba, quebrando-lhe o pescoço na queda, os pequenos ela mata com uma patada na cabeça. Quando ferida, mesmo levemente, pode reagir com um ataque furioso.
Depois de subjugar a vítima, ela carrega para lugar seguro e, se sobrar carne, guarda para o dia seguinte. O território de um macho estende-se no mínimo por 30 km², o de uma fêmea, por 10 km². Vive até 12 anos em estado selvagem e 20 em cativeiro. O macho atinge a maturidade em 3 anos e a fêmea em 2. O tempo de gestação, dura cerca 100 dias e a ninhada é de um a quatro filhotes. É também um animal bonito, porém perigoso, principalmente quando está em plena liberdade no seu habitat natural.
Mesmo sabendo que corre risco de ser atacado por uma onça, tem caçador que arrisca imitar o pio dos macucos, em lugares onde há este traiçoeiro felino e isso aconteceu no baião do caboclo em fevereiro de 1950, quando os caçadores Luís Henrique e Alfredo Alves Ferreira, foram buscar melancia na roça que tinham no baixão do Caboclo. Consigo alem dos jumentos de cargas levaram também dois cachorros. Ao chegarem na roça piaram como macuco, minutos depois foram surpreendidos por uma onça vermelha que saltou nas suas costas, a salvação deles foi os cachorros que latiram e correndo atrás de um bicho. Ao chegarem à porteira da roça, ouviram o ladrar intempestivo dos cães, era a onça suçuarana, que estava pressionada pelos cachorros, ela estava escorada na cerca, um lugar que lhe dava proteção, ali ela esturrava e procurava a cada instante fisgar os cães com suas garras.
Quando eles viram aquela cena entreolharam-se e combinaram o que poderiam fazer para matar aquele animal, pois não tinham arma de fogo, somente um facão estava com eles. Como a onça estava com o rabo enfiado entre a forquilha e as estacas da cerca, Luís Henrique nele agarrou e o Alfredo passou-lhe o facão no pescoço e assim ela foi morta no cacete e a golpe de facão.
Em julho de 1959, aconteceu outra história engraçada na Fazenda Caxixi. Naquele dia, um sábado o sol nasceu ardente, depois do café da manhã Manoel Mota do Nascimento mandou Evangelista buscar milho para os porcos na roça do baixão do Caboclo. Com um cofo de palha de coco a tiracolo, ele foi fazer o que seu pai havia determinado. Consigo foi a cachorrinha Faceira, que ao chegar à roça saiu ganindo atrás de um bicho.
Logo que ele apanhou o milho, pegou o caminho de volta. Nas proximidades de sua casa escutou o ganido da cachorrinha que continuava perseguindo alguma coisa no mato. Em pé ele ficou por alguns minutos, ouvindo o troar da cadelinha que marchava em sua direção, quando de repente um “Veado Sutinga” risca em sua frente. O seu primeiro instinto foi jogar o cofo com o milho no veado, que já estava em desvantagem, como ele tinha os chifres grandes o cofo ficou enganchado na sua cabeça, isso atrapalhou a sua visão e a corrida. Naquele momento a cachorra agarrou-o com os dentes e com as espigas de milho Evangelista, que tinha na época 9 anos matou o veado. Depois de consumado o fato ele agarrou o veado pelas pernas, jogou nas costas e levou para casa, onde tirou o couro e ajudou a sua mãe a preparar com sua carne o almoço daquele dia.
Quando seu pai soube da notícia foi se certificar. De igual modo fez a vizinhança, todos queriam saber como um menino de 9 anos conseguiu matar um veado com espiga de milho e assim, a história se espalhou rapidamente por outros lugares, que a princípio serviu de chacotas, porém, só até a devida comprovação, que ele realmente tinha matado o veado com espigas de milho.
Passados alguns anos, uma equipe de jornalistas da TV Cultura, do Rio de Janeiro, foram a sua casa fazer um documentário sobre “O Veado Morto com Espigas de Milho”. O documentário foi exibido por várias vezes nos Trens de passageiros da Companhia Vale do Rio Doce e nos programas culturais da emissora.
Relata-se também, que num ensolarado sábado do mês de setembro de 1963, Evangelista e seus colegas de infância, estavam brincando nas areias do brejo que banhava o vale que moravam, ouviram um barulho estranho na estradinha que dava acesso àquele lugar, todos ficaram atento para o que estava acontecendo, quando de repente aponta no caminho uma coisa estranha e zoadenta. Quando aquilo parou nas proximidades do brejo, um sujeito de cor escura saiu de dentro do “bicho” e levantou o capô e no radiador colocou água. Foi o suficiente para que todos pensassem que aquilo comia gente. Os mais medrosos pediam socorro a todos os santos e correram para o mato; os mais corajosos, aos poucos, foram olhar de perto aquela coisa estranha. Passados alguns minutos, alguns tocaram nele e viram de perto os seus acessórios: faróis, pneus, boléia e o herói de todos - “o chofer”, que saía de dentro da cabine do carro como se fosse uma grande autoridade e logo foi dizendo: “Eu sou José Maria Soares, filho de Araripina, Pernambuco, de onde saí dirigindo este caminhão GMC para comprar madeira de lei nesta terra de gente hospitaleira”.
O caminhão do destemido José Maria, no entanto, para funcionar precisava de uma alavanca e muita força braçal. Em cima da sua carroceria tinham quatro ajudantes, um jerico, um motor de bancada, uma máquina de escrever e outra de costurar, uma vitrola e um rádio. Tinha também, vários discos de vinil do Trio Nordestino, Pedro Sertanejo, Noca do Acordeom, Ari Lobo e Luís Gonzaga. Tudo era novidade para aquela gente, pois até então, lá ninguém conhecia aquilo.
O rádio de pilha foi instalado na casa do Genésio Tomás de Andrade Mota, lá ele ficou em cima de uma mesa de madeira coberta com uma alvíssima toalha de algodão e só era ligado nos fins de cada dia. Quando todos chegavam do serviço, ao seu redor eles ficavam ouvindo os programas “Aquarela Nordestina e Alegria na Taba”, transmitidos pelas rádios Sociedade da Bahia e Timbira do Maranhão. A máquina de costura foi para a sala da senhora Maria Tomás Mota e a Radiola para a casa de Raimundo Ferreira Mota. O motor foi montado em um barracão no caminho do centro, onde serrou inúmeras toras de cedro, ipê e outras madeiras de lei, que o João e Pedro do Motor vendiam para o José Maria Soares.
Inquestionavelmente, foi uma das maiores atrações que aquela terra recebeu, pois até aquela época, a única máquina que lá existia era o engenho de madeira e aviamento do Coronel Doca Mota, que para funcionar, precisava de muita força animal e braçal. Tinha também o alambique para a destilação da cachaça e a gamela de fazer rapadura, que eram movidos a fogo.
3º ATO
A maior aventura de um ser humano é viajar mesmo que seja para dentro de si mesmo e o modo mais emocionante de realizar uma boa viagem é ler um bom livro e descobrir nas entrelinhas o que as palavras não disseram, porque o livro revela as necessidades que o homem tem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser, mesmo que fazendo viagens sazonais.
Entre as muitas viagens sazonais que Evangelista fez no decorrer de seis décadas, as mais fantásticas, foram as do dia 15 de julho de 1952. Montado em um jumento cargueiro. Foi do Caxixi ao povoado Morrinho, um percurso de 10 léguas; a do dia 3 de outubro de 1966. Em cima da carroceria de um caminhão carregado com toras de cedo, foi do Caxixi a São Luís, capital do Maranhão, um percurso de 80 léguas, a do dia 20 de fevereiro de 1969. Montado em um cavalo marchado, foi do Caxixi a São Domingos do Maranhão, um percurso de 20 léguas, a do dia 2 de julho de 1971. Montado em uma bicicleta, foi de São domingos ao alto da Cruz, um percurso se 60 léguas e a que fez de São Domingos a Açailândia, no dia 30 de dezembro de 1972, em um ônibus, um percurso de 700 km.
Por ter menos de dois anos de idade, quase nada se lembra das aventuras que passou na sua primeira viagem, apenas se lembra que foi no amanhecer de um ensolarado dia do mês de julho de 1952, que seu pai montou-lhe em um jumento arriado com cangaia e jacá. Mesmo sendo uma montaria sem nenhum conforto as dez léguas de viagem que fez por uma trilha com areia, mato e sol quente, foi bastante divertido. Em todo percurso passou por apenas duas moradias, o resto do caminho era deserto: carrascos, chapadas e cocais. Sombra quase não existia, mas tombadores de arei era o que mais tinha.
No Morrinho fiquei um mês, mostrando para os parentes, que não tinha medo de ser feliz. As traquinagens que aprontei por lá não me lembro mais, mas certamente foram muitas, até porque estava na casa de avós.
A sua segunda viagem aconteceu no dia 3 de outubro de 1966. Naquele dia viu chegar à casa do seu pai um caminhão com três estranhos na cabine, com uma bolsa cheia de medicamentos, os quais venderam alguns xaropes, vitaminas e remédios para verme. Mas o que eles queriam era comprar madeira umas toras de cedro que seu pai estocava no pátio de sua casa. O negócio foi fechado por CR$ 18.000,00 (dezoito mil cruzeiros). Depois que o caminhão estava carregado eles anunciaram: “Daqui uma semana retornamos a este lugar para efetuar o pagamento da madeira”.
O velho não aceitou a proposta. Depois de muita conversa, combinou mandar com eles a São Luís, o seu filho Evangelista para lá receber o dinheiro.
A partida deu-se por volta das 13 horas do mesmo dia, em cima das toras de madeira ele seguiu viagem em direção a capital do estado, sem um só tostão no bolso. Em uma pequena bolsa levou uma muda de roupa.
A estrada até São Domingos do Maranhão, onde a madeira foi despachada no amanhecer do dia seguinte, tinha muitos buracos e tombadores de areia, do Posto Fiscal de São Domingos até Peritoró, era empiçarada, a partir de então, asfaltada.
Em São Luís chegaram ao amanhecer do segundo dia de viagem, onde a madeira foi vendida para a Marcenaria Armando do bom Milagre, com prazo de 20 dias.
Depois que o negócio foi fechado, os desconhecidos madeireiros deixaram Evangelista na Rua Nova, nº 2 - Camboa, residência do senhor Raimundo Sales, onde ele tomou café, almoçou, jantou e dormiu durante 20 dias em cima de um sofá.
Como estava sem dinheiro, no dia seguinte foi pedir serviço no canteiro de obra da Construtora Itapoã, que estava construindo a Ponte Governador José Sarney, ao engenheiro responsável pela obra. Como não tinha nenhuma especialidade, o que pode conseguir foram 18 diárias a dez tostões cada, para lavar pedra de seixo para o preenchimento dos pilares de sustentação da ponte. O dinheiro que ganhou deu para pagar o aviso que colocou na rádio Timbira, informando a situação que estava passando em São Luís, comprar alguns pratos de comida e a passagem de ônibus até São Domingos.
No dia e hora que o marceneiro Armando pagou a conta, ele foi à estação rodoviária, que ficava no centro da cidade, comprar a sua passagem de volta. Às quatro horas do dia 10 de novembro embarcou no Expresso Sertanejo que fazia linha para São Domingos, aonde chegou no final do mesmo dia. Lá dormiu na casa do amigo João Donas.
No dia seguinte embarcou em um caminhão que ia buscar arroz no povoado Lagoa de Baixo, onde chegou no início da noite, por isso dormiu na casa do amigo Hortelino Ferreira Batista. No amanhecer do dia 12, saltou da rede que dormiu e, a pé, seguiu viagem por uma estrada vicinal até o Caxixi, que ficava cerca de 3 léguas de onda havia dormido. Quando em casa chegou, encontrou seus pais aflitos, pois já fazia mais de mês que havia saído de casa, certo de que voltaria em quatro dias e até aquela data não mais tinha dado notícia. Depois dos cumprimentos, para eles contou tudo que havia acontecido e deu o dinheiro, o qual foi muito bem guardado e depois aplicado em outros bens materiais.
A sua terceira viagem deu-se no dia 20 de fevereiro de 1969, naquele dia Evangelista levantasse cedo da rede que dormia arregaçar a calça, botar na cabeça o chapéu, na cinta o facão e ir ao paiol de legume apanhar, milho, cabresto e o cavalo que pastava na quinta. Como o capim estava orvalhado devido à neblina que caía naquela noite, de cima da porteira ele debulhou o milho dentro de uma cuia e sacudiu. O ritual era tão conhecido que o animal ao ouvir aquilo, veio até a porteira e, sem nenhuma resistência, recebeu na sua cabeça o cabresto e veio para a cocheira, onde foi amarrado e selado.
Nos bolsos da carona ele colocou roupas e calçados, nos alforjes farofa e rapadura, deu bênção aos seus pais, de quem recebeu as recomendações familiares. Dos seus irmãos se despediu e por uma estrada vicinal partiu em direção da cidade de São Domingos do Maranhão, onde nada conhecia, mas estava determinado lá morar, estudar e trabalhar como protético dentário. Os cascos do cavalo batiam no chão sem parar, o que produzia ondas sonoras que vibravam nos seus ouvidos, como se fossem uma bela música clássica em todo percurso da viagem.
Ao pino do sol, na casa de Pedra, um lugarejo que ficava cerca de seis léguas de onde tinha partido, chegou, em um tronco que havia no pátio o animal amarrou, do poço de 120 palmos de profundidade, água para dar de beber o cavalo, que espumava de sede ele tirou. Depois que saciou a sede do garanhão, um pouco de milho colocou na cocheira para ele comer e dos alforjes retirou a farofa e a rapadura e ali fez o seu primeiro desjejum do dia. Em seguida viajou para o destino traçado, aonde chegou ao fim da tarde. Na residência de uma bondosa viúva, que aparentava ter 50 anos de idade pediu arrancho. Um tanto desconfiada com a presença daquele forasteiro, que sem acanhamento pedia-lhe hospedagem, ela olhou no seu rosto e viu que era boa gente e, sem mais demora, ordenou-lhe que, na sala do lado, ele colocasse a sua bagagem.
No momento que arranchava naquela casa, passou por ali um agregado do seu avô, para quem ele entregou o cavalo devidamente arreado, para que ele o levasse de volta e entregasse ao seu pai. Depois que tudo estava arrumado, tomou banho de chuveiro, o primeiro de sua vida, pois onde morava, água só no riacho e nos cacimbões. Em um gancho da sala armou a rede e nela se deitou, por está enfadado logo adormeceu, ao claro de uma lâmpada elétrica, coisa que ele também não conhecia, pois na sua terra natal as casas eram alumiadas com lamparinas a querosene.
Quando o dia amanheceu, ele conversou com a dona da casa, a senhora Cláudia Cardoso, que atendia pelo apelido de “Eriquita”, sobre o seu novo plano de vida: estudar e trabalhar com próteses dentárias. Bondosamente ela lhe encaminhou para a Escola Municipal Pio XII. Sem demora para lá ele se dirigiu, antes, porém passou pela igreja, nela adentrou e orou; foi uma longa conversa que teve com Deus naquela casa de oração, dele pediu sabedoria e luz, para o seu novo projeto de vida. Depois foi a escola, falar com a diretora, de quem solicitou matrícula para ensino básico noturno e foi atendido. Recebeu também o calendário de aulas do ano letivo, que previa o inicio das aulas para as 19 horas do dia 3 de março e o modelo do uniforme: calça de cor azul, camisa branca, com manga curta e borda azul céu, tendo no meio das mangas e sobre os ombros, duas divisas tipo, as de oficiais da aeronáutica pintada em uma fita de cor azul marinho, a gola também era de cor azul céu, gravata, sapatos pretos e meias, brancas.
Meia hora antes do previsto para o início das aulas, ele chegou à escola, devidamente uniformizado, lá foi recebido pela diretora, que gentilmente pediu-lhe que aguardasse um pouco na primeira sala. Minutos depois, o restante dos matriculados para aquele horário foram chegando e sentando no restante dos bancos. Pontualmente, conforme estava marcado no calendário, a diretora Simplícia Silva Coelho adentrou na sala para fazer a abertura das aulas e do ano letivo. Com palavras bem colocadas ela agradeceu a presença de todos e desejou-lhes bons estudos. Em seguida apresentou as professoras Angelita Almeida, Maria do Carmo Pinto e Maria do Amparo Torres como colaboradoras e orientadoras naquela escola, as quais usaram metodologias pedagógicas que lhe atraiu bastante, até porque, já estava beirando os seus 19 anos, porém com costumes de vida totalmente diferente das professoras e da garotada que estudava consigo.
No ano seguinte foi transferido para a escola Teixeira de Freitas. Por ser um rapaz de maior não participava das brincadeiras dos seus colegas, que eram todos adolescentes. No decorrer de um recreio um deles saiu correndo e peitou em si que estava sentado em um dos bancos do pátio da escola, em troca da peitada ele deu uma bisca na orelha esquerda do garoto, o qual foi lá fora pegou uma banda de alvenaria e atirou na sua perna direita, por pouco ela não fraturou. Por ser maior de idade, reconheceu que adulto não deve tomar gosto com criança e nada mais aconteceu entre eles dali em diante.
Passados alguns dias daquele incidente ele foi à biblioteca pública da cidade e lá se encontrou com os vereadores: João Epaminondas Torres e Sebastião Mota Alves Feitosa, dos quais solicitou local para morar, trabalhar e condições para tirar seus documentos. Entusiasmado com a forma que ele solicitava o que mais precisava para se tornar cidadão, os vereadores ofereceram-lhe, uma sala para ele morar e montar o seu laboratório de próteses dentárias pelo tempo que quisesse e sem pagar um só tostão pela ocupação do espaço, ele aceitou aquela irrecusável proposta e com eles marcou para as 8 horas do dia seguinte, o conhecimento do local que iria morar e trabalhar. Por ser muito grande, deram lhe também: ripas, pregos, lâmpada, fio elétrico e 20 metros de chita para a divisão que precisava fazer na sala que tinha no seu interior bastante algodão em caroço, mas com o material que havia adquirido, em um cantinho da sala fez a sua casa de morada e ponto de trabalho.
Para melhor informar o que fazia naquele cantinho, colocou na entrada da rua que dava acesso ao local, uma placa e por lá ficou gritando o dia todo: Olha o protético dentário! Foi o suficiente para, em poucos dias, arranjar uma boa clientela e se tornar conhecido de muitos daquela cidade.
No restaurante do Povo conversou com seus proprietários, Marceu Damascena e Virgilina Carneiro Fortaleza, com quem firmou contrato para fazer as suas refeições a vinte cruzeiros por mês.
A roupa que sujava lavava no banheiro que havia improvisado do lado da sala que morava, a qual era passada com um ferro esquentado com brasa de carvão feito com casca de coco babaçu, que a vizinha emprestava-lhe nos fins de semana.
Feito isso, ele deu a notícia para a bondosa viúva que lhe dava apoio familiar, a quem agradeceu pelos dias que lá estava morando e comendo sem pagar um só centavo.
No final do ano de 1971, terminou o ensino fundamental e prestou exame de admissão para ingressar no ginásio, se registrou, tirou a Identidade, a Carteira de Trabalho, Reservista e Título de Eleitor.
No ano seguinte votou para prefeito, vereador, deputado estadual e federal, ajudou na organização do comitê do candidato a prefeito José de Almeida Freitas, do seu vice Luís Sousa Lima e dos vereadores João Epaminondas Torres, Sebastião Alves Feitosa Mota e Francisco Maia. Para os seus eleitores ele fez gratuitamente até o dia 14 de novembro, 3.125 extrações de dentes e 258 dentaduras. Por estes e outros trabalhos sociais que fazia para as pessoas carentes ficou conhecido em todo município como “Dentista do Povo”. No dia 18, o juiz eleitoral da Comarca de Presidente Dutra anunciou o resultado da apuração dos votos e o nome dos eleitos. Elegeu-se prefeito Francisco Alves de Andrade, que tinha como companheiro de chapa, Paulo Batista Lopes e os vereadores: Antônio Gomes, Expedito Alves Nascimento, Francisco Pereira, Francisco Maia, João Epaminondas Torres, Genésio Ferreira, Raimundo Cosmo, Raimunda Assunção e Sebastião Alves Feitosa Mota.
A sua quarta viagem deu-se lá pelas tantas do mês de julho de 1971, época que ficou de férias da escola que estudava a 4ª série do Ensino Fundamental, em São do Domingos do Maranhão, de onde saiu montado em uma bicicleta com uma pesada bagagem na garupa da magrela, em direção do sul.
A partida deu-se por volta do meio dia de uma linda sexta-feira, da Rua Major Delfino Calvo. Subindo e descendo morros, por uma estrada de piçarra chegou em Colinas do Maranhão. Lá ficou hospedado na residência do coronel Ricardo Mozinho Filho, um rico fazendeiro das encostas do rio Itapecuru, em cuja região os coronéis Bento Carreiro, Júlio Guimarães, Lucas Coelho, Ricardo Mozinho e Sal Moreira, tiveram grandes propriedades rurais e engenhos de fazer cachaça e rapadura. Entre tantos, destacam-se os engenhos: Jenipapeiro, Conceição, Charel e Mirador, todos situados nas ribeiras do Rio Itapecuru, nos quais trabalhou lá pelos os ídolos de 1878 a 1890: Antônio Ferreira Mota, Domingos Leandro, Estevão Ferreira de Sousa, Feliciano Alves Costa, Francisco Alves Costa, Furtuosa Alves Costa, Lino Gonçalves do Nascimento, Lourença Alves Costa, Manoel Alves Costa, Miguel Ferreira Mota, Militoa Alves Costa, Raimundo Runque Seterbile, Vicente Ferreira Mota, Vicente Inácio Pereira e Vicente Ferreira de Sousa. Depois de ter dado um giro por estes engenhos, foi ao engenho Mutuca, instalado à margem direita sentido, norte-sul do Rio Alpercata, onde conversou com sua avó e madrinha Viturina Rosa Ferreira da Silva Mota, a qual lhe disse: “No início da penúltima década do século XIX, meu pai Antônio Ferreira Mota, acompanhado de vários parentes, saiu da Vera Cruz, sua terra natal, região dos Inhamuns, Estado do Ceará, a pé com o matulão nas costas, em direção do Maranhão, quando chegou ao povoado Belém, municio de Picos do Maranhão, hoje Colinas, lá foi informado de que, nos engenhos: Jenipapeiro, Conceição, Charel e Mirador os índios Timbiras e Canelas a faziam cachaça e rapadura, produtos estes que ele e seus companheiros eram especialistas nos seus fabricos. Interessados ficaram pelas informações e foram conhecer o trabalho dos índios, com eles aprenderam fazer balsa com talos de buriti e sobre elas navegaram pelo Rio Alpercata e outros cursos d’água do sul e centro-oeste do Maranhão, onde situaram e deram nome a muitos lugares”.
Por esbanjar conhecimento e está na região, a ela perguntei. Porque Jenipapo do Resplande e Mutuca, onde também tem engenhos seculares nos quais se fabrica a melhor cachaça e rapadura do sertão maranhense?
“Algumas vezes eu ouvi meu pai contar para seus amigos que, em 1888 ele foi conhecer a freguesia de Loreto e lá se encontrou com a jovem Merenciana Rosa da Silva, que estava participando de uma missa campal. Foi paixão à primeira vista entre os dois, que se casaram no queima, horas depois. Quando terminou a celebração do casamento eles foram ao povoado Vereda da Serra, onde moravam João Marcolino e Filomena Rosa da Silva, pais de minha mãe. Pelo fato do casamento ter se realizado no queima e Antônio Mota ser desconhecido, os noivos não foram recebidos. Para não se incompatibilizar com eles, os dois fugiram em direção do norte do Estado, por trilhas que só andava gado e vaqueiro. Subindo e descendo morros, cruzando chapadas, matas, carrascos, grotas, córregos, riachos e rios, eles andaram a pé em torno de 40 léguas, num período de duas semanas, até encontraram um barraco construído debaixo de um enorme pé de Jenipapo plantado pela própria natureza, à margem direita sentido norte-sul, do rio Alpercata, no qual morava um senhor que atendia pelo nome de Manoel Resplande, o qual gentilmente acolheu-os em sua casa. Em homenagem àquela árvore e a hospitalidade do morador, o Senhor Manoel Resplande, Antônio Ferreira Mota e Merenciana Rosa da Silva chamaram aquele lugar de “Jenipapo do Resplande”, uma justa homenagem feita ao lugar que eles escolheram para fixar residência e criar seus filhos, que lá nasceram: Maria Rosa Ferreira da Silva Mota, nascida no dia 3 de agosto de 1889, José Leão Ferreira Mota, nascido no dia 15 de junho de 1894; Francisca Rosa Ferreira da Silva Mota, nascida no dia 18 de março de 1898; Joaquim Ferreira Mota, nascido no dia 19 de julho de 1900; Raimundo Ferreira Mota, nascido no dia 20 de junho de 1904; Viturina Rosa Ferreira da Silva Mota, nascida no dia 2 de novembro de 1906 e Antônio Ferreira Mota, nascido no dia 25 de julho de 1909.
Sobre a mutuca, ele contava que certa vez desceu em uma balsa construída com talos de buriti, pelas sinuosas curvas e cristalinas águas do rio Alpercata, ao chegar numa linda praia que ele batizou com o nome de “Barrinha”. Nas ingazeiras de sua margem amarrou a embarcação que viajava. Ao tocar em terra firme foi atacado por um enxame de “Mutucas”, um tipo de mosca que pertence à família Tabanídea, que tem cabeça volumosa olhos grande, antenas curtas, aparelho bucal tipo ventosa situado na ponta da tromba, uma perfeita adaptação para picar e sugar sangue, sendo a picada bastante dolorosa, pela a qual suga sangue. Lá ele plantou cana e montou um engenho com o nome de “Mutuca”.
Tomar banho, mergulhar e saltar lá de cima das árvores nas cristalinas águas do rio Alpercata é indispensável, nela os peixes brincavam com os banhistas de forma amistosa. Terra que para uma moça se casar teria que ter a permissão dos pais, os quais ajustavam o casamento com bastante antecedência. Sobre isso avó Viturina falou do seu primeiro e segundo casamento. Sentada ao seu lado, num banquinho que estava escorado na parede que dava visão para o Morro das Barreiras e Praia da Barrinha, ela disse: “Numa certa manhã de sol ardente do mês de maio de 1927, apareceu na casa da minha mãe dois cavalheiros devidamente a caráter. Em um tronco de aroeira, fincado no terreiro eles amarraram os seus animais, em seguida conversaram com a minha mãe sobre o ajuste do casamento com o viúvo Manoel Gonçalves do Nascimento, para o dia 18 de julho. Desde então, o enxoval foi encomendado e confeccionado pela mão das moldistas da região (vestido, anágua, grinalda e outros acessórios), roupa aquela que a noiva só podia ver no dia do casamento.
No dia e hora marcada, montados em jumentos ela e seus familiares chegaram ao Leandro, local onde iria ser celebrado o casamento. Depois que amarraram os animais em troncos de árvores espalhados pelo pátio da casa, foram assistir a missa, batizados, crismas e consagração de crianças. Após tudo aquilo é que os noivos foram chamados ao altar. Todos se ajoelharam para receberem do padre celebrante um longo sermão, que foi recheado de recomendações.
O primeiro a ser interrogado foi Manoel Gonçalves do Nascimento, a quem o padre perguntou: “Você aceita receber a senhorita Viturina Rosa Ferreira da Silva Mota como sua legítima esposa, na alegria, na saúde, na tristeza até que a morte os separe? Como a resposta foi “SIM”, a partir dela é que fiquei sabendo quem era o meu futuro marido. Em seguida o padre me perguntou: “A senhorita Viturina Rosa Ferreira da Silva Mota aceita receber o senhor Manoel Gonçalves do Nascimento como seu legítimo esposo, na alegria, na saúde, na tristeza até que a morte os separe? A minha resposta também foi “SIM”. A partir de então, foi que ele ficou sabendo quem iria ser a sua esposa e assim fomos casados em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Depois que todos receberam a bênção do celebrante, nós fomos para a fazenda Maravia, onde os pais dos noivos recepcionaram a todos com uma grande festa com comida de vários tipos e música de acordeom. Quando terminou a festa, cada um foi para as suas casas viver e constituir família. Eu com meu marido vivemos somente 30 dias, pois na semana seguinte depois do nosso casamento ele adoeceu de sarampo, uma doença grave, que o levou a óbito no dia 18 de agosto do mesmo ano.
Por causa do sentimento, somente dois meses depois é que notei que estava grávida. Com ajuda da minha mãe sofri de desgosto ate o dia 12 de março de 1928. Nesta data ganhei o “Manilim”. Três anos depois me casei novamente com o viúvo Joaquim Raimundo de Sousa, com quem geramos 8 filhos: José Raimundo de Sousa Mota, nascido no dia 9 de outubro de 1931; Antônio Raimundo Sobrinho de Sousa Mota, nascido no dia 7 de março de 1933; Raimundo Mota de Sousa, nascido no dia 5 de dezembro de 1935; Pedro Raimundo de Sousa Mota, nascido no dia 5 de fevereiro de 1937; Maria da Paz Mota de Sousa, nascida no dia 31 de agosto de 1943; Francisco Raimundo de Sousa Mota, nascido no dia 16 de janeiro de 1945; Niomisa de Sousa Mota, nascida no dia 12 de novembro de 1946 e Rita de Sousa Mota, nascida no dia 12 de novembro de 1948”.
Impressionado com tantas informações, resolvi ficar mais um dia naquele lugar para conhecer de perto os monumentos que a avó Viturina informou ter naquele vale. Acompanhado dos tios, no amanhecer do dia seguinte, fomos ao Morro das Barreiras, um lugar de difícil acesso, pois tem mais de 500 metros de altura e cerca de uma légua de circunferência. Lá em cima o vento era muito forte e quase não tinha vegetação, somente alguns pés de orquídeas penduradas pelas rochas formadoras daquele enorme monumento de tabatinga. Segurado numa cruz de madeira que a comunidade local havia fincado no alto do morro, onde estavam sepultados vários entes queridos da família Mota e Raimundo, ficamos meditando sobre tanta beleza criada pela natureza. Depois foram tomar banho na praia da barrinha.
No povoado Leandro, conversamos com Maria Ferreira do Nascimento, João Ferreira do Nascimento, Raimundo Melo de Sousa e Cecídia Messias de Sousa, os quais contaram que no início do século XX, apareceu na fazenda Maromba, uma alma pedindo esmola para a farra do juda, cuja aparição deixou a comunidade da fazenda alvoroçada, menos o vaqueiro Cândido, que batia no peito dizendo para o seu patrão, o capitão Estevão Ferreira de Sousa: “Esta história de alma, lobisomem e bicho tibungo é só enchimento de linguiça, isso não existe”!
Quando Cândido dizia estas coisas Messias Ferreira de Sousa, um menino de 10 anos, que escutava as suas conversas, resolveu fazer em um lugar distante da presença dos moradores do lugar um juda, o qual foi vestido com roupas rasgadas da sua família. O juda foi montado em um jumento, que levava no pescoço um enorme chocalho. No escurecer do sábado da aleluia, ele levou aquela marmota a casa do mestre Cândido, lá chegando deu uma sacudida no chocalho e bateu palma. O velho Cândido estava na cozinha tomando café, ao ouvir aquilo, foi a porta de sua casa ver quem batia e lá chegando se deparou com o Lobisomem montado em um jumento e com voz roca pedia esmola para uma alma que estava em trevas. O velho correu de casa aos prantos e só parou quando caiu dentro do riacho. Naquelas alturas ele já estava todo breado, com aquilo mesmo, que você pensou (massa alimentar desidratada pela combustão estomacal).
A brincadeira do menino Messias virou tradição cultural na comunidade. Todos os anos os leandenses confeccionam Judas e montam em jumentos e saem pelas casas da redondeza, colhendo prendas (rapadura, cachaça, arroz, farinha, galinha, peru, leitoa e outros mantimentos), para a festa da eucaristia, ou do jejum, dia da malhação do juda, com a celebração da vigília pascal, as quais são preparadas e comidas por todos no sábado da Aleluia.
Do Leandro, foi para o Escondido do Tainor, lá se hospedou na casa do professor Luciano Gomes de Melo, o qual me disse: “Em todo Estado do Ceará, Piauí, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe, Bahia, Minas Gerais e Maranhão, existem pessoas com sobrenome Mota, os quais vieram da Itália, Portugal e da França para o Brasil, em busca de mineração e terra para o cultivo de cana de açúcar. No Maranhão eles foram os primeiros a formar fazendas de gado, cana e café, principalmente nas regiões leste, centro-oeste e sul do Estado, onde ensinaram índios e escravos dos senhores de engenhos a fazerem cachaça e rapadura”.
Do escondido fui para o povoado Palmeirinha, visitar Joaquim Ferreira Mota, lá conheceu as principais atividades agrícolas dos Motas: o plantio e a colheita de arroz, milho, mandioca, feijão, café, cana de açúcar e a fabricação de cachaça e rapadura. Conheceu também, um engenho e bolandeira construídos com madeira nobre, no início do século XX.
Da Palmeirinha fui à cidade de Tuntum, onde se encontrou com o escrivão José Ricardo Araújo, o Advogado Julho do Nascimento Dantas, o prefeito Luís Gonzaga da Cunha, o vereador Raimundo Lourenço Mota, o ex-prefeito José Uruçu da Silva, o líder político Luís Coelho Batista e os frades Antônio Porteeri Tavernole, Dioniso Guerra e Liberato Giudici, os quais lhe informaram como aquela comunidade se desenvolveu e emancipou-se politicamente em 1965.
Os tuntunenses festejam o aniversário da cidade na última semana de agosto, o qual é encerrado no dia de São Raimundo Nonato, o padroeiro do município. O festejo acontece na Praça São Francisco de Assis. Durante o festejo eles fazem leilões de bolos, frangos assados e outros apetitosos pratos que são doados pela comunidade da igreja. Toda verba arrecadada nos leilões são repassadas a Paróquia, que é invertido em obras sociais na jurisdição da igreja.
De Tuntum fui a São Domingos, aonde cheguei ao pôr do sol do dia 3 de setembro, concluindo assim uma longa e cansativa viagem de 35 dias nos quais andou cerca de 60 léguas, por caminhos esburacados e em cima de uma bicicleta carregada com pesada bagagem. Na Praça Getúlio Vargas, foi recebido e aplaudido por Sebastião Alves Feitosa Mota e sua esposa Maria Santana Alves Mota, filha de Antônio Alves Mota e Realina Melo Mota, todos, primos legítimos de Antônio Ferreira Mota, o patriarca da família Mota maranhense.
A sua quinta viagem foi planejada no dia 25 de dezembro de 1972 e iniciada às 7 horas do dia 30 do mesmo mês e ano. Nesta data Evangelista foi à residência do amigo Herculano Gomes, pedir sugestão do que deveria fazer para se sair em paz das chacotas que estava recebendo dos correligionários políticos do prefeito eleito, Francisco Alves de Andrade, em 15 de novembro de 1972, no Município de São Domingos do Maranhão.
Com sabedoria o mestre Herculano lhe disse: “Meu filho, você concluiu a primeira fase do ensino básico, passou no exame de admissão para ingressar no ginásio, ajudou a coordenar uma das mais acirradas campanhas políticas já vistas nesta cidade, está sendo chacoteado pela perda da eleição do seu candidato a prefeito, portanto, mais um sonho foi realizado no seu novo projeto de vida. Diante destas e outras circunstâncias mudar-se desta cidade para outro lugar é uma boa ideia”.
Depois que ouviu tudo isso, agradeceu os seus conselhos e dele se despediu e voltou para seu aposento, onde tomou em suas mãos um jornal de circulação nacional, que tinha como manchete de primeira página: “Na década de 50, um bravo presidente da república brasileira, determinou que o Brasil fosse dividido ao meio por uma estrada, que ele mesmo a chamou de “Espinha Dorsal do País”.
Refletindo sobre aquela reportagem e os conselhos do velho mestre e amigo Herculano, imediatamente foi à agência de apoio a ônibus comprar uma passagem para Açailândia, um povoado que se formava no oeste do Maranhão, à margem direita sentido sul-norte da rodovia Belém-Brasília. Em seguida, visitou as professoras Simplícia, Maria do Amparo, Maria do Carmo e Angelita, os vereadores João Torres, Francisco Maia e Sebastião Mota; os proprietários da pensão do Povo, Marceu e Virgilina, a lavadeira de roupa Maria do Socorro e Dona Eriquita Cardoso, dos quais se despediu desejando-lhes um feliz Natal e próximo ano novo, porém sem dizer que pretendia se mudar daquele lugar para outra pasárgada, mas quando em casa chegou começou a arrumar a mala, onde colocou os objetos pessoais, um rádio de pilha, alguns instrumentos e materiais de fazer prótese dentária. A bicicleta foi desmontada e colocada em uma caixa de papel.
Conforme havia planejado, às 7 horas do dia 30, ele foi a Praça Getúlio Vargas, com a bagagem no ombro embarcou no ônibus Estrela Dalva, que lá já estava estacionado na calçada da agência de viagem “Zé Lotenga”. Enquanto o agente etiquetava as bagagens dos outros passageiros e conferia as passagens, Evangelista ficou sentado num banquinho de madeira que estava escorado na parede, lendo a poesia de Manuel Bandeira. “Eu vou-me embora pra Pasárgada.
Quando ele terminou a leitura, adentrou no ônibus que já fazia sinal de partida e nele viajou 23 horas ininterruptas por empoeirada e esburacada estrada de chão batido. Ao raiar do sol do dia seguinte, o condutor do ônibus disse: “Senhores passageiros, estamos chegando a Imperatriz, o fim desta viagem, cuidado com suas bagagens, obrigado pela companhia e até outra oportunidade”.
Minutos depois, suavemente o ônibus estacionou na parada final, num local que era conhecido como Hotel Anápolis. Na calçada daquela velha e maltratada casa de desembarque ele ficou cerca de uma hora sentado, em cima de sua minguada bagagem. Meditava sobre o que poderia acontecer consigo, pois nada conhecia naquele lugar e muito menos no que pretendia morar, que ficava um pouco mais à frente.
Quando o sol começava a esquentar as paredes das casas, apareceu por lá um ancião, com óculos de grossas lentes no rosto, dirigindo uma novíssima Rural, dizendo de viva voz: “Quem vai para Açailândia?
Foi o suficiente, para que em poucos minutos, o seu veículo ficasse lotado e em direção do lugar anunciado seguir ele viagem, aonde chegou por volta das 10 horas, de um ensolarado domingo, último do ano de 1972, a Rural estacionou na frente do mercado municipal, onde estava acontecendo uma feira pública de arromba, ali como cão sem dono ele ficou vigiando as coisas que trazia consigo e pensando para onde iria. Quando de repente, para do seu lado um caminhão carregado com outros aventureiros, como ele. Foi um momento de reflexão, pois a poeira e o barulho eram estarrecedores naquele lugar. Muitas foram às suposições que passaram por sua cabeça. Ele se sentia perdido e sem saber o que fazer. Olhava para o que se passava ao seu redor e viu que muita gente subia e descia o morro que ficava do lado daquela grande feira, que estava repleta de camelôs, quando de repente apareceu na sua frente um simpático ancião de si ele se aproximou e lhe perguntou: “Você espera por alguém? Se precisar de um lugar para se hospedar, eu tenho um hotel, fica perto daqui e com preço bem acessível”.
O forasteiro que estava sem dinheiro e muito cansado da viagem sacudiu a poeira que tomava conta do seu corpo e respondeu ao velho ancião dizendo: Acabei de chegar neste lugar, vim para nele ficar e trabalhar com prótese dentária, não tenho dinheiro e muito menos bens materiais, mas tenho determinação e disposição para vencer as dificuldades que atormentam muitos brasileiros como eu que estou com mais de 30 horas viajando. Portanto, preciso de um lugar para tomar banho, comer alguma coisa e descansar um pouco, se o senhor tiver coragem de hospedar um forasteiro nestas condições, porém honesto, aqui estou a sua disposição.
O velho disse: “Eu sou Manoel de Sousa Primo e a minha esposa se chama Maria de Lourdes Primo, somos donos do Hotel Açailândia. Lá o senhor pode ficar hospedado pelo tempo que necessitar e por preço bem acessível. Para você que está em dificuldade, vou cobrar só 20 cruzeiros por mês, com direito a tomar banho de cuia, café, almoço, janta e dormir em quarto separado dos demais hóspedes que já tenho como fregueses”.
Dito isso, ele pegou a bagagem e levou para a casa de hospedagem, que naquela época era um tanto modesta: coberta com cavacos de madeira e paredes de taipa, o piso era de cimento, a água vinha do riacho Açailândia, em carroça de tração animal. Era colocada em tambores para os hóspedes tomarem banho com cuia. No período da noite, a iluminação era feita com candeeiro de azeite e todos teriam que dormir de rede, pois cama não tinha uma só naquela casa, mesmo assim lá Evangelista ficou hospedado até o dia 31 de março do ano seguinte.
Conforme havia combinado com seus proprietários, em um quartinho daquela hospedaria ele pendurou a sua redinha, no quintal um banho de cuia tomou, trocou de roupa e almoçou carne de veado mateiro com arroz. Depois do almoço descansou um pouco. Lá pelas tantas da tarde, os feirantes começaram a embalar as mercadorias que estavam expostas para venda na feira. Naquele momento, da sua rede se levantou e por maltratadas ruas saiu andando em direção a um barulho de pandeiro e zabumba que tocavam sem parar, um pouco mais em abaixo. Ao se aproximar daquele local, viu pessoas dançando de forma agitada. Com o dono do estabelecimento, Joaquim Conceição Sousa, conversou um pouco sobre as condições sociais e culturais do lugar que acabava de conhecer. Para a sua surpresa, aquele moço deu-lhe informações bastante temerosas ele disse: “Aqui é uma terra sem lei, semanalmente jagunços e pistoleiros matam gente, não existe escola, hospital, médico, dentista, energia elétrica, água encanada e nem segurança pública. Tudo aqui acontece ao bel prazer de cada pessoa, as quais chegam, em comboio diuturnamente e com elas vem mais problemas sociais e de ordem pública”.
Dito isso ele levantou as mãos para o céu e disse: Ai, meu Deus, o que vim fazer neste prostíbulo, um dos lugares mais imundos e pecaminosos que o homem de bem não deve conhecer e muito menos visitar? Como homem temente a Deus, dali se retirou imediatamente para o seu aposento, onde orou e do Grande Arquiteto do Universo pediu luz e sabedoria para enfrentar as dificuldades, que porventura lhe atormentassem naquele lugar.
No dia seguinte visitou a Cooperativa Canguru, onde teve uma longa e proveitosa prosa com, o Sr. Galdino Claudino Andrade, um sujeito bastante educado, que lhe emprestou uma máquina de escrever, na qual escreveu a seguinte informação: Acaba de chegar neste lugar um especialista em prótese dentária, o seu laboratório está instalado no Hotel Açailândia, vale a pena conferir e comprovar o que estamos anunciando.
A mensagem foi entregue nas casas do povoado e em poucos dias começou a aparecer os clientes. Com o dinheiro que ganhava comprou um terreno, no qual construiu uma casa para morar e trabalhar. Numa das suas salas montou o gabinete, o qual deu origem à empresa Comercial Mota Ltda. O restante da casa serviu de garagem, residência e abrigo para as suas meditações culturais e espirituais. A partir de então, ele começou mostrar o que um homem de bem é capaz de fazer pelo progresso do lugar que escolheu para morar.
Com planejamento, determinação e ética, além do que já havia fundado e ajudado manter na senda do amor, em outras oportunidades, idealizou e fundou um ginásio, uma empresa comercial, clube social, duas lojas maçônicas, três associações de classe, três clubes culturais e academias de letras para adulto e crianças. Fez concursos públicos e amizade com todos que atendia no seu estabelecimento comercial e nas entidades que presidiu e prestava serviços, para os quais costumava dizer que o poeta Fernando Pessoa, certa vez disse para um amigo: “Somos o intervalo entre o que desejo ser e o que os outros me fizeram”.
O admirável e imutável em tudo isso é que a história de cada um de nós é única. Somos únicos e insubstituíveis, principalmente quando temos conhecimento e determinação para enfrentar todas as dificuldades, que eventualmente possam lhe atingir.
Se a manhã um de nós não existir, o mundo será diferente, nossa biografia é importante. Por isso, precisamos contar nossa história, escrevê-la e rescrevê-la, quantas vezes for necessário. As maquiagens dão informações descaracterizadas de todas as virtudes da humanidade. O amor, a ética, a honestidade, têm que ser vividos em plenitude e de forma original.
Como não havia ginásio em Açailândia naquela época, logo que lá chegou, escreveu uma carta para o Instituto Universal Brasileiro, de quem solicitou material para o curso de Detetive Particular e da 5º série ginasial por correspondência. O pedido foi atendido e o material enviado via correio dias depois. Quando recebeu as apostilhas, foi se encontrar com o professor José Nunes Silva, com quem conversou sobre a possibilidade de fundar ali um ginásio. O desfecho daquela conversa resultou na fundação do “Ginásio Professor José Nunes”, fundado no dia 3 de março de 1974. Assinaram a ata de fundação, os professores José Nunes Silva, Luís Gonzaga Silva, Sandra Silva, Washington Silva e o estudante Evangelista Mota Nascimento. Como tal, foi o primeiro aluno a se matricular na 5º série, no qual fez até a 6º série.
Por falta de recursos, no final de 1976 o ginásio entrou em decadência e foi fechado. Por este motivo, Evangelista se matriculou no Colégio José Américo de Almeida, fundado pelo professor Dogival Gerônimo da Silva, em março de 1975, onde concluiu o ginásio e o curso de Técnico em Contabilidade, no dia 13 de dezembro de 1980, cuja formatura foi aclamada com a entrega do diploma e este discurso:
Senhoras e Senhores,
Aqui estou com a alma envaidecida, por pensar que em alguns anos passados eu chegava neste Colégio, na condição de estudante da 7º série, quando me foi dada a graça de ser matriculado na 8º série ginasial, matrícula aquela que perdurou até o presente momento. Durante esse período fui orientado pelos professores: Albino Joaquim do Nascimento, Dogival Gerônimo da Silva, Dorneles Malta de Sousa, Dário Brito Cruz, Eduardo Hirata, Hélio Rodrigues Brás, Haroldo Silveira Leite, João Batista Mendes da Silva, Maria Emes, Maria do Nascimento Ferreira, Maria de Lourdes Cardoso, Sílvia Emes, Raimunda Ferreira do Nascimento, Tânia Silveira Leite, Valdomiro Torres Pântono e Zildete Almeida de Sousa. E também, pelos livros que eles adotaram para melhorar o nosso aprendizado. Hoje, na qualidade de concludente do 2º grau, recebo das mãos dos meus queridos mestres o “Diploma de Técnico em Contabilidade”, um documento que me dá direito de exercer a profissão de contador, a qual será desenvolvida com responsabilidade e honradez em todos os trabalhos que irei prestar aos meus clientes. De igual modo deverão fazer os meus colegas, que comigo foram diplomados nesta memorável casa de ensino, os companheiros: Almir de Jesus Nascimento, Antônio Gomes Vieira, Antônio José Almeida Araújo, Antônio Ferreira Miranda, Antônio José de Sousa, Antonieta Gomes Figueiredo, Ana Maria Miranda Cruz, Diram Santos Miranda, Francisco Cardoso Costa, Francisco Sousa Lima, Filina Sousa Alves, Genecy Pereira Lima, Glória Regina Almeida Araújo, Joidelmo de Andrade, Luzia Barros dos Santos, Manoel Sátiro Parente de Sá, Marco Antônio Rodrigues Cruz, Maria Nalva Silva Sousa, Maria Aparecida Alves Brandão, Maria de Lourdes Santos, Maria Francilene Silva, Nilson Ramalho Diniz, Natanael Costa Primo, Ornil Alves Ferreira, Rosilda Pereira Macedo, Rosilene Ferreira Lima, Rosilene Vieira Oliveira, Virgínia Aranha da Silva e Wilson Oliveira da Silva, que há poucos minutos, de viva voz comigo prestaram solene juramento, fazendo compromisso de nunca usar o diploma que acabamos de receber, como instrumento de vaidade pessoal e sim como documento que nos autoriza ao uso da nobre profissão que escolhemos para a manutenção de nossas vidas e de quem mais pudermos ajudar.
Apesar de bem preparado, tenho a convicção de que por muitas vezes será necessário consultarmos os livros e também os mestres que nesta escola nos orientaram a sermos bons profissionais, pois sem as suas orientações a continuação do nosso trabalho poderá não alcançar os resultados esperados.
Aqueles que vierem até nós, em busca de esclarecimentos, haveremos de dar-lhes conhecimento e confiança do que aprendemos para o trabalho que ora se inicia. Pois aqui estamos com a convicção absoluta de que compomos uma equipe de contadores que juntos procuraremos dar a polidez deste colégio que nos premiou como Técnicos em Contabilidade. Procuraremos ainda conservar esta profissão com amor, respeito e, sobretudo, dar aos nossos futuros clientes a qualidade nos serviços que a eles iremos prestar.
Dos nossos mestres e familiares, solicitamos todo apoio necessário para o enriquecimento do trabalho que pretendemos exercer, principalmente, quando estivermos no exercício da profissão, pois sem este apoio nossos trabalhos poderão não alcançar resultado satisfatório.
Aos nossos futuros clientes, peço que nos dê firmeza e coragem para que possamos trilhar pelos espinhosos caminhos que escolhemos como profissão daqui para frente.
Por fim, peço permissão para lembrar a memória daqueles companheiros que já foram convocados para o colégio celestial, os quais, quando em vida deram formação exemplar há muitas famílias. Por terem se conduzido no caminho da retidão, hoje eles colhem os louros dos vossos ensinamentos lá no paraíso.
Senhoras e Senhores aqui presentes, recebam destes novos contadores e amigos os mais sinceros agradecimentos, quando regressarem aos vossos lares, transmitam aos seus familiares e amigos, estas recomendações.
A todos, nosso muito obrigado.
No final do mês de fevereiro de 1981, foi convidado pelo professor Raimundo Silva Porto, para ministrar uma palestra cultural na escola Dr. José Sarney, para alunos da 4º série. O convite foi aceito e agendado para as 14 horas do dia 3 de março. No dia e hora marcadas ele adentrou no recinto da escola que iria ministrar a palestra, onde fez o que todo palestrante faz ao se apresentar ao público. Em seguida, usou de alguns conhecimentos, pausadamente passou a expor para 28 alunos o assunto em pauta “História do Maranhão”.
Mesmo com algumas limitações sobre o assunto, ele expôs o que estava programado. Foram cerca de 60 minutos de conversa e 30 de perguntas, todas respondidas a contento. No momento que deu a palavra final. A partir de então, passou a fazer parte do corpo docente de professores da escola, trabalho este, que foi continuado em outros estabelecimentos educacionais da rede privada e pública, até os dias de hoje.
Em julho de 1983, foi à capital do estado prestar vestibular para medicina na Universidade Federal do Maranhão. Entre os 416 candidatos concorrentes, conseguiu se classificar em 10º lugar. E foi com a ingenuidade de um calouro, que dias depois de ter saído o resultado dos aprovados em tão concorrido concurso, que Evangelista entrou pela primeira vez em uma universidade Federal.
Na sala de entrada da reitoria ele viu pendurados pelas paredes, vários quadros com fotografias dos ex-professores que por ali passaram e deram àquela instituição as suas contribuições. Viu também, que no meio daquele casarão de arquitetura neoclássica, havia um pequeno jardim e uma estátua de uma pessoa, esculpida em bronze. Um pouco mais a frente, viu várias salas, as quais tinham portas e janelas de vidros coloridos, nelas funcionavam os laboratórios, refeitórios, bibliotecas e salas de aulas teóricas.
Na entrada principal da biblioteca estava escrito a seguinte inscrição: “Ele acendeu e transmitiu a flâmula sagrada; o princípio que traz o seu nome é iluminado, os espaços celestes dos que aqui chegaram com objetivo de contribuir com o crescimento desta casa de ensino superior, que continua pesquisando fórmulas mais compreensíveis para o conhecimento cultural e social de todos nós”.
O acesso para cada uma delas dava-se por passarelas com piso de cimento e coberturas com telhas de barro, nas suas laterais haviam vários bancos construídos com granito, que exibiam nos encostos, nomes de empresas comerciais, certamente as patrocinadoras daquelas estruturas. Em um daqueles bancos ele se sentou da bolsa tirou o seu diário e com uma caneta esferográfica escreveu a movimentação das pessoas que por ali passeavam gente que comia sanduíche e tomava refrigerante, outros mascavam chicletes e namoravam.
Como fazia poucos dias que aquela universidade havia divulgado a relação dos aprovados no curso de Medicina, por ali se encontravam outras pessoas com boinas verdes nas suas cabeças, um disfarce que ele deixou mais à vontade para ir até a cantina tomar um suco de fruta. Enquanto degustava aquela bebida, passou por si uma moça a quem ele perguntou: Onde fica o departamento de matrícula do curso de Medicina?
Bem ali, ela disse e com a mão direita apontou a direção de uma sala de três compartimentos que estava na sua frente. Ele agradeceu a informação e imediatamente foi para o lugar indicado pela moça. Quando lá chegou, foi por uma distinta senhora de meia idade recebido na porta de entrada e com doces palavras ela perguntou o que vossa excelência precisa?
Ainda um tanto acanhado, do bolso tirou a carteira de identidade, o certificado de conclusão do segundo grau, o diploma de Técnico em Contabilidade e a prova de que tinha passado no vestibular de medicina daquela Universidade e entregou para aquela simpática senhora, que no mesmo instante deu uma rápida olhada na documentação para conferir se tudo estava correto. De cara viu que ele era um homem de grande conhecimento, a menor nota que tinha no seu boletim escolar era 8,5. O seu nome expressava algo muito extraordinário, um sinônimo de religiosidade. Viu também, que ele tinha sido o 10º em classificação daquele curso. Em seguida ela preencheu e assinou a sua ficha de matrícula e entregou-lhe o calendário de aulas e as disciplinais que haveria de estudar naquele primeiro semestre.
Como qualquer outro calouro, ele entrou naquela universidade cheio de entusiasmo, no entanto, não demorou muito para começar a aparecer às dificuldades e as decepções e assim se foi até a metade do mês de maio de 1986, quando fazia o 8º período de Medicina. Naquele mês o seu filho caçula bateu com a cabeça, num espelho que estava pendurado na parede da sala que ele brincava. Por causa do impacto, o espelho se fragmentou em vários pedaços de vidro, que caíram em cima de si, minutos depois estava com febre alta, seus pais levaram-no ao hospital de plantão imediatamente, lá foi examinado e medicado pela Drª. Maria Alice e mandado pra casa. Dias depois ele demonstrava está com depressão, preocupado com seu estado de saúde, seus pais levaram-o a outros pediatras, os quais solicitaram dezenas de exames laboratoriais, mas nenhum deles diagnosticou a doença da criança, que a cada dia ficava mais deprimida.
No dia 17 de maio e 6 de junho de 1988, ele foi examinado pelos doutores: Benjamin Ohana, Saul Raychtock e Enemezio Martins, os quais decidiram a sua transferência para o Hospital de Base, em Brasília. A consulta foi agendada para as 10 horas do dia 25 de julho do ano seguinte.
Em Brasília ficaram na cidade de Taguatinga hospedados na casa de parentes, no início da noite ele teve febre, foi levado a um pronto socorro, o médico de plantão receitou ASS infantil e o liberou para ser medicado em casa. Minutos depois de ter tomado a medicação dormiu serenamente com seus pais que se deitaram na mesma cama. Ninguém viu, mas por volta das 5 horas do dia seguinte o seu coraçãozinho deixou de bater, sem alarme ele faleceu, mas a fatalidade só foi percebida no amanhecer do dia.
A morte do Juninho deixou os seus pais desesperados, mesmo assim tiveram força para providenciar o translado do seu corpo para Açailândia, onde foi velado e sepultado no dia 28 de julho de 1989.
Por não ter trancado a matrícula, durante os quase três anos que Evangelista ficou cuidando da saúde do seu filho, foi jubilado. Um fato lamentável, mas foi o que aconteceu, isso lhe causou tristeza e constrangimento, por ter perdido a oportunidade de realizar o seu maior sonho, o de se formar em medicina.
Por ter passado quase três anos, dedicando todo o seu tempo buscando a cura do filho em vários centros médicos do Brasil, ter gastos valores bastantes altos com viagens, hospedagens e alimentação no período que buscava a recuperação do Juninho, em cujo período além de ter abandonado a faculdade, deixou de dar assistência as suas atividades comerciais. Isso foi decisivo, para que tudo que tinha em bem materiais fosse vendidos. Por este motivo, alem de ter perdido o curso de medicina, teve que trabalhar de empregado, ganhando um salário mimo vigente no país, que na época era de R$ 25,00 (vinte cinco cruzeiros), ministrando aulas para alunos de 5º a 8º série. A esposa foi ser secretária de um uma empresa madeireira.
Mas como bem disse a escritora Rosana Braga: “O charme da história e sua lição enigmática consistem no fato de que, de tempos em tempos, nada muda e mesmo assim tudo é completamente diferente”.
Pensando nesta e outras frases às 11 horas do ano seguinte ele foi à sala de janta almoçar uma buchada de bode. Ao chegar à mesa, toca a campainha, na porta da frente. Como estava sozinho, imediatamente foi atender o chamado. Para sua surpresa, lá estava o Dr. José Marques Gonçalves, um velho amigo do seu tempo de universidade, que vinha lhe visitar. A conversa foi familiar e descontraída, enquanto os dois almoçavam. Marques falou da sua nova especialidade, a de cirurgião dentista, do Disco Fascinação que havia gravado (uma história de pura determinação Divina), que estava fazendo o maior sucesso nas paradas musicais do país e com isso entrou no assunto que pretendia explorar naquele encontro de amigo.
De forma simples, porém sincera, ele disse: “Amigo, apesar da distância que tem nos separado nestes últimos anos, estou seguindo os seus passos pelos jornais e outros meios de comunicação de massa existente neste imenso país. Através de amigos dos nossos velhos tempos de faculdade, fui informado que você perdeu o seu curso de medicina, o que me deixou preocupado e triste, pois eu sabia que era o seu maior sonho, um dia ser empresário, médico, escritor, filósofo e professor. Preocupado com isso, vim até aqui para lhe oferecer uma ajuda”.
Que ajuda?- Perguntou. “As instituições financeiras têm linhas de crédito para financiar estudante de nível superior, o juro é acessível, com este dinheiro você paga a mensalidade de uma Universidade particular, aluguel, transporte e alimentação até terminar o seu curso. Com o diploma na mão, não lhe vai faltar serviço, pois você já é um profissional, o que lhe falta é habilitação e isso pode ser rapidamente conquistado, basta participar de todas as aulas e debruçar-se sobre os livros e fazer os trabalhos solicitados pelos professores”.
Quase sem palavra ele agradeceu as sugestões do amigo, mas lembrou-o de que a burocracia brasileira tem desestimulado muitas pessoas a seguirem em frente com seus projetos, principalmente nos que precisam de investimentos financeiros e de forma simples parabenizou o ex-colega de faculdade, sobre sua nova especialização e a triunfante coragem de ter lançado um disco musical. Agradeceu também a visita que ele acabava de lhe fazer e pelas valiosas sugestões que foram para si como um grande presente.
Naquele momento o telefone toca, ele pediu licença ao amigo e foi até a sala que estava o aparelho chamando sem parar. Quando tirou o interfone do gancho, ouviu do outro lado da linha uma voz sorrateira dizendo: “Prezado senhor, nesta manhã recebemos do Dr. Marques um e-mail lamentando que um dos seus maiores amigos, havia sido jubilado do curso de medicina que estava próximo de ser concluído na Universidade Federal do Pará. Lamentou ainda a burocracia e a rigidez daquela instituição de ensino superior em ter lhe cortado do seu quadro de estudante um aluno dedicado, sem antes procurar saber o que lhe levou a ficar sem estudar. Como já passamos por situação idêntica, pretendo te ajudar a resolver este caso, disse o interlocutor que estava do outro lado da linha e desligou o telefone”.
O Dr. Marques estava do lado, portanto notou que o amigo tinha mudado de cor, logo que o telefone foi desligado e perguntou-lhe: “Quem estava ao telefone falando com você?”
Um desconhecido que não quis se identificar, apenas disse que lhe conhecia e lamentava pelo que tinha acontecido comigo e se ofereceu a me ajudar, arranjar uma faculdade particular para que eu pudesse me formar, respondeu.
Dr. Marques que já havia terminado de almoçar ficou agradecido e foi descansar no quarto de hóspede que ficava do lado da sala de jantar e Evangelista entrou no quarto de dormi. Uma hora depois de lá saiu, com os olhos avermelhados e os passos vacilantes, a boca contraída e os cabelos em desordem. Na escrivaninha se sentou e escreveu uma carta ao desconhecido que lhe prometia ajudar a conseguir uma faculdade para estudar e se formar. Depois que a carta ficou pronta colocou-a no envelope, retornou ao seu aposento de descanso, tomou um banho, vestiu-se com uma roupa nova e na porta da frente de sua casa ficou conversando com o amigo que também já tinha se levantado da cama. Os dois por ali ficaram esperando passar um táxi. Não tardou, um carro de aluguel cruza aquela rua, com um simples sinal pedindo parada ele estacionou. Com sua esposa e o amigo Evangelista foi apresentar ao ilustre visitante os pontos turísticos da cidade que morava.
Em um confortável ambiente de lazer deram uma parada. Lá desceram do veículo, pagaram a conta e dispensaram o taxista. Com a esposa e o amigo Evangelista dividiu atenção, tomaram sorvete de fruta e comeram pizza de framboesa com suco de laranja.
Como já estava se aproximando do horário de partida do amigo, Evangelista chamou um táxi e nele foram para a rodoviária. Lá ele tirou do bolso a carta e para o amigo entregou dizendo: Leve este documento e entregue para o seu amigo, ele tem algo interessante para te falar. Deu o telefone e o endereço do encontro que os dois haveriam de ter logo na semana seguinte.
Dr. Marques, que também é poeta, ali se despediu dizendo: “Daqui saio alegre por ter visto o amigo com sua família, todos com saúde, ética e determinação para em tempo hábil, escrever e entrega-me um documento que certamente vai lhe ajudar terminar o seu curso de medicina, o qual fará de si um grande profissional da área mais carente neste país”.
Foi uma demonstração de respeito que o doutor José Marques Gonçalves deu para o amigo Evangelista Mota Nascimento e sua esposa Raimundo Ferreira do Nascimento, que concordaram com a frase: “Tudo neste mundo tem o seu dia para acontecer”; uma demonstração de que aquele encontro foi programado por Deus para acontecer naquele dia e de forma espirituosa.
Já era noite, quando Dr. Marques embarcou para a cidade que morava, onde iria cumprir tudo que havia agendado com o amigo, que tinha perdido o direito de estudar numa universidade pública, uma intenção fraterna de ajudar quem de ajuda precisasse e como tal, ele agradeceu-o pela visita. A conversa e as sugestões que lhe oferecia, pois todas eram de grande valor profissional. E acrescentou: Você foi e será meu eterno padrinho, um amigo do coração, aquele que nunca falha e com um triplo e fraternal abraço, ali os dois se despediram exatamente na hora do embarque, o ônibus partiu levando um amigo para outro lugar distante, onde tudo que combinaram foi rigorosamente cumprido.
No final do ano de 1991, Evangelista foi ao Rio de Janeiro tratar de alguns negócios particulares. Quando passeava pela Av. Ernâni do Amaral Peixoto, Niterói, viu na casa de número 836, escrito com letras grandes o nome de “Centro Educacional de Niterói”, que era conveniado com a Fundação Brasileira de Educação Superior, que fazia Capacitação e Aperfeiçoamento Profissional de Professores de 1ª a 4ª Série, nos termos do Art. 16 da Lei nº5692, de 11 de agosto de 1971.
Empolgado com o que estava escrito na parede daquela casa, ele ali adentrou para conhecer melhor aquela instituição e lá dentro teve a felicidade de se encontrar com a Pedagoga Maria de Lourdes, que morava na cidade de Imperatriz, Estado do Maranhão, conversando com Nilde Pereira Muniz, Diretora Regional do MEC, sobre a possibilidade de montar nas cidades de Açailândia e Imperatriz um polo de capacitação de professores apoiado por aquela magnânima instituição de ensino superior. A ideia era tão boa que ele agradeceu e incentivou ainda mais aquelas autoridades educacionais a levarem adiante o projeto em discussão.
No dia 23 de julho de 1992, o curso foi instalado em Açailândia com 43 alunos matriculados, entre tantos, estava Evangelista Mota Nascimento, que com dedicação e responsabilidade, no dia 24 de julho de 1994, foi diplomado professor de 1ª à 4ª série, cuja diplomação foi sequenciada, por várias outras, até porque já exercia tal profissão, desde o mês de março de 1981.
Em julho de 1998, a professora Laura de Jesus Oliveira instalou em Açailândia, o Instituto de Ciências Filosóficas do Maranhão, que deu seguimento a formação de muitos professores na cidade, entre tantos, lá estava o guerreiro e esforçado professor Mota, que no dia 2 de fevereiro de 2003, foi diplomado em Filosofia, pela Faculdade Associada de Filosofia, Teologia, Ciências Humanas e Sociais de São Paulo.
Pelo fato de estudar em tempo integral em Imperatriz, a 72 quilômetros de Açailândia e à noite ainda ter que ministrar aulas para 5 turmas da rede municipal, ele dormia muito tarde, porém cedo já estava acordado.
Leitura de livros e trabalhos escolares fazia a bordo do ônibus que o levava a faculdade, onde também se formou em Pedagogia, um ano depois.
Aquele excesso de estudo e trabalho deixava-o sem tempo até para comer e cuidar de sua família. Apesar de tudo isso, trabalhava com entusiasmo e bem humorado e de nada reclamava. No dia que se formou, disse para os colegas e professores, algo mais ou menos assim: Nesta memorável noite, quis o Grande Arquiteto do Universo, que todos nós estivéssemos aqui para Dele receber bênçãos de gratidão pela conclusão de mais um curso, uma investidura que fará de nós eternos sacerdotes da educação, portanto somos bem aventurados. Digo isso porque as coincidências existem, mas nunca declinam contra a carreira que escolhemos.
Somente o Divino Criador de todas as coisas, pode negar novos horizontes para aqueles que não tiveram a felicidade de nascer. Só Ele pode nos dar o privilégio de ter nascido e aqui estar para comemorar essa silenciosa e fria noite de onde vamos viajar para outros lugares mais longe, para ver aqueles que estão com outros irmãos elevando orações, e professando cânticos de fé.
Portanto, ainda dirão que isto sempre foi assim e existem naqueles que veem a educação como sendo coisa separada do resto da sociedade e isso não podemos aceitar, porque somos testemunhas de boas informações. São vários os motivos que me deram alegria nesta memorável noite. Entre os 11 filhos que meus genitores geraram, eu fui o único que, a duras penas, conseguiu se formar e em mais de um curso superior.
Em 1999, prestou concurso público para professor municipal, entre os mais de mil candidatos que concorria as 250 vagas disponíveis, ficou em 18º lugar. A partir de então a profissão que exercia desde 1981, foi definitivamente regulamentada.
Em janeiro de 2004, iniciou no Centro de Avaliação, Planejamento e Educação do Maranhão a sua Pós-Graduação, especializando-se na Educação do Ensino Superior, curso aquele que terminou em março de 2005. A partir de então, compreendeu que a educação e os livros quando bem usados, fazem parte da mais completa cultura que o homem já pode alcançar no decorrer de sua vida, mesmo que não tenha o apoio da família, como foi seu caso, pois tudo que aprendeu, foi por iniciativa e determinação própria.
No dia que recebeu das instituições que se formou, os Históricos Escolares e Certificados de conclusão dos cursos superiores que fez, saudou os seus dirigentes com estas palavras: Se observarmos o que o conhecimento é capaz de fazer no homem é possível ver o coração, fazem chover amizade sobre as criaturas humanas, tanto quanto o firmamento faz chover nos campos mais áridos e tristes da face da terra. A orvalhada das noites, que se esvaem com os sonhos de manhã, ao cair das primeiras flechas de ouro do disco solar que brilha na nossa mente, os quais geram grandes conhecimentos e fazem parte da visão intelectual dos que estudam e ensinam outras pessoas carentes de conhecimentos.
Embora o realismo dos adágios teime no contrário, o arrojo de enfrentar pelo menos uma vez a sabedoria dos provérbios das escrituras sagradas e dos livros que lemos no caminho da faculdade, certamente eles me disseram: “O maior pecado do homem é não saber como é certo, o que corre neste mundo, ou, pelo menos, muitas e muitíssimas vezes não se espalham pelos que não têm o hábito de ler, estes sim, vivem longe do coração daqueles que pensam que a filosofia do saber é a ciência das letras”.
A mente e o coração de quem ler muito é bastante fértil. Há, nele, mais que um prodígio moral e filosófico. Porque ele é o órgão da consciência, da fé, da esperança, do ideal e da vida e do conhecimento humano. Por isso é que os livros saem da odisseia e sobem na arte da compensação do povo, dos costumes da liberdade e da república das letras, que prosperam os estados, que moralizam as sociedades honradas e nações de qualquer fronteira. Quis com isto enfatizar que o aprendizado não está na língua que estudamos e sim no entendimento da interação das forças que a natureza projetou para cada um de nós. Isso também diz que o segredo do bom entendimento está na observação dos fenômenos existentes na face da terra, na sinceridade absoluta para conosco mesmos que no aprendizado de sua linguagem gráfica, ou no movimento das linhas que você mapeia para andar durante a sua vida por elas.
Para os olhos mortais do homem, a educação é o mais velho dos princípios que regulamenta a palavra, e ela foi escrita à mão na primeira página de seu livro, antes mesmo de ser pronunciada. Alguns cientistas crêem que ela seja cega, enquanto outros, talvez mais sabiamente, alegam que ela viaja cegamente e que, na verdade, não possa ver nada, exceto - enxergar os finos traços das aspirais e galáxias derramadas no vazio que o conhecimento do homem reservou para ele.
Neste contexto o conhecimento afirma que só existem dois dias do ano sobre os quais nada pode ser feito. Um deles se chama ontem e o outro é o amanhã. Portanto, hoje é o dia certo para você amar, sonhar, ousar, produzir e acima de tudo acreditar que a educação traz conhecimento para aqueles que antes mesmo de nascer, foi iluminado por Deus para pensar e agir com ética.
O conhecimento é o poder da força, da vontade e do livre arbítrio que o ser humano possui para transformar muitas e muitas coisas dentro dos limites impostos pela natureza na sua alma, a genética e o mundo externo de cada um de nós. Muitos destes limites são intransponíveis e a isto chamamos de falta de determinação, ou mesmo de vontade em fazer o que tem que ser feito, mesmo que não possa atravessar seus limites. Portanto, considera-se este poder de transformar como sendo uma reação elaborada por situação existente, através das conquistas de sua liberdade interior.
O homem não pode modificar um dia de chuva, mas pode aprender o gostar de um dia chuvoso. Não pode transformar a violência em descontrole do mundo, mas pode aprender a proteger e se distanciar dela. Talvez não possa modificar as antipatias que alguém sente por você, mas pode modificar a forma com que elas possam ser respondidas sem deixar sequelas graves. Não existe deficiência que o homem não possa transformá-la em eficiência e de boa qualidade.
Se tiver alguém vivendo com negatividade, o homem saberá como modificar e assim evitar que sua negatividade desequilibre sua vida. O ser humano aprende a superar as limitações que a vida lhe impõe, desenvolver as outras capacidades e potencialidades que ele ainda não desenvolveu. Dessa forma, acredita-se que tudo neste mundo pode ser transformado e nada deveria tolher a capacidade de alguém ser feliz e fazer muito mais pelos que precisam dos seus feitos.
No mundo inteiro há milhões de pessoas que são felizes quando nada a sua volta tem cara de felicidade e foi pensando nesta felicidade, que passamos por muitas provas de ensinos familiares, políticos, sociais e universitários. Sobre isso tenho refletido sobre a importância do conhecimento adquirido nos intermináveis anos de estudos e muito sofrimento que cada um de nós está sujeito a passar para concluir um curso superior, pois no nosso modesto ponto de vista, o mundo não se importa nem um pouco se você vai ter sucesso ou não, mudar para melhor ou pior. Sua atitude diante da vida não afetará o mundo tanto quanto afeta você mesmo.
O fato de que alguém possa ser considerado, educado, inteligente ou abastado de bens materiais, não será o mais importante, o que importa são as boas atitudes que ele apresenta e pratica para o engrandecimento de sua própria vida e dos seus semelhantes.
As pessoas que praticam atitudes positivas, certamente vão desenvolver de forma criativa as suas inteligências, as quais devem proporcionar para si mesmo o que pode possibilitar as dificuldades que lhe cercam no dia-a-dia de labuta. Quando melhorar a sua atitude, automaticamente melhor será a sua capacidade de compreender verdadeiramente, como refletir as coisas que o cercam. Se quiser demonstrar uma expressão com o olhar, precisa pensar, para ter certeza de que é aquilo que a sua alma está esperando. Ninguém, absolutamente, pode mudar a imagem que seus olhos projetam sem antes mudar a maneira de pensar.
Você descobrirá que uma grande atitude poderá criar grandes oportunidades, um processo que pode faz de você uma pessoa ainda mais feliz, aquela que se descobre e produz mais, em menos tempo. É neste caminho que encontramos as coisas boas que procuramos. Se traduzirmos isso para a realidade física do pensamento é possível manter a mente num campo ainda mais fertilizado pelo conhecimento.
Quando nossas atitudes são corretas, nossas capacidades alcançam o máximo, o que é seguido sempre de bons resultados. As atitudes corretas permitem que as pessoas desenvolvam suas lideranças e obtenham algo bom para todas as situações. Já percebeu que, quanto mais alto chegar numa organização, melhor são as pessoas que vamos conquistar naquele e em outros ambientes.
Se você acompanhar conscientemente as suas atitudes, vai passar a conhecer melhor as pessoas com quem entra em contato, como se fossem as mais importantes na terra, mesmo não sendo iniciado no mérito. Se tratar todos dessa maneira, vamos começar a formar um hábito essencial de amor e respeito do trabalho que fazemos.
Foi refletindo e imaginando assim, que encontramos caminhos para reavivar a alma, porém sem esquecer que a humildade, a simplicidade e a disposição de ouvir, sugerir e aceitar sugestão em todos os seguimentos da vida de cada um de nós.
4º ATO
Mesmo tendo iniciado a formalização de sua primeira empresa no dia 14 de março de 1974, as suas atividades comerciais começo no dia 29 de agosto de 1967. Nesta data, ele foi ao povoado Estreito, Município de Tuntum, um lugarejo que ficava cerca de duas léguas da casa que morava com seus pais. Lá chegando encontrou o jovem José Pereira da Costa, agonizando com dor de dente. Ele pedia por todos os santos um dentista para extrair o seu dente, como Evangelista já havia recebido instruções do professor Luciano, sobre o assunto, imediatamente pediu que fervesse uma água e depois que esterilizou os instrumentos que levava consigo, anestesiou e extraiu o dente do rapaz.
Como tudo que faz tem a bênção de Deus, aquele trabalho foi um sucesso e assim a notícia correu por toda vizinhança que ali acabava de chegar um doutor dentista. Trinta dias depois ele voltou àquela comunidade para fazer a prótese dentária do cliente. Pelos serviços cobrou CR$ 20.000,00 (vinte mil cruzeiros). A partir de então, ele tomou gosto pela profissão, conseguiu muitos outros clientes e se profissionalizou em protético dentário, cuja profissão deu-lhe condição de sair do seu torrão natal para mascatear novos mercados em outros lugares.
Como não tinha dinheiro para comprar o que pretendi vender para o povo carente da região que vivia, foi a Farmácia dos Pobres e nela comprou alguns produtos farmacêuticos. O valor da sua primeira compra foi de CR$ 16.000,00 (dezesseis mil cruzeiros). A mercadoria foi colocada numa mala e com ela nas costas ele foi ao povoado Lagoa Nova, que ficava cerca de duas léguas da cidade. Lá ficou hospedado na casa do José Bezerra Araújo, o popular Zé André, onde rapidamente vendeu toda mercadoria e fez também, alguns trabalhos dentários, o que aumentou ainda mais o apurado, cerca de CR$ 30.000,00 (trinta mil cruzeiros). Quando retornou à cidade, foi direto à farmácia que havia feito a compra, lá chegando, do bolso retirou o dinheiro e disse para o gerente Sebastião Mota: traga a minha conta, aqui está o seu pagamento. Calma, disse ele. Primeiramente veja o que vai precisar para a próxima viagem. Pelo que já levou só vou cobrar a metade, o restante é uma ajuda que lhe dou para comprar o seu fardamento colegial e outros adereços pessoais. Suspirei fundo e me senti mais à vontade com o patrão.
O ganho que teve com as vendas e trabalhos protéticos que fez naquela primeira viagem como “Mascate Viajante”, pelos arredores da cidade de São Domingos do Maranhão, com uma enorme mala nas costa deu para pagar a pensão e comprar o fardamento escolar e ainda sobraram algumas moedas, que foram guardadas dentro de um cofrinho de barro.
Como não lhe faltava determinação e vontade para trabalhar agendou para todos os fins de semanas e feriados, sair a pé pelos arredores da cidade vendendo alguma coisa e fazendo prótese dentária. O dinheiro que ganhava era depositado no cofrinho do patrão. Um ano depois, ele foi a uma loja de departamento, lá foi atendido por um simpático senhor de poucos cabelos, que atendia pelo nome de Juarez Nascimento, o qual lhe vendeu uma bicicleta Monark Barra Circular, por CR$ 160.000,00 (cento e sessenta mil cruzeiros). Como só tinha CR$ 130.000,00 (cento e trinta mil cruzeiros), os trinta mil restante foi faturado em três notas promissórias de CR$ 10.000,00 (dez mil cruzeiros) cada, ou seja, 30, 60 e 90 dias e assim ele assinava a sua segunda nota de crédito, o qual foi ampliado até os atuais dias e certamente serão enquanto vida tiver, com honradez e sinceridade.
Como ele não sabia andar de bicicleta, da loja saiu empurrando a sua magrela em direção de sua casa. Logo na primeira esquina passou por um grupo de rapazes que estava na calçada de um barzinho, não deu outra, eles gritaram: “Olha o tabaréu empurrando a bicicleta!
Aquilo não lhe incomodou e com passos firmes foi até a praça central dar as suas primeiras pedaladas, as quais certamente foram desajeitadas, porque ele nunca havia andado de bicicleta. Naquele momento, passava por lá a polícia de trânsito e lhe advertiu com alguns silvos, mas ele não conhecia sinal de trânsito e nem entendia o que era silvo, portanto, continuou pedalando o seu veículo por aquele passeio e aquilo aumentou ainda mais a gritaria e a gozação da molecada, eles gargalhavam ao seu redor.
Em nome da lei, a polícia prendeu sua bicicleta. Como nada mais poderia fazer dali, ele saiu andando de cabeça baixa pela calçada, em direção da loja que havia comprado a sua magrela. Lá chegando procurou o gerente, mas ele havia acabado de sair de viagem e só voltava no mês seguinte. Um tanto constrangido com aquele acontecimento, foi à casa do vereador Sebastião Mota, mas ele também não estava, havia viajado e só retornava na semana seguinte. De lá foi à residência do vereador João Torres, mas ele também havia viajado. Restava então falar com a diretora da escola que estudava, mas ela também não estava em casa, estava viajando e não tinha data para retornar.
Preocupado com aquela falta de sorte, ele teve uma nova ideia, ir à delegacia de polícia, falar com o delegado e dele pedir a devolução de sua bicicleta, pois era tudo que tinha conseguido para ser o seu veículo de trabalho nas viagens que fazia pelos arredores daquela cidade, como mascate viajante, nos fins de semana e feriados. Mas como já era noite deixou o seu plano para o dia seguinte.
Quando o dia amanheceu, um café com beiju de tapioca tomou, fez sua costumeira higiene corporal e em seguida foi à delegacia de polícia. Lá chegando, foi recebido por um sujeito de poucas palavras que estava armado até os dentes, suas roupas eram de cor escura e cheias de emblemas. Aquele homem com cara de mal, logo foi lhe solicitando os documentos de identificação e também perguntando o que queria com o delegado.
Espantado com o que via na sua frente disse: Não tenho documento e quero a minha bicicleta de volta, aquela que você prendeu na Praça Getúlio Vargas, no fim da tarde da última sexta-feira.
Qual bicicleta? - perguntou aquele guarda policial.
Aquela que está acorrentada na grade do portão. O guarda lhe disse: “Só não lhe prendeu agora porque você está uniformizado com a farda oficial da escola que estuda e acrescentou vá embora, antes que lhe bote no xadrez! Você está sem documento e hoje é feriado, o delegado só atende nos dias de trabalho e em horário previamente agendado com os advogados processantes”.
Diante daquelas ameaças Evangelista ficou um tanto desapontado e sem saber o que fazer, mas em um instante obedeceu às ordens do policial e retornou para o lugar onde morava.
Na segunda feira e no horário comercial, lá chegou e novamente foi recebido pelo mesmo impetuoso soldado que logo foi informando-o: “O delegado está em audiência e não vai poder recebê-lo, volte outro dia, o seu caso é gravíssimo e só será resolvido através de um processo formalizado por um advogado.
- Que crime eu cometi? - Perguntou para aquele militar intimidador.
“Você desobedeceu às ordens da autoridade”, respondeu o guarda.
- Como, se não disse uma só palavra na hora que você prendeu a minha bicicleta?
“Ora, foram muitos silvos que soprei e você não parava de pedalar a sua magrela, somente na terceira volta é que pude lhe botar a mão, isso é desobediência a autoridade”.
- Não sei o que são silvos. Na terra onde morava, quando a gente queria parar alguém gritava pelo seu nome e o senhor não fez nada disso, respondeu com muita educação.
“Olha moço, acho que estamos jogando conversa fora, faça o que estou lhe recomendando e somente depois das 9 horas é que o doutor delegado vai lhe receber e com ele você acerta as suas contas direitinho, disse o guarda para o dono da bicicleta apreendida na praça pública daquela cidade”.
Acho que o senhor é quem está mal informado, não tenho conta alguma para acertar com o delegado, o que devo é nas Casas Pernambucanas, a primeira prestação vai vencer daqui a 25 dias e se Deus permitir e vocês deixarem, ela e as duas restantes vão ser pagas nos seus respectivos vencimentos.
“Não é deste débito que estou falando, mas sim da multa sobre a infração que você cometeu ao passear de bicicleta em praça pública, o que é proibido e por isso será cobrado a bagatela de três salários mínimos vigentes no país”.
- Quanto é esse tal de salário mínimo? Perguntou o dono da bicicleta.
“Vinte cinco mil cruzeiros”, respondeu o soldado.
Mesmo ainda sendo um rapaz tabaréu, depois daquelas informações, nada mais perguntou àquela autoridade que cumpria ordem do delegado Espedito.
No dia e hora marcada na delegacia, ele chegou sozinho para falar com o delegado, um sujeito que usava um enorme bigode, óculos escuros, roupa preta e falava como muita autoridade, mesmo assim aquele jovem homem disse-lhe:
“Quero a minha bicicleta, não tenho dinheiro para pagar multa, tudo que aconteceu foi por falta de conhecimento, aqui estou para estudar e trabalhar na paz e na amizade. Por enquanto, aqui estou estudando e trabalhando como mascate viajante, mas em breve serei um vencedor, uma autoridade como você, que merece respeito e atenção”.
Como homem da lei, ele entendeu a solicitação daquele jovem estudante e imediatamente, determinou a um de seus seguranças que entregasse a bicicleta, porém recomendou-lhe:
“Não ande mais de bicicleta pelos passeios públicos e acrescentou, tenha-a como um transporte, quase que inofensivo, porém quando é usado de forma correta e pelas vias legais” - disse o delegado Espedito.
O que aconteceu com um jovem estudante do ensino fundamental em uma praça pública de uma cidade da região dos cocais maranhenses, lá pelas tantas do mês de maio de 1971, está acontecendo em muitos outros municípios brasileiros. Autoridades que não sinalizam corretamente os seus logradouros públicos e abusam das funções de que estão investidas, principalmente com as pessoas desinformadas.
5º ATO
O namoro é uma instituição de relacionamento interpessoal não moderna, que tem como função a experimentação sentimental e/ou sexual entre duas pessoas através da troca de conhecimentos e uma vivência com um grau de comprometimento inferior à do matrimônio. A grande maioria utiliza o namoro como pré-condição para o estabelecimento de um noivado ou casamento, definido este último ato antropologicamente como um o vínculo estabelecido entre duas pessoas mediante o reconhecimento governamental, religioso ou social.
Por assim ser, relata-se aqui como Evangelista namorou pela primeira vez e como tudo aconteceu, lá pelas tantas do mês de julho de 1970, época que Francisco Mariano Pereira, contratou o cantor José Augusto para fazer um show no Clube que ele presidia em São Domingos. O cantor chegou de avião e para chamar atenção, antes de pousar numa improvisada pista de chão batido, fez várias acrobacias em baixa altitude pelo centro da cidade, aquilo chamou atenção de muitos e até deixou alguns alvoroçados.
Quando pousou naquela pista empoeirada, foi recepcionado pelo presidente do clube e muitos fãs do ilustre cantor. No meio daquela gente estava uma linda moça, que suava muito no meio daquela multidão e perto de si estava um jovem rapaz, que educadamente retirou do bolso um lenço branco e para ela entregou dizendo:
“Este pedaço de pano é para você enxugar o seu lindo rosto, que se derrete pelo calor desta terra cheia de poeira”.
Com simplicidade e educação ela aceitou o lenço, com ele enxugou o suor que escorria no rosto, ao devolver disse para o rapaz: “O seu lenço está perfumado com mirra, o mais puro incenso retirado do cravo, uma planta que gostaria de ter plantado no meu jardim, um lugar, onde passo todos os dias para respirar o aroma que a natureza nos proporciona, gratuitamente, no seu dia-a-dia de luta e muita competitividade pela sobrevivência da vida”.
Por ser muito tímido, ele se fez de surdo, porém com sagacidade disse: “Compreendo a sua comparação, no entanto, este lenço só foi perfumado com amor e carinho, o que realmente cheira aqui é o perfume da beleza que enfeita este ambiente, cujo buquê gostaria de tê-lo plantado no coração do meu lar, que apesar de modesto, tem espaço para uma rosa como você”.
E assim foi rolando uma descontraída e discreta conversa entre os dois, que já se olhavam com mais aproximação e também, trocaram alguns gestos, o que aproximou ainda mais um do outro naquele lugar.
Em seguida o rapaz perguntou para ela: Qual o seu nome?
“Rosa e você é o Cravo que perfuma este lugar? Respondeu a moça o rapaz que lhe olhava sagazmente no meio daquela multidão.
Sim, ele respondeu.
Naquelas alturas o avião já taxiava na cabeceira da pista que fervia de calor e poeira.
Naquela época Evangelista tinha 20 anos, alto e magro, não exageradamente, a pele bronzeada, cabelos curtos e castanhos, barba raspada, olhos castanhos e nariz afilado, trajava-se socialmente com roupas bem passadas, camisa de mangas longas com bordas metidas por baixo do cinturão, sapatos pretos e muito bem engraxados. O perfume que usava tinha cheiro de jasmim.
Rosa aparentava ter 23 anos, era de boa estatura, tinha um corpo muito bem desenhado, até parecia com as silhuetas de um violão. Os seus cabelos eram longos e muito bem tratados, olhos castanhos, pele fina e clara, porém corada, a boca bem modelada, lábios carnudos e dentes na mais completa anatomia, trajava-se com um longo vestido de vuale, que suavemente mostrava suas carnudas pernas.
Como os dois já estavam com um pouco de intimidade, logo que o avião pousou, eles marcaram encontro no salão no qual iria se realizar o show e foi o que aconteceu, pois naquele momento todos que ali estavam se retiraram para os seus aposentos, onde se arrumaram para a grande festa, que começou pontualmente às 22 horas.
Na hora marcada, no clube muitos rapazes chegaram com suas damas, menos Evangelista, que chegou sozinho. Numa mesa que estava isolada em um canto da parede ele se sentou e ali ficou de cabeça baixa, meditando sobre o que havia combinado com a moça que encontrou no aeroporto daquela cidade. Não demorou muito, naquele recinto Rosa também chegou e fez-lhe um sinal, porém muito discreto, apenas um psiu o qual fez com que ele levantasse a cabeça e visse ela do seu lado. Com afago ele a convidou para sentar-se na cadeira que estava reservada para si. Educadamente ela aceitou o convite. Já sentada apresentou-lhe as companheiras, que em seguida pediram licença e se retiraram um gesto amigável, o que deixou os dois mais à vontade, que de forma elegante e sorridentes se olharam de forma bastante carinhosa e fazendo-lhe elogios, ofereceu-lhe um copo com bebida e indagou, sobre a sua família.
A princípio, ela ficou um tanto assustada com o que via e ouvia, mas entendeu, e com palavras dóceis respondeu todas as suas perguntas: “Sou filha de pais pobres, porém honrados, eles se chamam Cordeiro e Maria.
O que eles fazem? - perguntou novamente.
“São agricultores e comerciantes”, respondeu.
A donzela também lhe perguntou sobre a sua família, que mesmo sendo tímido, respondeu-a dizendo: Meus pais são agricultores por profissão lá no médio sertão, onde nasci e fui batizado com nome retirado dos evangelhos da Bíblia Sagrada. Aqui estou estudando e trabalhando com prótese dentária. Nos fins de semana e feriados faço na periferia da cidade o papel de mascate viajante. Moro em um armazém de algodão do vereador mais popular desta cidade e almoço na pensão do Povo, que é administrada por Marceu e Virgínia Fortaleza Damasceno.
Naquele momento, os músicos aqueciam os tambores e uma valsa eles tocaram. A primeira música do show que começou com força e vigor, todos os casais foram dançar, ficando o salão totalmente ocupado com os dançarinos. Por terem dançado bem Evangelista e a Rosa, tornou-se o casal mais elegante da festa. Mesmo discretos, os dois sorriam e conversavam sem parar. Quando iam dançar, todos paravam para vê-los valsando. Ao terminar a parte, eles pediam o bis e, quando se sentavam, as conversas rolavam descontraidamente entre os dois.
Na intimidade de namorado, ele sutilmente passou a mão na cintura da moça dizendo: Rosa, você é uma linda mulher, tem corpo delgado, rosto angelical, sua forma graciosa, faz-lhe uma languidez eflúvia, parece um vaso de fina porcelana, no qual se toca com receio para não quebrar. O seu perfume chega flor, daquelas regadas nos jardins mais bonitos desta cidade. Seu alongado rosto se afeiçoa a seus cabelos castanhos, uma pele rosada e macia; a testa lisa e bem moldada; os olhos brilham como um rubi, depositado em luxuosos porta-jóias.
Aquelas doces palavras fizeram a moça estremecer da cabeça aos pés, mas aceitou tudo com tranquilidade. Ficou ofegante, sua beleza realçava um sentimento que mexia no fundo de sua consciência, era uma coisa sem igual, tinha paciência e tranquilidade, por isso tornava-se ainda mais carinhosa, o que fez com que os dois trocassem alguns beijos durante e depois da dança, um aconchego que a música prescreve ou permite entre os pares que estão se amando.
Quando a festa estava próxima de terminar, Rosa provocou lhe dizendo: “Encontro como este deveria acontecer por mais vezes no ano”!
Ele que já havia perdido parte de sua timidez, concordou com aquela simpática proposta. Tanto concordou que a convidou para um breve passeio no pátio do clube, justamente onde estava o amigo presidente da casa conversando com outras pessoas da sociedade.
É de se imaginar que no decorrer daquela caminhada eles pensaram: Será verdade ou falsidade o que está acontecendo com eles naquele dia? Talvez tenham eles ficado por alguns minutos de cabeças baixas, pensando como se desculparem pela timidez, mas certamente não tiveram coragem, apenas disseram consigo mesmos, o excesso de trabalho poderá nos distanciar um do outro logo mais.
Em seguida ele disse para a moça: Você tem cara de rainha, que convence a grandeza involuntária de um pobre homem que veio lá dos confins do estado maranhense para ser feliz neste lugar, ao lado de uma linda mulher como você, uma majestade que tudo pode.
Calmamente ela ouvia os seus elogios, mas nada dizia, apenas sentia na alma que ele tinha satisfação em tê-la como namorada, uma imaginação confusa, pois ela sempre deixava nas suas conversas alguns suspenses, principalmente, quando dizia: “Será você o príncipe da noite o qual nasceu para me fazer companhia nesta corte”?
O romance que ali rolava era mesmo um suspense, tudo era confuso para ambos os lados. A moça era simpática, mas parecia orgulhosa; ele era tímido, porém esperto. Com seu ar de leveza, viu nela certa sinceridade e lhe dava um beijo e um abraço amigável. Minutos depois chama o garçom para servir a mesa com refrigerante, depois se dirigiram para o interior do salão, onde dançaram um bolero na maior calma possível. Ao término da música a moça pediu licença e foi até o palco receber do cantor um autógrafo. Com delicadeza, ela da bolsa retirou o seu diário com uma linda caneta esferográfica e entregou-os para o artista assinar, beijou também a sua mão e saiu se desmanchando de satisfação.
O que ele escreveu naquele diário não se sabe o que foi. Seja lá o que tenha escrito, com os olhos muito bem arregalados ele ficou reparando o que se passava ao seu redor, pois já desconfiado de traição, pergunta a ela: Quem são aquelas pessoas e porque beijou na mão do cantor com tanta satisfação?
Disse a moça: “As pessoas que abracei são meus parentes, o beijo foi apenas uma gentileza de minha parte para com o ilustre visitante, que faz show musical pela primeira vez nesta cidade”.
Naquele momento, os dois foram até a mesa de alguns amigos para conversar um pouco sobre a festa. Ao se aproximarem da que estava a sua majestade, o presidente do clube conversando com alguns vereadores e suas digníssimas esposas, sobre aquela gloriosa festa. Depois de um rápido cumprimento, aquelas ilustres autoridades, ouviu-se o prelúdio de mais um bolero, o que incentivou a todos a se retirarem das mesas para o meio da sala de dança e brincarem até o raiar do sol do dia seguinte.
Evangelista e a Rosa ficaram naquele baile o tempo todo conversando com franca intimidade. Os amigos: Chico Marreteiro, João Torres, Sebastião Mota, João Paulo, Luís Sousa Lima, Francisco Maia, José Freitas, Genésio Ferreira, Santana Mota, Maria do Amparo, Simplícia Coelho, Angelita Almeida, Maria do Carmo e outros amigos que ali estavam prestigiando aquele evento, também ficaram até o fim do baile.
Quando o show acabou, ele se despediu dos amigos e da moça que lhe fazia companhia e procurou se retirar do salão onde rolava aquela festa social. Rosa, que ainda tinha algo importante para lhe falar, acompanhou-o até a praça que ficava próxima do clube. Lá eles sentaram-se em um banco e dentro de pouco tempo, ela falou-lhe que em breve pretendia viajar para uma cidade distante, um desejo antigo e que sempre era adiado. Disse também, que seus pais estavam se mudando para outro município do Maranhão. E finalizou a sua fala, perguntando: “Quando você vai conhecer os meus genitores”?
Logo que você marcar a data, com todo prazer lhe visitarei e com seus pais terei uma boa prosa familiar. Disse lhe também: sou um eterno admirador das belezas que a natureza criou na terra, como as plantas que brotam dos seus galhos flores tão cheirosas como você. Não posso ficar como andorinha desgarrada, mudando-se de um lugar para outro, quando bem quiser; fico por aqui sozinho à espera de um dia ter muitos encontros como este. Em beijo a mão direita dela e partiu para o seu local de trabalho, onde alguns clientes lhe esperava para receber serviços.
Naquele momento a molecada que estava jogando bola de gude, nas proximidades daquela praça, ficou murmurando de curiosidade em ver os dois saindo calmamente, em direção contrária um do outro, como se nada tivesse acontecido entre eles no decorrer daquela noite, que terminava dando início a um lindo dia de sol ardente.
Passados alguns dias, Evangelista se arrumou e foi à casa da Rosa para conhecer a sua família e lá foi carinhosamente recebido na sala de visitas, por seus pais José Cavalcante e Maria Belchior Cordeiro. Num sofá, sentaram-se um pouco, trocaram algumas informações sobre costumes familiares. Depois da prosa, deles se despediu e retornou para o seu local de trabalho e nunca mais foi à casa de sua ex-amada Rosa Belchior Cavalcante, que em poucos dias se mudou para local não identificado e nunca mais deu notícia aos seus familiares.
6º ATO
Não sei se foi realidade ou meras coincidências, sei apenas que o mundo é como um espelho que devolve a cada pessoa o reflexo de seus próprios pensamentos é a mesma coisa de pensar que alguém começou a ter sucesso antes mesmo de completar seu primeiro ano de vida. Nos dias de hoje é possível observar inúmeras semelhanças de imagens que comparadas com a realidade elas têm representação reduzida do objeto real e ao mesmo tempo é uma ampliação da figura que aparece no negativo dela, exemplo disso está nos discursos que o Apostolo Paulo fazia quando pregava a palavra de Deus no seu estado de fé.
Mesmo que você seja pego de surpresa, experimentando outra fé, a maneira como você encara a vida é que faz toda diferença, principalmente, quando se encontra perdido nas prateleiras de uma biblioteca um diário, que relata a história de uma tradicional família, que residia numa pequena comunidade do interior do Maranhão e na sua primeira página estava escrito: “Foi numa linda sexta-feira, de 3 de março do ano de 1922, que nasceu um robusto menino; na quarta-feira, dia 14 de janeiro de 1925, uma bonita menina; no domingo, dia 12 de março de 1928, um grande bebê e no sábado de 8 de agosto de 1931, uma bela menina. Ambos nasceram de parto normal e em lugares bastante diferentes um do outro e eram todos filhos de agricultores que nunca se viram, até porque moravam muito longe”.
Até parece sem muita importância o que estava escrito naquele diário. Mas partindo do princípio de que toda semelhança com a realidade são meras coincidências, que pode ser transformada em uma grande história que resultou em juras de amor, descobrimos que o 1º foi batizado com o nome de João Ferreira do Nascimento, a 2ª de Perpétua Ferreira do Nascimento, o 3º de Manoel Mota do Nascimento e a 4ª de Maria Tomás Mota. Observando estes nomes é perfeitamente compreensível dizer, que havia entre eles certo grau de parentesco. Descobriu também, que todos foram criados no mais absoluto rigor dos costumes da época.
Por isso mesmo a longa distância que os separavam uns dos outros, o primeiro contato, que eles tiveram deu-se lá pela década de 40, exatamente quando um rico fazendeiro daquela região resolveu fazer na sua propriedade uma grande festa. Um mês antes do evento ele determinou que alguns dos seus trabalhadores fossem em todas as casas do centro-oeste maranhense e convidasse os seus moradores para aquela confraternização festiva, que foi regado com muita comida e bebida forte.
Naquela época, homens e mulheres costumavam ir para as festas trajando-se em bons ternos de linho e gabardina branca, sapato de couro e chapéu de massa na cabeça. As moças se vestiam com longos e confortáveis vestidos de vuale com flores azul-celeste e cingidos com fitas de cor rosa e cravejados de botões da mesma tonalidade.
No dia e hora marcada chegam os convidados, entre eles, estavam os dois rapazes e as duas moças, acima mencionados. Ambos tinham estaturas medianas e olhos de falcão, cujas características certamente fascinaram-os logo no primeiro olhar, um sentimento sincero e recíproco que os uniu desde o primeiro instante em que se viram. Por algum tempo. Aquele proibido namoro foi mantido em completo sigilo, se correspondiam através de olhares furtivos e cartas confidenciais.
Quando seus pais souberam do namoro logo procuraram o padre da região para fazer o casamento. O primeiro realizou-se em 15 de julho de 1942, o segundo, no dia 29 de outubro de 1949, os quais, no decorrer de suas vidas, geraram vários filhos, entre tantos, um menino e uma menina. O menino nasceu num lindo domingo de agosto do ano de 1950 e a menina numa bonita quinta-feira de fevereiro do ano de 1957 e em lugares muito distante um do outro. Mas as coisas do destino são assim, eles foram os únicos da família que se formaram e em consequência disso, fizeram algumas economias de bens materiais. Fizeram também, pesquisa de mercado e um bom projeto sobre o que pretendiam explorar nos negócios que criaram para a manutenção de seus filhos.
Sem nenhuma pretensão, um deles planejou visitar alguns dos seus parentes no final do ano de 1976 e conforme havia planejado, por volta das 17 horas do dia 15 de novembro daquele ano, ele partiu de sua residência em direção do leste do estado que morava. Lá pelas tantas do dia seguinte chegou à bela e histórica cidade de Barra do Corda, onde deu uma paradinha, na casa de sua tia Ana Ferreira Damasceno. Enquanto com ela tomava café e prosava, viu em cima de uma estante a fotografia de uma lida moça, mas apenas olhou e nada disse. Minutos depois, dela se despediu e continuou a sua viagem para outros rincões do estado, pensou: no dia 23 retornou vou retornar à casa da tia Ana encontra-me com a moça da fotografia.
No dia e hora marcada lá chegou novamente, mas ela ainda estava para o trabalho, como estava decidido conhecer a moça na casa dela se hospedou, foi ao rio que dá nome a cidade tomar banho e lavar o carro, uma novíssima Brasília branca, trocou de roupa e se sentou em um banco que estava na calçada, minutos depois ela chegou e lhe cumprimentou e trocou algumas palavras sobre o culto de ação de graça que ela estava organizando na I Igreja Cristã Evangélica. Na oportunidade convidou-lhe para participar do culto, que iria se realizar logo mais. O convite foi aceito e na hora marcada os dois foram àquela casa de oração. Lá chegando sentaram-se no banco da frente, o que certamente chamou atenção do pastor Abdiel Santos, que abriu os trabalhos lendo o livro de Mateus, justamente no versículo que cita: “Vem Pedro, descendo do barco, e andando sobre as águas, foi ao encontro de Jesus. Então o reino dos céus será semelhante às dez virgens que, tomando as suas lâmpadas, saíram ao encontro do noivo”.
Depois da leitura, falou do amor familiar e contou uma pequena história de um casal de jovens que casualmente se encontraram no meio do deserto do Saara e se apaixonaram à primeira vista.
Até parece que tudo estava planejado, mas de planejamento só o do rapas que havia colocado na sua cabeça que naquele dia iria ver a prima, a qual ele havia visto em maio de 1963 e a celebração do culto de ação de graça, alusivo à formatura de várias professoras do Colégio Diocesano. Terminado o culto os dois de mãos dadas saíram da Igreja em direção da praça central, que ficava a alguns metros dali. Lá ficaram por alguns minutos sentados em um banco de cimento conversando sobre a programação da festa de formatura, que estava prevista para acontecer no mês seguinte.
A noite estava linda e com uma brisa que vinha do rio, aquilo soprava um ar de floresta verdejante que a lua cheia aluminava. Sentado naquele banco, eles olhavam uns para o outro, minutos depois ele disse: Moça, fale-me um pouco de sua família, da sua cidade e do que aqui está para acontecer em prol do engrandecimento da cultura deste lugar.
Em poucas palavras ela respondeu a sua pergunta dizendo: “Por ser filha de agricultores, tenho nome bastante familiar, Raimunda Ferreira do Nascimento. Tenho também sete irmãos, todos moram no interior, onde trabalham para da terra tirar o sustento para si e para suas famílias. Para esta cidade vim quando ainda era muito pequena para estudar e morar com a tia Ana e o tio Daniel. Sobre a cidade, apenas sei que ela foi fundada por Manoel Rodrigues de Melo Uchoa, em 3 de maio de 1835. O nome foi dado em razão do rio Corda, antes conhecido como rio “Capim”. Como existiam muitos cipós que se enrolavam em forma de corda, daí o nome “Rio Corda” e por estar geograficamente bem localizada, logo passou a cidade, que foi intitulada de “Barra do Corda”. Com relação ao que está para acontecer, no momento só me lembro da festa de formatura, que o Colégio Diocesano vai fazer no dia 17 de dezembro. Nesta data vão se formar várias professoras, entre elas eu sou uma das concludentes do Magistério”.
Mesmo tímido, porém com certa elegância e um tanto poético, ele respondeu a moça dizendo: “Meu pai tem nome de rei, a minha mãe de rainha e também são agricultores por vocação, lá no médio sertão maranhense onde tenho mais nove irmãos. Aqui estou a passeio. Moro em Açailândia, um povoado que fica bem distante. Lá tenho uma pequena empresa comercial e um laboratório de próteses dentárias e na sociedade organizada, com sócio contribuinte tenho algumas participações”.
Foi memorável aquela noite, mais uma vez fui surpreendido pela moça que me fazia companhia, ela me convidou para ser o seu padrinho de formatura, uma proposta irrecusável, porém, demorei dizer que aceitava. Como já entendia de psicologia, ao receber aquela proposta fui um tanto cortês e gracioso com a moça, disse-lhe que a noite passava com volubilidade serena, de igual modo era a vida de estudante, principalmente, quando estava se aproximando da formatura. Sem mais uma só palavra, reclinei a cabeça no ombro da donzela, como quem estava pensando, mas estava era tentando preencher os intervalos de sua fala com assuntos que a deixou mais à vontade e com menos timidez, e assim o diálogo continuou entre os dois de forma descontraída até mais tarde. Quando de repente ela ficou calada e pálida, parecia estar vendo algo estranho. Desconfiado com aquilo lhe interceptei dizendo: Parece que a senhorita vê alguma coisa estranha na sua frente?
“Sim passou na nossa frente um jovem homem, que há muitos dias tento esquecer seu nome”, respondeu a moça.
Por quê? Ele lhe fez algum mal?
“Não, ele foi meu ex-namorado”!
Entendo você ainda está por ele apaixonada.
Como quem chorava internamente, a moça suspirava com certa dificuldade, no momento em que pedia desculpas pelo mico que havia cometido.
Com elegância e educação eu disse-lhe: Senhorita, a filosofia e a psicologia explicam que os sentimentos passam pela gente naturalmente e na maioria das vezes deixam as pessoas distraídas e esquecidas do que estavam fazendo. Portanto, não se assuste! Isso são coisas do destino de cada um de nós.
Não havia dúvida, o brilho dos olhos da moça falava a cada frase do mu diálogo. A cada minuto, suspirava fundo para poder voltar à sua normalidade, tanto é que se levantou do banco que estávamos sentados dizendo:
“Já está ficando tarde demais, portanto é hora de irmos para casa, porque um novo dia está se aproximado e nele temos muita coisa para fazer”.
Sem mais formalidades dali saímos em direção do carro que estava estacionado ao lado, nele adentramos e partimos pata a Praça da Bandeira, onde ela morava. Lá chegando eu fui para o quarto de hóspede dormir numa confortável rede de labirinto, que já estava armada, ela antes de ir para o seu quarto, veio até a porta que ainda estava aberta e novamente suspirou fundo, com uma voz suprema de quem estava apreensiva por ainda não ter recebido a resposta, se eu aceitava ou não o convite “ser seu padrinho de formatura”, desejou-me boa noite e se retirou.
Naquele momento eu pensei mil coisas, como por exemplo: “Por que entre tantos ilustres filhos da cidade maravilhosa eu fui o escolhido para tão honrosa missão, ser padrinho de formatura de uma linda professora. Mas sendo um homem correto em tudo que fazia, fiquei um tanto preocupado pelo constrangimento que estava causando àquela moça, o silêncio era profundo sobre o assunto, no entanto, estava meditando numa forma mais romântica para dar-lhe o sim. Deitado naquela rede pensava se aquilo seria um acaso ou uma ilusão. Pareceu-me subir a pressão, nem sei se dormi direito naquela noite. Talvez não.
Quando o dia amanheceu, no rio tomei um banho, troquei de roupa e fui até a sala de jantar tomar café com a donzela, que lá já estava me esperando com um lido sorriso. Sem mais formalidade, uma oração de gratidão a Deus ela fez, de quem pediu saúde e muito pão na mesa de todos os cristãos. Agradeceu pelo novo dia que se iniciava e pediu do Pai Celestial muita compressão para todos os seres humanos. Terminada a oração, todos se sentaram nas cadeiras que estavam ao redor da mesa e se serviram de tudo que ali estava exposto: frutas, leite, bolo, mel e beiju de tapioca com paçoca, entre outras iguarias que os nordestinos gostam de usar nas refeições matinais.
Ao término de tudo, fiz uma pausa, suspirei fundo e para a professora respondi, assim dizendo: Vale, pois, não o tamanho da responsabilidade que o homem é convidado para aceitar, mas aceito o desafio de ser seu padrinho de formatura, somente agora pude dar-lhe dar a reposta, pois tudo que faço é devidamente calculado, para que nada dê errado. Em seguida, com ela agendei o dia e hora que iria chegar naquela cidade para apadrinhá-la. Na sua mão dei um aperto e um leve beijo no seu rosto, que foi correspondido por outro, depois me despedi dos seus pais e me retirei para a sala, lá tomei nas mãos a bagagem e a coloquei no porta-mala do carro, na ignição dei a partida e engatei a primeira marcha, fiz sinal de despedida e por ruas calçadas com pedras segui viagem para Açailândia, onde cheguei no fim do dia.
No dia seguinte fui à cidade de Imperatriz, lá encomendei um lindo corte de tecido. Depois que paguei a conta, levei-o ao melhor costureiro daquela cidade para dele fazer o terno que iria vestir no dia da formatura da professora Raimunda Ferreira do Nascimento, em 17 de dezembro de 1976.
Quando o terno ficou pronto, liguei para ela e falei do modelo e cor da roupa que pretendia vestir no dia de sua formatura. Disse também, que as minhas ocupações comerciais e profissionais impediam-me de chegar naquela cidade mais cedo, para com ela prosar um pouco mais as minhas pretensões de com ela me casar. A partir de então, a comunicação entre nós acontecia semanalmente, porém ao telefone, quando emocionava ainda mais o seu coração.
No final do dia 16, de Açailândia partir em direção da Barra, aonde chegou ao amanhecer do dia seguinte. Depois que tomou café visitou alguns amigos em outros pontos da cidade, retornou para o almoço na casa dos pais da moça, onde foi recebido por seus familiares e amigos, entre tantos estava o poeta e historiador João Pedro Ferreira da Silva, que depois da sobremesa pediu permissão para fazer uso da palavra, que foi concedida sem mais formalidade. Como bom orador, ele iniciou a sua fala fazendo um extenso agradecimento às autoridades e pessoas ali presentes e em rima concluiu a sua fala dizendo: “Para que essa festa se torne mais justa e perfeita, faz-se necessário que o Juiz desta Comarca, o Dr. Manoel Gomes, o prefeito Alcione Guimarães, o comerciante Raimundo Fernandes e as professoras Elizabeth Maria e Marlene Queiroz reúnam-se no Cartório Almir Silva, com Evangelista Mota Nascimento e Raimunda Ferreira do Nascimento, com seus respectivos pais Manoel Mota do Nascimento, Maria Tomás Mota, João Ferreira do Nascimento e Perpétua Ferreira do Nascimento, para testemunharem o enlace matrimonial que iremos realizar ainda hoje do ilustre casal “padrinho de formatura com a formando no magistério”.
Sem dúvida, a insinuação daquele poeta foi como um incêndio que do nada surge no bosque e rapidamente abrasa o que encontra pela frente e foi o que aconteceu horas depois, eles estavam em nome da lei se casando e às 19 horas, no salão nobre da Igreja Nossa Senhora da Conceição, recebendo das mãos do Frei Jesualdo Lázaro, o Diploma de Formatura, que com cavalheirismo Evangelista deixou a timidez e a mão da esposa Raimunda beijou, no entanto, nada disse, apenas entregou-lhe o “Diploma de Professora” e se retirou do palco.
Era natural que eles saíssem daquele recinto, vaidosos e triunfantes. Mas apesar de todas as vitórias alcançadas, ele dizia para si mesmo, fui longe demais, o que vou dar a essa moça para que me corresponda satisfatoriamente? Pensava, ainda hoje tenho que voltar para Açailândia, onde tenho inadiáveis compromissos a cumprir, lá nada deixei programado, tudo aconteceu tão rápido, mas seja o que Deus quiser, já estou casado, só resta orar ao Senhor meu Deus e dele pedir muita luz e sabedoria para vivermos bem e constituir uma nova família até que a morte nos separe. E assim iniciava-se ali uma nova aventura entre aquelas duas criaturas.
Ela estava radiante e cheia de felicidade, pois naquele dia se formava e se casava ao mesmo tempo, mas também demonstrava preocupação, pois quase nada tinham programado para tão grande e inesquecível acontecimento, até porque também já estava ciente dos compromissos comerciais e sociais que o marido haveria de cumprir na sua cidade logo no dia seguinte e também, com ele viajar para um lugar desconhecido, horas depois do cerimonial de sua formatura.
Como tudo aconteceu de forma improvisada, quando chegou à casa que estava hospedado combinou com o sogro para ir consigo até a sua casa levar a digníssima filha e esposa. A proposta foi aceita e logo as malas começaram arrumar. Quando o galo cantou, das redes que dormiam saltaram e no carro que já estava estacionado na porta embarcaram e por uma estrada enlameada, hoje BR 236 partiram em direção do leste. Ao pino do sol do dia seguinte chegaram na BR-010, por quem seguiram viagem em direção do norte até o destino traçado para aquela viagem. Até lá o casal viajou em silêncio total, a partir de então, João Coto, como era conhecido o pai da moça que viajava no banco de traz do carro, parecia um tanto desprezado pela filha e o genro, mas apesar do longo silêncio ele entendia que dirigir carro é uma tarefa que merece cuidado e atenção redobrada, principalmente, quando se anda em estrada esburacada e empoeirada como era a que acabavam de enfrentar.
Mesmo tendo um transito mais movimentado, quando adentraram na BR-10, que já estava asfaltada, conversas sobre a viagem e os fatos que haviam acontecido naquele final de semana na Barra do Corda em suas família, começaram a fluir e por volta das 15 horas do dia 18 eles desembarcaram na Rua Ceará, 494 - Açailândia, Maranhão, de onde partiram uma hora depois para Imperatriz, onde cumpriu os seus inadiáveis compromissos sociais. Depois do dever cumprido, foi à rodoviária local embarcar o sogro para a sua terra natal. Quando o velho partiu, eles retornaram para Açailândia, aonde chegaram ao amanhecer do dia. Cansados dos compromissos e das longas viagens que havia feito naqueles três dias logo foram dormir, por já ser muito tarde, acordaram por volta das 11 horas do dia 19, ainda um tanto sem jeito foram almoçar, no decorrer do mesmo, conversaram um pouco sobre tudo que estava acontecendo entre eles. A conversa flui tanto que Evangelista perguntou à esposa, o que você sentiu no dia em que nos encontramos na Praça Mela Uchoa?
Ela, que ainda estava tímida com o marido, confessou que foi um dia de grande sentimento, quando o viu pela primeira vez, sentiu na alma uma emoção muito forte, tanto foi que imediatamente tomou a decisão de lhe convidar para um culto de ação de graças e adoração a Deus, ao mesmo tempo para ser o seu padrinho de formatura e para a sua felicidade, tudo aconteceu como ela havia pensado, com a celebração do enlaço matrimonial dos dois, que em nome do amor e da compreensão seja para sempre.
Não satisfeito com as suas respostas ele insistiu que queria uma explicação mais detalhada, pois naquela cidade há tantos ilustres rapazes, e ele que morava tão longe e totalmente desconhecido na região foi o escolhido para tão nobre missão, a de ser padrinho de formatura de uma jovem professora que certamente tinha naquele lugar muitas amizades.
De forma ainda mais gentil ela disse para o marido: “O mundo é assim, tudo tem o seu dia e hora para acontecer. Quero que você me conheça primeiro e depois faça jus do que acabei de lhe contar no decorrer deste almoço, o primeiro que participamos como marido e mulher”.
Naquele momento a conversa entre os dois foi interrompida por alguns instantes e com gentileza Evangelista tomou em suas mãos o prato da esposa e com um pouco de tudo que havia na mesa a serviu carinhosamente. Depois da sobremesa ela retirou da gaveta de sua escrivaninha um álbum de fotografias, que tinha como título de capa “Vida de Solteiro”. Na primeira página que ela abriu viu uma declaração de amor sem assinatura. Por curiosidade leu-a e sorriu, perguntando ao marido o que era aquilo.
Com um sorriso um tanto fechado ao ser interrogado daquela forma, ele sentiu que a presença da esposa era para si uma necessidade, e à proporção que se aproximava dela, no peito seu coração batia mais forte, o sangue corria nas veias com mais rapidez, uma razão que a ciência fisiológica explica como sendo a moral e paixão que se espalham, formando assim na intimidade daquele casal, emoções que vinham do espírito e assim se iniciava ali, os primeiros contatos amorosos entre os dois. Era um estado de alma que acabava de ser descoberta pelo invencível amor espiritual, a violação de uma liberdade que eles não conheciam, principalmente, quando ele respondeu a sua indagação, dizendo que eram fotos e anotações do seu tempo de solteiro e foi dessa forma que os dois se entregaram um para o outro e foram viver felizes sem mais nenhuma formalidade.
A união conjugal do casal foi e continua sendo tão perfeita que nas suas aceitações mútuas geraram quatro filhos, o 1º nasceu no dia 3 de setembro de 1979, o 2º no dia 4 de junho de 1981, o 3º no dia 9 de fevereiro de 1983 e o 4º no dia 10 de dezembro de 1985, este último (in memória).
Portanto, se imaginarmos que a paixão é como uma transcendência filosófica é possível que ela tenha ótica imanente, nos fenômenos naturais existentes na terra, nos quais o poeta se inspira para escrever texto iniciado com letra Maiúscula. No miolo coloca ideias e termina com Ponto. Estas e outras questões refletem importantes possibilidades sobre a grandeza da alma espiritual, um ser que até o presente momento nenhum olho humano teve o privilégio de ver, nem ouvir a sua voz e isso é o que chamamos de “coincidências que resultou em juras de amor”, até porque diz o ditado que muitos têm se apaixonado pelo que viram e até pelo desconhecido, porque a paixão é intocável, apenas sente-se no peito um aperto no coração amado, o que é bom, belo e bonito e isso tem acontecido com muitos em todos os recantos da terra.
Por fim, mesmo sendo um homem simples, logo que chegou em Açailândia, viu que o lugar que escolheu para morar, trabalhar e criar a sua família, era desprovido de vários empreendimentos educacionais, culturais e sociais. Como cidadão de visão futurista, idealizou e escreveu alguns projetos de grande envergadura e junto com a comunidade local e circunvizinha, conseguiu fundar e ajudar a manter entidades que muito têm dignificado o seu povo no campo da culturação e socialização. O seu primeiro investimento foi projetar e fundar uma escola de Ensino Médio, isso aconteceu no dia no dia 3 de março de 1974, no dia 14 do mesmo mês, fundou a empresa Comercial Mota Ltda. No dia 3 de março de 1976, fundou o Triângulo Maçônico 18 de Março. No dia 22 de junho de 1976, a Loja Maçônica Heitor Correia de Melo. No dia 20 de março de 1977, o Night-Clube. No dia 24 de junho de 1978, o Clube das Samaritanas, Ieda Borges. No dia 21 de abril de 1982, a Loja Maçônica União e Fraternidade Juscelino Kubitschek. No dia 22 de abril de 1982, o Clube das Samaritanas, Clemiuda Ribeiro. No dia 20 de agosto de 1986, a Associação dos Proprietários de Farmácia de Açailândia. No dia 17 de novembro de 1990, a Loja Maçônica Juvino Oliveira. No dia 18 de novembro de 1990, o Clube das Samaritanas, O Pelicano. No dia 11 de maio de 1994, o Capítulo Demolay Evangelista Mota Nascimento Júnior. No dia 20 de agosto de 1996, a Associação dos Tapeceiros de Açailândia. No dia 22 de setembro de 1998, o Sindicato dos Proprietários de Farmácia do Sul do Maranhão. No dia 4 de junho de 2000, o Centro de Cultura Popular Engenheiro Bernardo Sayão. No dia 28 de outubro de 2001, o Sindicato dos Dentistas Práticos do Sul do Maranhão. No dia 29 de abril de 2004, a Academia Açailandense de Letras e no dia 29 de abril de 2006, a Academia Mirim de Letras de Açailândia.
Neste intervalo de tempo, foi co-autor das seguintes fundações: Loja Maçônica União e Fraternidade Grajauense, fundada em Grajaú-MA, no dia 14 de janeiro de 1976; Loja Maçônica Luz do Oriente, fundada na Vila Bela Vista, Estado do Pará, em 18 de novembro 1995; Loja Maçônica Monte das Oliveiras, fundada em Açailândia, em 22 de junho de 2000; Loja de Perfeição Arco Iris, fundada em Açailândia, no dia 28 de novembro de 1994; Capítulo Cruzeiro do Sul, fundado em Açailândia, no dia 29 de maio de 1995; Escola Infantil Nelson Oliveira, fundada em Açailândia, no dia 26 de outubro de 2007.
Mesmo tendo ajudado fundar, manter e administrar estas entidades com a maior transparêcia possível, nelas fui injustamente criticado por muitas vezes, isso me causou profundas decepções, as quais foram decisivas para que eu as abandonasse de uma vez por toda. No entanto, recomendo para os seus membros combaterem a tirania, a ignorância, os preconceitos e os erros, e glorificarem o direito à justiça e a verdade, promoverem o bem estar da pátria e da humanidade, levantarem templos à virtude e cavarem masmorras ao vício. Recomendou também, que nas horas difíceis peçam a Deus luz e sabedoria para resolverem as dificuldades sem ofender ou prejudicar um só dos que lhe criticam, pois nestas casas “não se fala mal de pessoas, ora-se por elas”.
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Mestre não é só aquele que ensina, mas também, aquele que aprende com seus alunos. "Evangelista Mota Nascimento"